segunda-feira, 13 de junho de 2011

CAIXA DE MÚSICA 36

Afrobeat de Luxo


Roberto Rillo Bíscaro


Há mais de uma década, um amigo me escreveu dizendo que ouvira uma versão francesa covardemente chique de Sweetest Tabo, de Sade. Afirmava que não devia nada ao original. Meio cético, fui conferir. Regravação da musa anglo-nigeriana? Difícil, heim? Á rigor, Taboo não é cover; antes, uma adaptação elegante e inventiva. Contudo, a canção que me conquistou foi Bebela, sonho de estilo, que colocou as irmãs Helene e Celia Faussart na minha linha de frente de chanteuses glamurosas, modernas e competentes. Desde então, sou fã das Les Nubians, nome do duo formado pelas filhas de pai francês e mãe da República de Camarões.
Em abril, Les Nubians lançaram Nü Revolution, que consolida a posição da dupla no território da fusão de ritmos afro com elementos de pop, hip hop, soul, funk, urban e smooth jazz. Com produção sofisticada, melodias fluídas, letras em francês e inglês falando sobre amor, direitos dos imigrantes, liberdade, igualdade e fraternidade, Nü Revolution é um trabalho coeso e chique de doer. Os cínicos dirão que se trata de afrobeat domesticado pra servir de trilha sonora em desfiles de moda ou vernissages em Montreal. No poroso mundo globalizado, porém, impossível imaginar que a música não se misture e ambientes contraditórios deixem de se acasalar. Além do mais, que mal há em ser elegante e sonhar com um planeta unido pela abundância de estilo, sapatos e comida?

Veuillez Veiller Sur Vos Rêves é o ponto alto do álbum. Com a participação de John Banzai, fazendo um rap em francês, a canção é um milagre urbano de elegância e fluidez, que se derrete em dedilhados de harpa. Percussão discreta, bem marcada, e baixo rebolativo  nos fazem deslizar por bulevares floridos de primavera e sonhos realizados. “Não deixe seus sonhos adormecerem” pede a letra; clássico instantâneo de Helene e Celia. A gente quer um mundo abundante e chique, glorificação da pobreza é coisa de quem nunca teve problema pra comprar comida.   
Nü Soul Makossa põe todo mundo na pista de dança com um afrobeat que faz referência ao clássico Soul Makossa, de Manu Dibango, que participa com vocais e tocando sax. Soul Makossa influenciou tremendamente a disco music e foi uma das primeiras faixas africanas a se tornar sucesso mundial. “Ma ma se ma ma sa, sa ma ku sa” foi cantarolado por incontáveis artistas (Michael Jackson, por exemplo) e entrou em trilha sonora de novela da Globo (Carinhoso, de 1974).

O clima de festa com mensagens de liberdade e unificação segue com o batuque airoso de Liberté e o clima funkeado de Afrodance.
Influências de trip hop (como em Femme Polyandre) e faixas muito sensuais compõem a parte menos dançante de Nü Revolution. Que o digam os incríveis vocais e o piano de Vogue Navire, que dá ganas de ouvir sob dosséis de cetim.
O álbum torna-se chatinho quando fica tribal demais, como na longa introdução percussiva. É legal, mas não precisava ter quase 3 minutos. O mesmo acontece com Mbengue (A Letter From. . . ), que se ressente um pouco do final algo longo de canto tribal. Se há algum defeito é que elas não souberam quando parar em umas 3 faixas, como na que dá nome ao álbum. Nada de grave, porém.
Nü Revolution acerta mesmo quando mistura elementos, como no caso da faixa final, Africa for the Future. 5 minutos que não se sentem, de ritmo contagiante, com excelente arranjo de metais, guitarra dedilhada cristalinamente, palmas, letras em 3 idiomas e a participação do grupo sul-africano Freshlygroup. Dá vontade de reunir todo mundo da rua, fazer uma megacoreografia inclusiva e botar o vídeo no You Tube!
A revolução das irmãs afroeuropéias é precisamente a misturança num mundo que muda a cada dia. Antropofagia chique.        

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