domingo, 31 de julho de 2011

MODA E ALBINISMO

Encontrei a matéria abaixo no site BRRUN.COM


The New Black



Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso…

A matéria “THE NEW BLACK” chega para mim no momento exato, principalmente por conseguir agora ver além da imagem, do “diferente”. A febre baixou e posso agora tratar do assunto com seriedade, respeito e claro informação de moda.
Se vivemos constantes momentos de vozes gritando: “Existem poucos negros nas passarelas!”, foi graças a Tisci que o mundo voltou os olhos para as pessoas albinas em 2011.
A voz dos albinos nunca foi ouvida. Até que Tisci os redescobriu e conseguiu despí-los desse silêncio. Stephen Thompson foi o primeiro a surgir, na campanha da Givenchy Spring/Summer 2011 ao lado de Daphne Groeneveld.


 
Passamos a descobrir que são de certa forma uma raridade, uma em cada 17.000 pessoas são albinas. Na Tanzânia pequeno país da África Oriental chegam a somar 170 mil albinos.
Mas antes de perguntar se você sabe o que é o albinismo e talvez ouvir que são pessoas de pele extremamente clara e cabelos muito louros, vou explicar em poucas palavras o que o fenótipo não te conta.
O Albinismo é uma disfunção universal, ou seja, atinge tanto homens como mulheres e também os animais. Pode ser parcial ou total, mas a total é a mais frequente, os indivíduos possuem uma disfunção que não permite que suas células fabriquem melanina, enzima responsável pela pigmentação.
Por isso cabelos, sobrancelhas, cílios, são totalmente brancos ou de um louro muito pálido e os olhos podem chegar a ser rosados. Apesar dessa fragilidade aparente e dos cuidados com relação à proteção contra radiação solar a pessoa portadora do albinismo leva uma vida extremamente normal.

  
  

…Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa…


Mas o que com certeza você não sabia e que admito, fiquei em choque pela alienação e por nunca ter ouvido absolutamente nada a respeito, só descobri pelo aprofundamento no assunto, onde cada sigla, como um cadeado abria mais e mais a caixa de pandora africana.

  
  

NOAH (The National Organization for Albinism and Hypopigmentation), UTSS (Under The Same Sun), AWA (Albinism World Alliance), TAS (Tanzania Albino Society) todas revelaram um grave problema, como sempre gerado pela pobreza e nutrido pelo preconceito. Em alguns países africanos os albinos são tratados como animais raros, relíquias, seres míticos e por isso são caçados, mortos e seus corpos vendidos em pedaços e são exportados como relíquia.
A crença religiosa é tão forte que chega as vias de sobrenaturalidade. Redes de pescar são tecidas com fios de cabelos albinos misturados a trama para atrair boa pesca e mineiros usam no pescoço pequenos amuletos feitos com ossos moídos. Enquanto ao sangue… Se bebido ainda quente traz sorte em dobro.
O papel dessas ONGs além de proteger e assentar os albinos como pessoas ativas na sociedade, ainda brigam por medicamentos mais baratos e pela alfabetização, pois a maioria acaba vivendo escondida sem sair de casa por conta de preconceito familiar.
  
  

Tão diferente, a Mother Fashion abriga e faz questão de expor todos os seus filhos. O diferente para ela é necessário.
Nunca ouve uma explosão tão grande de louras e louros platinados somado a outra fever, a das sobrancelhas descoloridas, e pode se dizer que o branco ou acinzentado é novo platinum. Jéssica Stam, Ginta Lapina, Agyness Deyn, Kristen McMenamy, Sasha Pivovarova e etc, pois a lista é enorme.
  
  

Existe ainda uma longa história para ser escrita na África, quem sabe a moda e não ajude a conscientizar as pessoas assim como Lea T. e Andrej andam fazendo por suas causas e suas diferenças. Aqui tão iguais e relevantes.
  


…Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde.

FELIPE HICKIMAN
felipehickiman@brrun.com

COJOSB

Semana passada, participei da Semana da Juventude em Penápolis, palestrando sobre mídia e juventude.
A COJOSB (Comunidade de Jovens São Benedito) e a PJ (Pastoral da Juventude) possuem um blog conjunto pra divulgar suas ações. 
Parabéns e boa sorte! 
 http://cojosb.blogspot.com/

A SUPERAÇÃO DE JESSICA

Adriane Galisteu viajou até Tucson, no Arizona, Estados Unidos, pra conhecer Jessica Cox. Ela nasceu sem os braços, mas tem uma incrível história de superação para contar.


sábado, 30 de julho de 2011

ALBINO GOURMET 46

Nosso especial gastronômico de hoje é sobre arroz. 




