Na crônica de hoje, o Professor Sebe narra, em tom tragicômico, uma aventura vivida em uma farmácia. Tudo o que ele queria era comprar um frasco de xampu, mas...
Humilhado. Prostrado. Vexado. Foi assim que me senti recentemente ao comprar um reles shampoo em uma dessas superfarmácias de shopping. Primeiro, me vi ante uma prateleira com pelo menos umas cem variações desse produto prosaico. Era shampoo para cabelos: oleosos, secos, naturais, quebradiços, com pontas duplas, coloridos, anticaspa, restaurador, sem sal, com abacate, mamão, uva, com melanina, para cabelos crespos, cacheados, ondulados. Juro que fiquei maravilhado frente a um frasco que dizia “dois em um”. Imaginei loucuras.
Reduzido de professor a aluno, depois de ouvir uma preleção sobre qualidade capilar humana aprendi que as mulheres adultas têm em média 23 milhões de fios de cabelos e os homens cerca de modestos 16 milhões. Foi-me dito também, como prêmio de consolação, que há esperanças para os desabonados capilares que - como eu - devem esperar milagres das experiências com células-tronco. Com ênfase, como se anunciasse a cura do câncer, foi pronunciado pela especialista que “em cinco anos estará no mercado um produto mi-la-gro-so”. Não tive entusiasmo para externar cabível vibração. Acho que deveria ter exclamado algo próximo de um “oh!”, mas, pelo contrário, fiquei mudo e vi minha moral rolar chão abaixo. Mais silêncio, até que, não sei de onde aglutinei frações de coragem e arrisquei perguntar “e quantos fios você acha que me restam?”. Sabe aquela história do “se arrependimento matasse...” Depois de mais uma mirada clínica, e outra volta em torno de mim, a especialista com ares matemáticos arriscou “o senhor ainda deve ter entre 800 mil e um milhão de fios”. Não sei o que doeu mais, a singeleza do número ou o fatídico “ainda”. Entendi o significado da palavra miserável. Mais dúvidas ante a contabilidade da moça: isto seria bom ou ruim, muito ou pouco? Não nos esqueçamos do “ainda”. Evoquei Santo Antonio porque acho que minha careca está mais para a dele do que para a de São Francisco. Alguma coisa aconteceu. Senti um arrepio que vinha da sola do pé até... até o último fio de cabelo. Talvez fosse o efeito da oração ao Santo de Pádoa, mas resolvi findar aquela situação que havia deixado até o ridículo cabisbaixo. Com autoridade, perguntei em alto e bom som “afinal o que recomenda?” Sabe qual foi a resposta da tal especialista? Sabe? “Recomendo um shampoo para cabelos normais”. Enfureci. Creio que até minha calvície avermelhou. “Cabelos normais”? Depois de tudo aquilo, do circo montado por inteiro, de uma prateleira visitada com detalhes, eu deveria comprar um modesto shampoo para “cabelos normais”.
SHAMPOO PARA CARECAS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Humilhado. Prostrado. Vexado. Foi assim que me senti recentemente ao comprar um reles shampoo em uma dessas superfarmácias de shopping. Primeiro, me vi ante uma prateleira com pelo menos umas cem variações desse produto prosaico. Era shampoo para cabelos: oleosos, secos, naturais, quebradiços, com pontas duplas, coloridos, anticaspa, restaurador, sem sal, com abacate, mamão, uva, com melanina, para cabelos crespos, cacheados, ondulados. Juro que fiquei maravilhado frente a um frasco que dizia “dois em um”. Imaginei loucuras.
