segunda-feira, 20 de junho de 2011

CAIXA DE MÚSICA 37


O Livro do Genesis – Capítulo III

Roberto Rillo Bíscaro

Com John Mayehw e Anthony Phillips fora da banda, o Genesis colocou um anúncio na influente Melody Maker pra recrutar os músicos faltantes. Colocar anúncios nos classificados da publicação era comum na cena inglesa.
Quem também colocara um foi o guitarrista Steve Hackett, recém-saído da banda Quiet World. Com influências clássicas, operísticas e roqueiras, o músico procurava um grupo que fosse além das “atuais formas estagnadas de música”. Quase a mesma coisa que dizia o anúncio genesiano! Gabriel o contatou e Hackett foi aceito. Sem muita experiência de palco, Steve incorporou uma persona bastante incomum prum guitarrista de rock. Tocava sentado. Contraponto interessante pra postura de palco de Gabriel, cada vez mais teatral e extravagante, com a adição de máscaras e fantasias. Durante anos, um dos diferencias do Genesis foi o elaborado repertório cênico do vocalista; antes que isso começasse a gerar fricções internas, por conta dos outros músicos acharem que a atenção do público recaia mais na teatralidade do que na música.
Dentre os diversos bateristas que responderam ao chamado da Melody Maker, estava Phil Collins. Ator e músico, Collins sentiu-se um pouco intimidado com a opulência da residência dos Gabriel. A casa tinha até piscina! Impressionante prum garoto oriundo da apertada classe média-baixa londrina. Sem conhecer direito o trabalho do Genesis, Collins memorizou os trechos das canções enquanto nadava e ouvia os demais candidatos. Ao fim de sua audição foi aceito; uma das carreiras mais bem sucedidas da história da música pop dava um passo fundamental. Apenas Michael Jackson e Paul McCartney venderam tantos álbuns quanto Collins. Nenhum outro artista pop também gerou tanto ódio quanto o baixinho de Chiswick. Mas, isso é história pra mais tarde...
Com a inclusão dos 2 novos integrantes, o Genesis entrava no período que alguns fãs e críticos denominam de formação clássica: Peter Gabriel (vocais, flauta), Tony Banks (teclados), Mike Rutherford (baixo), Steve Hackett (guitarra) e Phil Collins (percussão).
Com a nova formação, a banda retirou-se novamente pruma casa no campo (onde paravam pra tomar chá das 5) e começou a trabalhar no material pro terceiro álbum.
Lançado em novembro de 1971, Nursery Cryme é um trocadilho com nursery rhyme, termo que designa canções infantis tradicionais. Ainda que padeça de produção por vezes pantanosa, o álbum é um passo adiante em relação ao anterior Trespass. Deixando os tons pastorais e folk na retaguarda, Nursery Cryme soa mais agressivo, dramático e operístico do que seu predecessor.
Gabriel lança mão do artifício de contar histórias cantadas a partir de múltiplos pontos de vista, sempre com tons sombrios, embora na superfície algumas melodias pareçam bem-humoradas. É o caso de Harold The Barrel – com sua influência marcadamente dos Beatles – que brejeiramente e com o típico humor negro britânico versa sobre um dono de restaurante acusado de cortar os dedos dos pés e servi-los. Acuado pela multidão, Harold encontra-se prestes a pular da janela dum edifício, enquanto sua mãe se preocupa por sua camisa estar suja e haver um repórter da BBC lá embaixo. E como termina? No fim ele pula. Nursery Cryme definitivamente não é pra crianças... Mas, esta é uma canção menor no repertório genesiano; o álbum contem pelo menos 2 clássicos da banda e do rock progressivo em geral.
