segunda-feira, 27 de junho de 2011

CAIXA DE MÚSICA 38



O Livro do Genesis – Capítulo IV

Roberto Rillo Bíscaro

Formação sólida com músicos de alta qualidade e extensa agenda de shows, que permitiam muito treino. O Genesis tinha tudo pra compor seu primeiro álbum realmente grande. E o fizeram. Lançado em outubro de 1972, Foxtrot é o primeiro da tríade de obras-primas progressivas da era Gabriel. Produção impecável, intrincadas composições - abundantes de referências musicais e literárias – e Supper’s Ready, longa e variada suíte com 23 minutos de duração, fazem de Foxtrot uma das gravações fundamentais do rock progressivo em sua vertente sinfônica.
 O álbum abre com Watcher of the Skies e sua majestosa introdução organística, presente de Tony Banks. O uso do Mellotron 2 provou ser tão influente, que em versões subseqüentes do teclado, a introdução de Watcher of the Skies vinha como um dos riffs embutidos. Phil Collins toca batera em uma espécie de código Morse e Mike Rutherford força o pé no pedal de seu baixo. A guitarra de Steve Hackett pontua e conduz boa parte da canção. Peter Gabriel finalmente alcança maturidade vocal e se sai com uma performance profética, que muitos tentaram imitar (em vão). Sete minutos e meio de pura viagem intergaláctica prog. A letra sci-fi pós-apocalíptica fala sobre um alienígena visitando uma Terra devastada pelo próprio homem. Has life again destroyed life?, pergunta-se o visitante, solitário em um planeta habitado apenas por lagartos. A idéia pra canção foi de Banks e Rutherford, enquanto ensaiavam numa grande e deserta arena italiana. Eles imaginaram como seria se um ET visitasse um planeta Terra deserto. Um bocadinho de influência de Keats e Joyce materializaram a canção. Educação esmerada não faz mal, né?
Uma das acusações ao rock progressivo foi a “alienação”, devido à grande quantidade de letras misticóides e contofadistas. Get’em Out By Friday - outro clássico genesiano/prog presente em Foxtrot – complica esse ataque. A letra mescla ficção-científica, tecnofobia e comentário social. Em seus mais de 8 minutos, Gabriel canta sobre inquilinos despejados pela corporação Styx Enterprises, os quais serão realocados pra outros conjuntos habitacionais. A letra, composta a partir de múltiplos pontos de vista e passagem de tempo, anuncia que em 2012 o órgão intitulado Genetic Control terá reduzido a estatura da espécie humana a fim de colocar o dobro de moradores em um mesmo edifício. De arrepiar quando a voz alterada de Peter anuncia "It is my sad duty to inform you of a four foot restriction on humanoid height" para, em seguida, com outra voz e pronúncia, mudar a cena prum pub onde alguém comenta o real motivo da alteração “It's said now that people will be shorter in height/they can fit twice as many in the same building site.” Na verdade, a canção parece mais uma minipeça de teatro cantada, com grande trabalho de guitarra de Hackett e variações de tempo, conforma cada personagem fala. Submersa sob 3 obras-primas, está Can-Utility and the Coastliners, hoje obscura, mas, uma de minhas favoritas do repertório da banda. Com ela, o Genesis volta ao século XI, pouco antes da invasão normanda á Inglaterra, revisitando a lenda do Rei Cnut. Monarca viking, o hoje esquecido Cnut (ou Kanute) conquistou a Inglaterra. Diz a lenda que ele, perante a abjeta lisonja de seus súditos, ordenou que a maré parasse de subir, pra provar que um rei não possuía tantos poderes como se imaginava. Vocais delicados, violões dedilhados misturam-se com um longo solo de teclado e trechos de guitarra e vocais urgentes, que conduzem ao final operático. A partir do segundo minuto, quando Banks entra com seu Mellotron, a canção vira um sonho de prog sinfônico grandiloquente. Letra e música são pratos cheios pros odiadores da pretensão e “alienação” do rock progressivo! Amo desmesuradamente, porém.  
Sanduichada entre as 2 primeiras canções comentadas neste texto, a delicada Time Table nunca teve chance de se destacar. Herdeira da época de Trespass e Nursery Cryme, a delicada alegoria medieval traz belo trabalho de piano, mas não dá pra não sentir que é filler (termo usado pra designar canções que literalmente estão num álbum pra “enchê-lo”).   
Precedida por Horizons, espécie de vinheta de violão acústico inspirada em Bach, Supper’s Ready ocupava quase todo o lado B do vinil. Pouca dúvida resta de que seja A (maiúscula proposital) obra-prima do Genesis, mesmo que não seja a favorita do coração de algum fã. Supper’s Ready tem todos os elementos que garantem seu lugar como uma das marcas-registradas do rock progressivo.
As influências musicais passam pelo folk, música concreta, clássica, vaudeville, rock. Dividida em 7 seções, com nomes bizarros, trechos se repetem, voltam sob forma ligeiramente alterada em outras seções e há sucessivas modificações de andamento e ritmo. As referências da letra são tantas que ninguém jamais conseguiu realmente saber claramente do que se trata Supper´s Ready. Resumindo, pode-se dizer que é sobre a batalha do bem contra o mal, evocada pelo tom apocalíptico do final. A ceia do título pode ser aquela referida no livro do Apocalipse, capítulo 19, versículo 17: “E vi um anjo que estava no sol, e clamou com grande voz, dizendo a todas as aves que voavam pelo meio do céu: Vinde, e ajuntai-vos à ceia do grande Deus.” Há um “angel standing in the sun” na letra.
Alem disso, há a riqueza poética duma letra que passeia por William Blake, T. S. Elliot, pelo típico humor nonsense britânico ( there's Winston Churchill, dressed in drag, he used to be a British flag, plastic bag, what a drag!"), cheia de jogos de palavras (If you go down to Willow Farm, to look for butterflies, flutterbyes, gutterflies) e aliterações (Six saintly shrouded men move across the lawn slowly/The seventh walks in front with a cross held high in hand). Pra deixar a interpretação ainda mais complexa e fascinante, há relatos de membros da banda que atestam que determinadas partes foram inspiradas por isso ou aquilo. Exemplo: Gabriel diz que o começo da letra diz respeito a experiências que ele e sua esposa Jill tiveram com possessão mediúnica e fantasmas! Seja lá o que Supper’s Ready signifique, a habilidade de Gabriel em criar letras com poderosa força imagética é inegável. 
Ainda me lembro duma apostila de cursinho pré-vestibular da década de 70, pertencente a uma prima, que trazia a primeira parte de Supper´s Ready numa das lições de inglês. Como o planeta era diferente...
Foxtrot colocou o Genesis pela primeira vez no Top 20 britânico, alcançando a 12ª posição. Na Itália, o álbum saiu-se ainda melhor, cravando um oitavo lugar.  






Um comentário:

  1. Roberto já que não temos tempo pra bate papo ,pois vc. é muito ocupado vou faser uma sujestão : Manda estes textos para as bandas que vc. publica aqui , é muito bom cara ...Miguel

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