Foi assim que, perdido, resignado em minha ignorância sobre os mistérios da tecnologia destinada aos velos, que me dirigi a uma das atendentes. Escolhi a mais velha, pois me parecia algo piedosa. Mansamente ousei inquirir “minha senhora, que shampoo devo comprar? Estou completamente perdido”. Sabe o que ela me devolveu? Sabe? “É para o senhor”? Silêncio profundo. Depois de alguns minutos, recuperei o Bruce Willis que mora em mim e mesmo ante a dúvida que me levava a dizer alguma asneira, balbuciei dignamente que “sim”. Pois bem, a velha senhora – agora ela me parecia centenária e pecaminosa – olhou, olhou outra vez, e calmamente disse que havia uma especialista na loja e que iria chamá-la. Intervalo. Era a chance que tinha para correr. Pensei em fugir, mas faltou-me força. Por algum motivo estranho achava que todos me olhavam e que eu até poderia ser preso se me movesse. Em alguns minutos estava em minha frente, ao lado da horrível senhora que me atendeu por primeiro, uma jovem, uniformizada, com avental negro. Com olhos de águia, ela me olhava como se fosse um fóssil raríssimo. Num toque de ousadia, a tal especialista deu um giro crítico sobre minha calvície, fez uma manobra que incluía indignação no olhar. Me senti nu. Nuzinho da Silva. Talvez se eu chorasse alguém poderia me ajudar, mas onde estavam as lágrimas? Fiquei estático ante as duas.
Reduzido de professor a aluno, depois de ouvir uma preleção sobre qualidade capilar humana aprendi que as mulheres adultas têm em média 23 milhões de fios de cabelos e os homens cerca de modestos 16 milhões. Foi-me dito também, como prêmio de consolação, que há esperanças para os desabonados capilares que - como eu - devem esperar milagres das experiências com células-tronco. Com ênfase, como se anunciasse a cura do câncer, foi pronunciado pela especialista que “em cinco anos estará no mercado um produto mi-la-gro-so”. Não tive entusiasmo para externar cabível vibração. Acho que deveria ter exclamado algo próximo de um “oh!”, mas, pelo contrário, fiquei mudo e vi minha moral rolar chão abaixo. Mais silêncio, até que, não sei de onde aglutinei frações de coragem e arrisquei perguntar “e quantos fios você acha que me restam?”. Sabe aquela história do “se arrependimento matasse...” Depois de mais uma mirada clínica, e outra volta em torno de mim, a especialista com ares matemáticos arriscou “o senhor ainda deve ter entre 800 mil e um milhão de fios”. Não sei o que doeu mais, a singeleza do número ou o fatídico “ainda”. Entendi o significado da palavra miserável. Mais dúvidas ante a contabilidade da moça: isto seria bom ou ruim, muito ou pouco? Não nos esqueçamos do “ainda”. Evoquei Santo Antonio porque acho que minha careca está mais para a dele do que para a de São Francisco. Alguma coisa aconteceu. Senti um arrepio que vinha da sola do pé até... até o último fio de cabelo. Talvez fosse o efeito da oração ao Santo de Pádoa, mas resolvi findar aquela situação que havia deixado até o ridículo cabisbaixo. Com autoridade, perguntei em alto e bom som “afinal o que recomenda?” Sabe qual foi a resposta da tal especialista? Sabe? “Recomendo um shampoo para cabelos normais”. Enfureci. Creio que até minha calvície avermelhou. “Cabelos normais”? Depois de tudo aquilo, do circo montado por inteiro, de uma prateleira visitada com detalhes, eu deveria comprar um modesto shampoo para “cabelos normais”.
Foi exagero. Era demais. Insuportável a situação. Somei minha experiência vivencial e do alto de meus 67 anos exclamei “cabelos normais, mas por quê? Existem cabelos anormais?” Frente à perplexidade das duas, restou-me um único gesto honrado: peguei o frasco, fui ao caixa e sai com o produto na mão. Em casa, meditando sobre tudo, concluí que errei. Devo dar graças aos céus pelos cabelos que me restam e prezei a situação que, afinal, me rendeu mais uma crônica.
Professor contrata uma loira e pronto ... o champu vai ser o mais caro !...Um abraço meu querido ...Miguel ..
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