Roberto Rillo Bíscaro
Em outubro, elogiei Etz Limon (2008), dirigido pelo israelense Eram Riklis a partir dum roteiro do palestino Smadar Yaaron. Gostei tanto da dobradinha judaico-palestina que decidi ver A Noiva Síria (2004), outra produção realizada pelos dois.
A estúpida rivalidade racial e a desumana pressão social ameaçam sufocar a vida de gente basicamente decente em um filme multitramado, onde não há mocinhos ou vilões, apenas pessoas reagindo a descomunais poderes sociopolíticos.
A história se desenvolve na região das colinas de Golã, ocupadas por Israel há mais de 4 décadas. O passaporte dos cidadãos atesta seu status apátrida – “nacionalidade: indefinida”. Funcionários da ONU tentam – às vezes em vão – mediar as surreais situações decorrentes do status de suspensão de pertencimento enfrentado por aquelas terras.
É o dia do casamento de Mona, que contrairá núpcias com um primo residente na Síria. Assim que cruzar a fronteira de Golã para o país arqui-inimigo de Israel, a moça jamais poderá retornar para visitar seus familiares. As bodas têm que se realizar forçosamente na fronteira, posto que o noivo não pode entrar em Golã. Como se isso não fosse estresse suficiente, naquele dia aregião enfrenta maciços protestos políticos. Hammed, um dos líderes drusos da aldeia – preso pela milícia israelense durante anos – é pai de Mona, o qual está proibido de chegar até a fronteira pra assistir ao casamento da filha.
A situação se complica muito mais com a chegada de 2 irmãos de Mona. Hatten emigrara pra Rússia, onde se casara com uma médica local. Embora tencionasse se reconciliar com o filho, Hammed é advertido pelos anciãos da aldeia de que se o fizer, cairá no ostracismo. Intolerância não é atributo desta ou daquela etnia, antes, compartilhada em todo canto. O outro irmão, Marwan, emigrara pra Itália, onde vivia de negócios que parecem escusos. Não sei se é falha do roteiro ou minha, mas não entendi porque um é discriminado e o outro não. De todo modo, a antiga ligação amorosa entre Marwan e uma funcionária francesa das Nações Unidas, ainda que sirva pra somar um elemento de desconfiança de vingança pessoal nos momentos de maior suspense do filme, não está bem delineada, sendo um dos poucos pontos fracos dum roteiro muito complexo.
Ainda há Amal (vivida pela excelente Hiam Abbass), que quer ser mais independente, mas tem que se haver com o medo do marido, que teme tornar-se objeto de falatório na cidade, caso dê mais liberdade à esposa e filhas, uma das quais, está de namorico com o filho dum colaboracionista da ocupação israelense (outro fio da meada que se perde).
A complicação do roteiro não faz mais do que mimetizar o labirinto de discursos e contradiscursos que povoam e bombardeiam o mundo das relações judaico-palestinas. Os pontos fracos apontados de forma alguma comprometem o roteiro de Smadar Yaaron, que cria uma história fascinante, triste sem ser depressiva, mas não desprovida de esperança.
Os momentos de suspense, quando não sabemos se o casamento realizar-se-á, combinam-se com um clima de aberração burrocrática poucas vezes visto depois de Kafka.
Tudo isso sem tornar-se chato ou proselitista.
O entrelace do pessoal com o político - que deixa de ser mero pano de fundo – aliado a competência de contar uma história sui generis pra nós, faz da Noiva Síria um grande filme, que merecia ser mais visto.
No You Tube parece que há o filme completo, legendado em inglês. Eis a primeira parte.
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