domingo, 8 de maio de 2011

CONSTRUINDO A SUPERAÇÃO

Hoje conheceremos a história do mineiro Jovelino Araújo Carneiro, pedreiro que perdeu a visão de um olho, mas, a despeito da barra pesada, deu a volta pra cima! 


Como você perdeu a visão?

Foi num acidente de trabalho, em fevereiro de 2003. Eu estava rebocando um forro e já havia passado do meu horário de saída. Como eu era tarefeiro na época, chapisquei uma parte do forro e quis deixar a marcação do nível pronta para terminar o teto no dia seguinte. Estiquei a linha e, na hora de bater o prego de aço, ele se quebrou e caiu dentro do meu olho.

E você foi levado imediatamente ao hospital?
Não. O "gato" (chefe-contratante de trabalho informal) estava no serviço, de carro, mas não me levou para o hospital. Primeiro eu fui para casa e de lá, saí para a Santa Casa, onde não havia médico para me atender. O olho doía e sangrava muito. De vez em quando eu o lavava, e saía um líquido branco de dentro da ferida.
Mas quem te atendeu, então?
Por volta de meia-noite cheguei ao hospital São Paulo, mas consegui vaga para a cirurgia só às 4h00 da manhã. Acabei levando sete pontos, mas já era tarde demais. O médico disse que, se eu tivesse chegado lá mais cedo, não teria perdido a visão do olho direito.
Antes do acidente, como você chegou a esse emprego?
Eu trabalhei com esse "gato", que era meu primo, desde os 18 anos, quando vim de Minas Gerais para São Paulo. Foi ele quem me ensinou a trabalhar como pedreiro, pois eu não sabia nada. Trabalhava como ajudante e fui aprendendo, aos poucos, a fazer tudo, desde alvenaria, até massa e assentamento de azulejo. Só que não era registrado na firma. No dia do acidente eu tinha 23 anos.
Você trabalharia de novo sem equipamentos de proteção individual?
Não.
E como é hoje?
Eu dou conta do trabalho, mas é muito difícil. Não posso fazer serviços externos, pois a luz do sol me atrapalha muito. Também não posso trabalhar em locais altos, como em cima de andaimes. Perdi 40% do meu campo de visão lateral-direito.
O que dá para fazer?
Só faço serviços internos mesmo, qualquer um deles, menos o recorte de cerâmica com serra elétrica. Dá para fechar alvenaria, rebocar, assentar revestimentos...
Fotos: Marcelo Scandaroli



Fotos: Marcelo Scandaroli

Como foi recomeçar depois do acidente?
Tudo foi difícil. Até quando ia sair com meus filhos, no final de semana, tinha de ir com um tampão no olho, e todo mundo perguntava o que tinha acontecido. Ficar explicando era ruim. Outras vezes era xingado por motoristas ao atravessar a rua. O farol abria enquanto eu atravessava, e eu não via.
E em casa, como foi?
Foi uma barra pesada. Minha esposa é dona de casa e ficamos muito preocupados. Eu chorava muito e achava que não ia mais conseguir trabalhar para sustentar minha família, que era o que eu mais gostava de fazer. Mas apesar do desespero todo, minha mulher sempre me deu forças para não desistir. Procurei então não deixar de fazer as coisas que costumava fazer. No fim, não me atrapalhou em nada, porque continuo trabalhando e vivendo bem.
Você chegou a ficar afastado do trabalho?
Fiquei afastado por seis meses. Durante esse tempo, a empresa me pagou um pouco menos do que eu ganhava por mês, mas tudo era informal, eu não assinava nada. Muita gente disse, na época, que eu deveria ter processado o "gato", mas eu não quis fazer isso, e na verdade, não me arrependo. Ele perdeu tudo o que tinha, e hoje está pior do que eu.
O que aconteceu depois desses seis meses?
Trabalhei para o mesmo empregador por três meses, como corretor, porque ele achou que eu não daria conta do serviço de pedreiro. E eu realmente sentia alguma dificuldade. Passados os três meses, voltei à minha atividade normal, e logo fui contratado pela empresa onde estou hoje, que já conhecia bem meus serviços. Já estou nesse emprego há seis anos, sempre trabalhando com o mesmo mestre de obras.
Você acha que teria conseguido emprego como pedreiro em outras empresas?
Acho que não. As grandes empresas de construção não contratam porque é muito perigoso. Mas aqui, como já conheço todo mundo, sou colocado em serviços mais acessíveis. Faço normalmente todo o trabalho interno, enquanto os colegas trabalham nas fachadas.
Há possibilidade de recuperar a vista direita?
No início fiquei na fila do hospital para transplante de córnea, mas é exigido que você consulte um médico duas vezes por mês, e eu desisti. Havia mais de 300 pessoas na minha frente para o transplante. Também deveria ter feito um par de óculos de descanso, mas não corri atrás disso.
E a vida segue normalmente?
Sim. Eu não me considero um deficiente, porque trabalho bem, sou feliz e vivo em paz com minha família. Faço o que todos os outros pedreiros fazem. Só fachada que não faço. O importante é não desistir do que queremos, e manter a qualidade do trabalho.

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