Misturando Beatles com Brecht, o Professor Sebe pondera sobre envelhecer e faz uma ode a uma querida amiga. Música, teatro e amizade para filosofar sobre a vida e a passagem do tempo. Deliciem-se.
A GRAÇA DE ENVELHECER, ou “Will you still need me when I’m sixty-four?”...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Como sempre, conversei hoje longamente com minha querida Ana Luiza Coimbra. Praticamente falamo-nos por telefone todas as semanas quando não todos os dias. É como se celebrássemos a vida nos inscrevendo em um diário imaginário toda beleza, graça e benção, de ter amigos prezados. Tenho alguns entes aquilatados e, sobretudo algumas queridíssimas. Gosto da afeição de mulheres e assim desafio o velho adágio que diz das dificuldades de amigos de sexo oposto. Dentre todas, porém, ela está no primeiro posto. É engraçado o teor de nosso lastro afetivo. E haja histórias. Na verdade, Ana Luiza era amiga de minha mulher, há mais de trinta anos. Depois, sem a mediação amada, ocupou lugar de destaque e ao longo de décadas falamos sobre filhos, trabalho, dilemas da vida. Choramos juntos, mas também celebramos festas, usufruímos comidas feitas em conjunto e viagens fantásticas. Herança pura, ouro da melhor qualidade. Confesso que não tomo decisão alguma sem antes conferir acertos com ela e sei que ela também me funde em passos partilhados de lá para cá. Talvez a palavra companheirismo se intimide frente nossas trocas.
Resolvi escrever sobre isso hoje posto ter lido duas passagens que diretamente remetem ao sentido da vida. Uma – parece tolice – diz respeito à canção de Paul McCartney singelamente intitulada “When I’m sixty-four”. Outra, do teatrólogo Brecht que deixou expresso, com ênfase, o seguinte pedido “quando eu morrer não quero ser exposto no velório e não quero que falem perto do meu caixão. Quero ser enterrado ao lado de minha casa”. Juntadas, as duas passagens ganham dimensão filosófica. Se aliadas à grandiosidade de uma amiga que perfila a existência ao meu lado, ainda mais. Trançados, os três elementos almejam o infinito.
A letra elaborada do Beatle simpático indaga sobre a passagem da idade e acerca de continuidades úteis de relacionamentos juvenis. Ternamente, o letrista pergunta “quando eu envelhecer e perder meus cabelos/ daqui a anos/ será que você ainda mandará cartões no dia dos amigos, no aniversário e uma garrafa de vinho?”. A canção progride apelando como um grito de afeto “será que você ainda precisará de mim, continuará me alimentando quando eu tiver sessenta e quatro anos?”. A mensagem brechtiana remete ao sentido da solidão pessoal, mas recorre ao referencial casa, fato que permite pensar família. Um fala da vida e do envelhecer amado. Outro se desconecta do mundo, pede silêncio e estranhamente relaciona-se com o lar materialmente significado como construção. Por curioso, minha amiga Ana Luiza é espiritualista convicta e colocada como personagem neste dilema suposto me convida a pensar que tendo superado os sessenta e quatro anos propalados na canção encantadora, restou a certeza de que sim, ela ficará ao meu lado até que os anos nos apaguem desta vida. A casa brechtiana, porém me é enigmática demais e da mesma forma o silêncio requerido no velório. Podem falar bastante em meu enterro, penso eu. Já disse que pretendo que minha última morada seja em Taubaté, portanto, perto da casa que um dia tive. Ana Luiza acha que a vida continuará e que já estivemos juntos em outros planos e que ainda continuaremos próximos. Isto me consola bastante e permite terminar estas reflexões retomando McCartney ao fechar a canção garantindo à musa “você envelhecerá também, mas se disser uma palavra eu estarei com você”.
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