quarta-feira, 13 de abril de 2011

CONTANDO A VIDA 30

Na crônica desta quarta, o professor Sebe escreve sobre alguns escritores brasileiros de origem árabe. Ao final, você ficará sabendo qual o autor árabe que mais influenciou nosso cronista.


OS MERCADORES DA NOVA FICÇÃO BRASILEIRA.
José Carlos Sebe Bom Meihy.
Depois que escrevi sobre os árabes na obra de Jorge Amado repensei o tema e senti que uma chuva boa, fina e insistente, ia me banhando de lembranças, algumas remotas, que avivavam livros e nomes marcantes. Poetas e prosadores começaram a animar o meu mundo de leituras antigas. E que saudade senti da primeira vez que me deparei com os textos de Malba Tahan (pseudônimo de Júlio César de Souza, autor d’O Homem que Calculava, que não era árabe, mas pretendeu ser). Lembrei-me apaixonado dos versos de J.G. de Araújo Jorge e daí para frente vieram outros: Leon Eliachar, Jorge Medauar, João Batista Sayeg, Jorge Tanaure, Jorge Tufik. Conhecidos uns, outros nem tanto, todos formulam uma página a ser escrita na ficção brasileira de inspiração árabe.
Há três autores, contudo, que me arrebatam. Fico comovido com a obra ímpar desses tipos que são, em si, tão perturbadores como seus textos. Seja pela escrita ousada, pela capacidade diferente de narrar, seja pela temática familiar, eles fecham um círculo de preferências pessoais e alimentam alternativas preciosas sobre a imigração: Salim Miguel, Raduan Nassar e Milton Hatoum. Sem dúvidas, três estrelas brilhantes entre os melhores autores brasileiros contemporâneos. Aliás, convém lembrar que Nassar foi recentemente indicado para o Prêmio Internacional União Latina de Literatura, oferecido pela Prefeitura de Paris, que já agraciou autores como Guillermo Cabrera Infante. Os outros três foram merecedores de traduções e elogios competentes.

Sinceramente, não saberia dizer qual deles me encanta mais. Não mesmo. E fico feliz por ninguém ainda ter me perguntado isso. De Nassar – que largou a literatura para cuidar de galinhas – temos jóias como os romances: Lavoura arcaica, de 1975 e Um copo de cólera, de 1978, ambos levados ao cinema com sucesso. Sobre ele, aliás, escreveu Leyla Perrone-Moisés “na verdade, todos os textos de Raduan Nassar se constroem em torno de uma recusa: recusa de obediência, recusa de cumplicidade, recusa de amor”. E como suas histórias se fecham no âmbito familiar para abrir espaços interiores.
Milton Hatoum com dois livros vale um patrimônio. Seus romances: Relato de um Certo Oriente de 1990 e Dois Irmãos de 2000 dão conta de sagas em que a trama familiar imigrante ganha expressão universal. E pessoalmente é das figuras que mais me impactaram. Encontrei-me com ele quando fui dar um curso na Universidade Federal de Manaus e nos perdemos em conversas irmãs. Gosto do jeito com que ele define a maior virtude de um autor: “a relação visceral entre a linguagem e a matéria narrada. Daí surge o teor de verdade da boa ficção”. Lições.
Mas, nesta breve galeria não tenho como deixar de lado o octogenário Salim Miguel, libanês de nascença, crescido em Santa Catarina, autor de “Nur na Escuridão”,  livro em que relata a história da própria família na chegada ao Rio sem falar português. “Nur” que em árabe signifia “luz”, foi a primeira palavra traduzida por eles. Lirismo exuberante.
O cearense Porfírio Carneiro, talvez o crítico que mais profundamente tenha avaliado o impacto dos árabes escritores, declarou que o que os distingue é “a leveza do lavor poético, uma escrita que não cai nas construções apenas cerebrais". Eu diria algo mais. Além de tudo, os escritores de origem árabe sabem contar histórias. É possível que tenham aprendido com seus pais pela tradição oral. E por que não pensar que a prática dialógica do comércio os tenha iluminado em outros cantos? Em relação a minha formação, quando perguntam qual o autor que mais me marcou não cito ninguém do panteão consagrado. Foi meu pai. Meu pai que era quase analfabeto, mas que contava um caso como ninguém.  

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