The Musical Box épica e operisticamente abre o álbum com seus 10 minutos recheados de variações rítmicas e tonais. No encarte do álbum somos introduzidos à historia da canção (contada por Gabriel nos shows, antes de começar a cantá-la). Enquanto jogavam croquet Cynthia Jane De Blaise-William (9 anos) “graciosamente” arranca a cabeça do amiguinho Henry Hamilton-Smythe, (8 anos) com o taco. Os longos sobrenomes e os hífens indicam a classe social dos infantes... 2 semanas após o incidente, Cynthia encontra a caixa de música de Henry. Ao abri-la, a nursery rhyme Old King Cole começa a tocar e Henry materializa-se em frente á garota. Só que, o menino começa a envelhecer mal reaparece. Despertada pelo barulho, a babá entra no quarto e arremessa a caixa de música contra o ancião-criança, destruindo-o. Apavorante? E quem disse que Chapeuzinho Vermelho também não o é? Pensem na história... A parte cantada de The Musical Box é a fala de Henry. Preciosismo técnico e diversidade de tempos e atmosferas – que vão do medievalismo flautoso à urgência guitarreira e baterística – fazem da canção uma das definidoras da vertente sinfônica do prog rock. E o que dizer do teclado de Tony Banks, que, ao longo do álbum mimetiza até som de violino? Isso em 1971, com um Mellotron 2, rudimentar pros padrões atuais.
Outro momento sublime é The Returno of the Giant Hogweed, porrada com mais de 8 minutos de duração. Gabriel lera no jornal sobre uma planta nociva que se alastrava pela Inglaterra e inspirou-se pra escrever a letra sobre exploradores vitorianos que trazem da Rússia (epa!) uma nova espécie vegetal pra Inglaterra e plantam-na nos Kew Gardens. A espécie começa a espalhar-se descontroladamente, ameaçando a espécie humana, vencendo-a num dos finais mais grandiosos do movimento progressivo.
Sempre imaginei que rock progressivo estava mais pro período eduardiano ou vitoriano do que pros anos 70. E não é que The Return... coloca o cenário bem no tempo da Rainha Vitória? Mas, isso é viagem na minha desandada maionese particular...
Memorável o diálogo da poderosa bateria de Collins com a plangência agressiva da guitarra de Hackett e o teclado de Banks, que se alastra como as plantas. Em seguida, Gabriel com voz manipulada gritando que as hogweeds venceram. “Mighty Hogweed is avenged/human bodies soon will know our anger/kill them with your Hogweed hairs/ Heracleum Mantegazziani/GIANT HOGWEED LIVES!” Segue o clímax chupado de finais de ópera.
Quantas outras letras no rock você conhece que trazem nomes científicos de plantas? Pretensioso, dirão alguns. É sim, mas eu amo!
Nursery Cryme fecha com os quase 8 minutos de The Fountain of Salmacis, faixa frequentemente desdenhada pela crítica e por alguns fãs por ser pretensiosa em demasia. A letra mergulha na mitologia grega, contando a história da náiade Salmacis, que estupra o semideus Hermafrodito. Como castigo, os corpos de ambos se fundem em um só. Steve Hackett e Tony Banks, com seu Mellotron (comprado do pessoal do King Crimson!), conferem uma sonoridade delirante à canção, que remete a ondulações aquáticas. Não me importa o que digam, é uma de minhas canções prediletas do Genesis.
Digna de destaque no quesito curiosidade é a microscópica For Absent Friends, com seus pouco mais de 90 segundos. O estreante Phil Collins assume os vocais dessa doce canção folk, que fotografa 2 viúvas rezando em uma igreja por seus companheiros ausentes e recordando dias em que eram “quatro ao invés de duas”. A semelhança com a voz de Gabriel – acentuada nas harmonias vocais do resto do disco – seria um trunfo pro Genesis em anos vindouros.
Nursery Cryme não fez sucesso na Inglaterra, onde a posição mais alta nas paradas foi alcançada em 1974, quando, por uma semana o álbum ocupou a posição 39. Na Itália, porém, o álbum chegou ao quarto lugar após o lançamento e impactou sobremaneira o movimento prog do país, que produziu diversos clones genesianos. Há, inclusive, uma banda-tributo italiana chamada The Musical Box.
Abaixo, as canções de Nursery Cryme, incluindo Happy The Man, lançada apenas como single, em maio de 1972 (o lado B era Seven Stones).          







Um comentário:

  1. Muito boa o texto desse que para mim é um dos melhores discos do Genesis. Parabéns!

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