quinta-feira, 24 de março de 2011

TELONA QUENTE 21


Uma Mulher de Tirar o Fôlego

Minha viagem pelos filmes policiais e de espionagem das décadas de 40 e 50 me conduziu a uma produção com a recém-falecida Elizabeth Taylor. Há algumas semanas assisti a Conspirator (1949), no qual a atriz fazia uma jovem que inadvertidamente se casara com um colaborador comunista. Nada de especial, apenas um melodrama morno que capitalizava com a fobia vermelha do pós-guerra. A filmografia da atriz está repleta de bobagens e fracassos, mas conta com clássicos como Assim Caminha a Humanidade (1956), O Pai da Noiva (1950) e Um Lugar ao Sol (1951), que revi recentemente. Sem contar as adaptações das peças de Tennessee Williams para a tela grande, como Gata em Teto de Zinco Quente (1958), mas daí, tenho sérias restrições devido à domesticação do conteúdo revolucionário da obra do dramaturgo. Isso não significa, porém, que não consiga apreciar o trabalho dela, mesmo nesses filmes.
Taylor nunca foi atriz do calibre de uma Meryl Streep ou de uma Emma Thompson, verdade seja dita. Eficiente e capaz de boas atuações, seus limites eram bem definidos. Possuía, entretanto, o carisma que a tornou uma estrela de cinema no sentido que Streep e Thompson não podem fazer sombra. Taylor fez de sua vida pessoal também um longo filme, repleto de plot twists. Dentro e fora das telas, era personagem, uma verdadeira celebridade. Diva. La Taylor. Escandalosamente bela, colecionadora de (di)amantes, roupas e maridos. Uma metralhadora de declarações bombásticas, temperamental, consciente de que era um produto rentável, Liz – como detestava ser chamada – e seus olhos violeta exerciam aquele fascínio sobre nós, meros mortais, que temos que nos submeter à rotina, aos chefes, ao dinheiro contado no fim do mês. Nos oferecia estilo e glamour em doses generosas. Como compensação por tanto fausto, igualmente sofria como heroína de melodrama ao estilo de Os Ricos Também Choram. Sempre em público. Casamentos frustrados, alcoolismo, problemas com o peso e a saúde. Dezenas de cirurgias e quase-mortes.

Mas, a vida da atriz não se resumiu a uma extensa egotrip vivida sob os olhos do público. Ela usou seu enorme prestígio para chamar a atenção para o flagelo da AIDS em uma época em que o assunto era tabu. Para se ter uma idéia da dimensão do ativismo e da coragem de La Taylor, basta lembrar que o então presidente Ronald Reagan mencionou a AIDS pela primeira vez somente em 1987. Milhares de pessoas já haviam morrido quando a maior autoridade norte-americana finalmente reconheceu a existência da epidemia. Celebridades não tocavam no assunto, por medo de terem seus preciosos nomes associados a uma enfermidade “gay”. Em meados dos anos 80, Elizabeth emprestou voz e empenho e iniciou visitas ao senado para exigir verbas para pesquisa e tratamento, eventos beneficentes para arrecadar dinheiro e viagens ao redor do mundo para promover conscientização. Milhões de dólares foram angariados ao longo dos anos por sua fundação, seu trabalho deu esperança a muitos doentes e inúmeras pessoas tornaram-se ativas no combate á síndrome, inspirados pelo trabalho de Elizabeth.
Nos últimos anos, aparecia em público em cadeira de rodas, por conta dos graves problemas de saúde. Coberta de jóias, bem vestida, penteada e maquiada, a mulher que outrora fora considerada a mais bela do mundo não se envergonhava de mostrar sua limitação. Elizabeth Taylor foi a personagem mais complexa interpretada pela atriz.
De certo modo, ela também tocou minha vida. Em 1985, vi Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966), adaptação da peça homônima de Edward Albee. Apenas anos mais tarde, compreendi o elemento de desconstrução do Sonho Americano, base do feroz ataque do dramaturgo. Na época, nem mesmo entendi que o filho de George e Martha era imaginário. Mesmo assim, adorei a lancinante gritaria e os perversos jogos psicológicos das personagens. Taylor levou seu segundo Oscar pela interpretação de uma mulher alcoólatra de meia-idade às turras com o marido. Considerando-se que seu parceiro na tela era o marido Richard Burton, com o qual teve relacionamento pra lá de conturbado, Taylor tinha tudo para arrasar.
Dia seguinte ao filme, fui à biblioteca municipal e emprestei um romance de Virginia Woolf, Noite e Dia, seu segundo. Levei um mês para terminar, mas a maluquete suicida inglesa tornou-se uma de minhas escritoras favoritas. La Taylor foi um dos elementos responsáveis pelo meu rito de passagem da literatura juvenil para a adulta...
Em meio à enxurrada de declarações sobre Elizabeth Taylor, fico com uma de Madonna, feita há anos: “ela é de tirar o fôlego.” 

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