sábado, 26 de março de 2011

O ALTO PREÇO DA DIFERENÇA


Como é caro ser cadeirante...

Adriana Lage

Fico boba com o custo de vida de um cadeirante tetraplégico em nosso país. Se quiser ter mais qualidade de vida, o cadeirante precisa desembolsar uma bela quantia mensal. Os valores que citarei abaixo são baseados em Belo Horizonte/MG, embora acredite que os números não variem tanto nas demais cidades.
Pessoas como eu, tetraplégicas, normalmente só são aceitas em academias de ginástica caso contratem um personal – a pessoa com deficiência recebe assistência exclusiva do profissional. O valor de mercado é R$ 40,00 por uma aula com duração de 60 minutos. Por aqui, a maioria das academias ainda não é acessível e também não contam com profissionais gabaritados para atender pessoas com deficiência. Atualmente, nado três vezes por semana. Pagava cerca de R$ 100,00 por semana para meu personal. Só que, agora, resolvemos reajustar o valor da aula. Ele me propôs R$ 40,00 a aula. Ainda estamos negociando, pois o valor é bem alto. Provavelmente, terei que reduzir o número de aulas semanais para que o custo caiba no meu orçamento. Só com natação, gastaria cerca de R$ 520,00 mensais, além dos R$ 80,00 que pago para poder usar a piscina da academia. Em BH, quase não temos projetos gratuitos de natação para deficientes. Não consigo conciliar meu horário de trabalho com os horários das aulas. O Governo Federal beneficia seus atletas com o programa Bolsa Atleta. O valor recebido varia de acordo com a categoria do atleta: estudantil, nacional, internacional, etc. Uma modificação recente na Lei exige que existam, pelo menos, 5 atletas competindo no Brasil em cada classe. No meu caso específico, fui a única nadadora da classe S3 no ranking do Comitê Paraolímpico Brasileiro em 2010. Mesmo se tivesse permanecido na minha classe anterior, S2, não teria acesso ao Bolsa Atleta, pois existem apenas 3 nadadoras nessa classe. Por exemplo, se contasse com esse auxílio, não pensaria duas vezes em pedir para trabalhar apenas 6 horas por dia e me dedicar mais ao esporte. A natação é item obrigatório na minha vida. Não me enxergo mais sem ela. Com certeza, é a parte mais bem empregada do meu salário. Meu professor é excelente e muito competente. Deve ser muito difícil encontrar um substituto a altura. Por isso mesmo, vou arrumar um jeito de reajustar o valor das aulas e continuar com ele, mesmo que, para isso, precise cortar outras coisas.

Outro custo alto é com fisioterapia. Meu plano de saúde possui várias clínicas credenciadas – muitas delas não acessíveis para cadeirantes. Em 2005, pagava cerca de R$ 2,15 por sessão. Só que não consigo conciliar meu horário de trabalho com o de funcionamento das clínicas. Com isso, tive que optar por contratar uma fisioterapeuta para me atender em casa. Ela me cobra R$ 30,00 por sessão, com duração média de 40 minutos. Normalmente, o preço mínimo da sessão é de R$ 40,00. Os resultados tem sido fantásticos e tem valido muito a pena.
Como dependo de ajuda para atividades básicas do dia a dia, estou à procura de uma pessoa que possa me ajudar e cuidar da casa enquanto trabalho. O ideal seria a contratação de um cuidador. Só que o custo é altíssimo! Em média, o profissional cobra R$ 70,00 por plantão de 12 horas. Conversei com vários cuidadores, mas não fechei negócio com nenhum. Todos eles se recusaram a fazer tarefas domésticas enquanto eu estivesse trabalhando. Ficariam ociosos grande parte do tempo. Agora estou tentando a contratação de uma empregada doméstica que cuide da casa e que possa me ajudar também. O custo será mais baixo, ainda mais que não preciso de cuidados especiais como, por exemplo, utilizar sondas e fazer curativos. Só que esses profissionais estão escassos no mercado! Por enquanto, só encontrei pessoas que moram bem longe da minha casa, o que encareceria o custo com 4 passagens diárias.
O transporte é outro fator que pesa no bolso! No meu caso, ainda não consegui tirar minha CNH. A frota de ônibus da capital mineira está bem renovada e conta com vários ônibus adaptados. Ainda temos casos esporádicos de elevadores estragados, má vontade dos motoristas e cobradores, impaciência dos demais passageiros para que o cadeirante entre/saia do ônibus... Mas as coisas já melhoraram bastante. No local em que trabalho, existe várias escadas e uma rampa íngreme. Só uso essa rampa de carro ou a pé quando preciso ir ao terceiro andar. Caso eu optasse por ir trabalhar de ônibus, passaria muito aperto. As ruas na redondeza possuem calçadas com degraus e sem nenhum rebaixamento nas esquinas. Em vários locais, postes de iluminação ou cestas de lixo obstruem a passagem da cadeira de rodas. Em BH, temos uma empresa que faz o transporte de pessoas com deficiência em veículos com elevadores. Ela atua no mercado há alguns anos, sem concorrência. Só que os preços são altíssimos. Para terem uma idéia, gasto cerca de R$ 40,00 com táxi, ao dia, para me deslocar de minha casa ao centro da capital. Na empresa particular, o mesmo percurso sai a mais de R$ 70,00 por dia.
Em BH, até hoje, só temos um táxi acessível. Recentemente, foi publicado o edital para licitação de novas permissões, onde se espera que 60 novos táxis acessíveis passem a circular pela capital mineira. Difícil acreditar que isso se tornará realidade, já que não existe muito interesse por parte dos taxistas. O veículo acessível é quatro vezes mais caro que o veículo comum e não são oferecidos incentivos para sua aquisição. Participei do curso que a BHTRANS fez antes do veículo adaptado começar a circular no final de 2009. Muitas promessas foram feitas, mas, na prática, nada aconteceu. Apenas Seu Ranulfo continua circulando pela capital. A viagem no táxi acessível sai alguns poucos reais mais cara que nos táxis comuns. Contagem, cidade da grande BH, possui um serviço muito bacana e gratuito. A prefeitura adaptou uma série de veículos que levam as pessoas com deficiência para a escola e tratamentos médicos. Que eu saiba, na capital, não temos esse tipo de serviço. É muito mais agradável poder andar em um veículo em que não seja preciso sair da cadeira de rodas. Isso nos dá muito mais independência.
Somados a esses gastos, temos alimentação, lazer, estudos, cuidados pessoais, remédios, equipamentos, etc, que, no final do mês, representam uma quantia relevante no orçamento. Concordo plenamente com um texto da Leandra Migotto em que ela diz que cadeirante deveria ter a obrigação de nascer rico! Com certeza, a passagem nessa vida seria bem mais fácil.

(Encontrado em http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=31450)

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