quarta-feira, 22 de junho de 2011

CONTANDO A VIDA 39

Hoje, nosso cronista-historiador/historiador-cronista faz um ato de confissão pública ao escrever sobre música brega. Gosto de crer que tenho alguma parcela de “culpa” na breguice do Prof. Sebe, uma vez que tenho apresentado a ele diversas pérolas desse cancioneiro, ao longo de nossa amizade de quase uma dúzia de anos.    
SOU BREGA SIM, MAS QUEM NÃO É?

José Carlos Sebe Bom Meihy

“De médico e louco, todo mundo tem um pouco”. Lembra-se disso? Pois é, pensando bem, acho que está na hora de acrescentar algo mais: “e de brega também”. Aliás, Oswaldo Montenegro, em uma de suas peças, “Leo e Bia”, tem uma passagem garantindo isso quando convoca seus personagens a despertar o brega adormecido em cada um. De minha parte, assumo que gosto de algumas coisas bregas sim, principalmente música. E não me envergonho, não.
Como historiador, dei uma olhada na origem semântica da palavra e aprendi algumas coisas assaz interessantes. O primeiro registro que se tem notícia vem de Salvador, Bahia, onde no Pelourinho havia uma placa, da Rua Nóbrega, com as primeiras letras apagadas. Em vez de “Nóbrega” estava apenas “brega”. É preciso lembrar que o Pelô antes de ACM era bem diferente, muito próximo do que Jorge Amado descrevia. Como então a área era dominantemente povoada por prostitutas, havia uma cultura local que caracterizava o gosto popular. Principalmente o tipo de música. Daí nasceu a expressão “música brega”.
Mas, a palavra brega também evoluiu. “Bocomoco” e “cafona”, por exemplo, são algumas variantes. Também se estendeu a outros setores da vida: decoração de casa, modos de vestir, comportamento social e até virou novela – lembra-se da “Brega & Chique”? Como seria de se esperar, alguns acadêmicos se apropriaram do tema e brega, quem diria, virou tese acadêmica. E eu pude participar da façanha como examinador do texto, hoje, publicado em livro e com um CD homônimo, “Eu não sou cachorro, não” (Editora Record, Rio de Janeiro, 2002).
Paulo Cesar Araújo escreveu um dos livros mais cativantes da nova safra de intelectuais. Ampliando nacionalmente o conceito de brega e inscrevendo-o no tempo da ditadura política, o autor da incrível pesquisa sobre a discografia do período, chegou a conclusões incríveis: foi nessa época, e graças ao pouco alcance da censura preocupada com questões políticas, que temas como: a prostituição, homossexualismo, deficiência física, e o trabalho das empregadas domésticas afloraram revelando um outro Brasil. Exatamente por estarem fora do alcance das tesouras, tais assuntos ganharam espaço e atingiram a sensibilidade coletiva. Mas, isso não aconteceu isoladamente. Não. Havia um contexto articulando tudo.
Os cantores desses sucessos, quase sempre, eram pessoas advindas de camadas pobres e assim, personagens como Odair José, Nelson Ned, Paulo Sergio, Claudia Barroso, Waldik Soriano, Agnaldo Timóteo, deram vozes a canções como “Secretária do beira do cais”, “Cadeira de rodas” e “Vou tirar você desse lugar”, “Eu não sou lixo”. É verdade que estou buscando exemplos radicais, mas é preciso contrastar tudo com o “esquecimento” e preconceito que temos sobre aquilo que diz respeito a um segmento social que não é diretamente o nosso.   
É de se perguntar, porém, sobre o meu anunciado gosto musical brega. Olha, é grande, viu? Começaria com o saudoso Altemar Dutra com quem repartia simpatias com minha querida Cristina Freitas (ai que saudade de “Sentimental demais” ou “O melhor que faço agora”). E como dizer gosto de “Amor Perfeito” de Amado Batista; “Anúncio de Jornal” de Julia Graziela e de Elizângela e sua “Pertinho de você”? Perdoe-me, mas é hora de dizer que uma das minhas favoritas era “Eu amo amar você” de Gilliard & Harmony Cats.
Por favor, me aceite como sou. Extremando novamente, garanto que mais vale este pendor polarizado do que ficar no meio do caminho. Desculpe-me, mas seguramente gosto menos das bregas comumente mais aceitas e até colocados fora desta relação: Roberto Carlos, Ronnie Von e Alcione são bem secundários na minha preferência. De toda forma, vai o meu conselho: abra-se, pois hoje é chique ser brega. 

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