quarta-feira, 8 de junho de 2011

CONTANDO A VIDA 37

Nesta crônica, o Professor Sebe retoma e analisa o álbum O Descobrimento do Brasil, da Legião Urbana, sob o ponto de vista biográfico do falecido vocalista Renato Russo.  

“SÓ POR HOJE” – RENATO RUSSO E O AVESSO DO DIREITO.

José Carlos Sebe Bom Meihy
Nunca me divirto escrevendo. Pior: às vezes até choro. Sofro por palavras que não vêm, imagens que demoram a ganhar corpo, sinônimos que se escondem. Sei que quem lê não diz, mas meu modo de escrita é doloroso. Agora, por exemplo, na revisão de um texto que me consome por mais de cinco horas, estou triste, cansado, entregue. Acontece que depois que escrevi sobre MPB e Maconha, como sempre, enviei cópia a colegas que consideram o texto e recebi de muitos um pedido de complemento. E não tenho como negar.
Todos sabem de cor os vínculos constantes entre alguns artistas e as drogas. Por gerações aprendemos que o álcool, cocaína, LSD, maconha e outras mais se aliam aos dramas pessoais de interpretes. Na geração passada, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Lupicínio Rodrigues, depois Maysa Matarazo, Dolores Duran, Elis Regina e ainda Rita Lee, Gilberto Gil, além de tantos que dimensionam o mesmo problema (o passado vale para alguns). Além de Cazuza, há uma outra pessoa que me comove: Renato Russo.
Por força de interesse pessoal, tenho convivido com alguns amigos em recuperação. De forma direta acompanho pessoas que frequentam o NA (Narcóticos Anônimos). Aprendi logo o significado da expressão “Só por hoje”. Pois bem, em conversa prolongada com um rapaz “limpo” já há mais de oito anos, pedi que ele fizesse uma espécie de trilha sonora de sua experiência com as drogas. Foi surpreendente. Depois de desfilar letras de Raul Seixas, Lulu Santos, Lobão, Marcelo Nova, ele parou em Renato Russo ainda na fase do Legião Urbana. Um álbum mereceu mais atenção: “O descobrimento do Brasil”.
Curiosamente, o jovem com quem conversei tem vinte e nove anos e “Vinte e nove” é a música de abertura deste CD magnífico: “Perdi vinte em vinte e nove amizades/por conta de uma pedra em minhas mãos”. A pedra (de craque) o teria levado ao “grupo” onde “vinte e nove anjos me saudaram e tive vinte e nove amigos outra vez”. A mesma mensagem de esperança é repetida na letra “A ponte” onde declara “Celebro todo dia/minha vida e meus amigos/eu acredito em mim/e continuo limpo”. Depois, em “Do espírito” ele grita para as drogas “sai de mim/que eu não quero mais saber de você” e magicamente conduz a outra letra – sempre de Renato Russo – que conclui “venha, o amor tem sempre a porta aberta/e vem chegando a primavera/nosso futuro recomeça/venha que o que vem é perfeição” e “Perfeição” é o nome da música. E a cada poema um apelo, uma variação sobre o mesmo tema. Letra pós letra, na sétima, “Vamos fazer um Filme” ele pontifica “A minha escola não tem personagem/a minha escola não tem gente de verdade/alguém falou do fim do mundo/o fim do mundo já passou/vamos começar tudo de novo/um por todos/todos por um”. A mais estimulante das letras, porém é “Os anjos”, onde o autor dá a receita para o drogado: “Pegue duas medidas de estupidez/junte trinta e quatro partes de mentira/coloque tudo numa forma/untada previamente/com promessas não cumpridas/ adicione a seguir o ódio e a inveja/às dez colheres cheias de burrice/mexa tudo e misture bem/e não se esqueça: antes de levar ao forno/temperar em essência de espírito de porco/duas xícaras de indiferença ou um tablete de preguiça”.  Mas, como em tudo que é biográfico, a contradição aparece e ainda bem que Renato Russo mostrou que depois de “cair” é possível voltar. Em “Um dia quase perfeito” ele retraça sua amargura: “Quase morri há menos de trinta e duas horas atrás/hoje a gente fica na varanda” e como quem redescobre a vida, conclui “Acho que estou gostando de alguém/e é de ti que não me esquecerei”. E em “Love in the afternoon” declara triste “É tão estranho/os bons morrem cedo/assim parece ser/quando me lembro de você/que acabou indo embora/cedo demais”. Mas a mensagem fatal é clara “Só por hoje eu não quero mais chorar/só por hoje eu não vou me destruir/posso até ficar triste se eu quiser/é só por hoje, ao menos isto eu aprendi”.
Ouçam este CD e lembrem-se de que quem o fez e cantou, juntamente com o grupo, é alguém que poderia ser nosso filho, amigo, companheiro. E digam se não vale a pena chorar lágrimas que molham de esperança uma juventude que se busca. 

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