OUVINDO OS OLHOS


Um homem que sofria de uma condição médica que fazia com que ele ouvisse seus próprios olhos se movendo no globo ocular foi curado após uma cirurgia pioneira.
Stephen Mabbutt , de 57 anos, de Charlton, no condado de Oxfordshire, Inglaterra, também ouvia os batimentos do seu coração e tinha cada vez mais dificuldade em ouvir o mundo ao seu redor.
O otorrinolaringologista Richard Irving fez o diagnóstico da Síndrome de Deiscência de Canal Semicircular Superior (SDCSS), uma condição rara, descrita pela primeira vez na literatura médica em 1998.
Mabbutt disse à BBC que a cirurgia transformou sua vida.
Os sintomas começaram há seis anos, quando Mabbutt sentiu uma dor no lado da cabeça.
Diferentes clínicos gerais trataram o paciente com antibióticos e remédios para o nariz, mas seu estado continuava piorando, e ele passou a apresentar novos sintomas: Mabbutt ouvia ruídos altos que provocavam tontura, e sua visão pulsava de acordo com o ritmo de sua fala.
"Quando levantava a voz, ela reverberava na minha cabeça e a vibração fazia minha visão tremer", contou.
"No final, eu podia ouvir meu coração batendo e os olhos se movendo no globo ocular. Aquilo atrapalhava a minha concentração."
Condição rara

Após alguns exames, um especialista constatou que o paciente apresentava perfurações no canal semicircular superior, dentro de seu ouvido.
Os canais semicirculares não têm função auditiva, mas são importantes na manutenção do equilíbrio do corpo. São pequenos tubos circulares que contêm líquido e estão situados no labirinto posterior, em cada lado da cabeça.
Um segundo especialista, Richard Irving, da Birmingham Ear Clinic, no oeste da Inglaterra, identificou a condição como a rara SDCSS.
"Na Grã-Bretanha, talvez haja uma incidência anual de um caso em cada 500 mil habitantes", disse Irving à BBC.
"Os sintomas incluem perda de audição e problemas de equilíbrio, provocados principalmente por barulhos altos ou mudanças de pressão na cabeça."
"Tive um paciente que caía toda vez que tinha um acesso de riso", contou o médico. "Você ouve todos os barulhos internos do corpo de forma muito alta."
Ele agregou que "os músculos que movem os olhos estão conectados aos ossos do crânio, e quando se movem há um atrito. Alguns pacientes, à medida que seus olhos se movem de um lado para o outro, ouvem o som resultante do atrito".
"Isso destrói sua qualidade de vida", disse Irving.
Os cirurgiões fizeram uma incisão de 5 cm atrás da orelha do paciente e perfuraram seu crânio para chegar ao canal semicircular superior, dentro dos ouvidos. Usando amostras de osso retiradas do paciente, os especialistas fecharam as perfurações.
A vida de Mabbutt se transformou.
"Eu tinha esperanças de que alguém descobrisse qual era o problema", ele disse. "Ficava deprimido, sem saber o que eu tinha e se havia uma cura. Hoje, estou ótimo. A diferença é incrível."

sexta-feira, 29 de julho de 2011

PETIÇÃO ONLINE


Campanha quer acabar com impostos sobre produtos tecnológicos para deficientes

Iniciativa pretende colher 600 mil assinaturas em um abaixo-assinado digital, com o objetivo de pressionar a aprovação de um Projeto de Lei

No Brasil, cerca de 27 milhões de pessoas – mais de 10% da população – apresentam algum tipo de deficiência, e 70% delas vivem na linha da pobreza ou abaixo dela. A tecnologia pode melhorar, e muito, a qualidade de vida desses indivíduos. Porém, 90% dos produtos voltados a esse fim são importados, e pagam, em média, 60% em impostos para entrar no país. O resultado são preços elevados, restringindo o acesso a um grupo privilegiado da sociedade.
O movimento "#euassino" , criado pelo Olhar Digital, quer pressionar o governo federal a acabar com os impostos de importação sobre todos os produtos destinados a pessoas com deficiência. São itens como cadeiras de rodas especiais, bengalas com ultrassom, impressoras brailes, entre outros.
A ação começou no dia 24 de julho, com o incentivo ao uso da hashtag #euassino no Twitter. No mesmo dia, o programa Olhar Digital, veiculado na Rede TV!, exibiu uma matéria especial abordando o assunto e chamando a atenção da sociedade para o problema. As ações têm o objetivo de colher 600 mil assinaturas em um abaixo-assinado virtual, que será enviado ao Congresso para pressionar pela aprovação de um Projeto de Lei (PL 7916/2010) - que já está na Câmara dos Deputados – e que prevê o fim dos impostos de importação para produtos voltados a deficientes.
O objetivo é fazer com que o Brasil siga o exemplo de países europeus, que, na década de 1950, assinaram o Acordo de Florença. O documento prevê a isenção de impostos para importação de qualquer objeto usado para educação, progresso e inclusão das pessoas com necessidades especiais.
A tecnologia pode fazer toda a diferença para quem mais precisa dela. Para assinar a petição acesse: http://olhardigital.uol.com.br/euassino
(Encontrado em http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=32372)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CONTANDO A VIDA 44

Nesta quarta, o Professor Sebe despede-se e presta homenagem à maior cantora do século XXI (até agora). 
Assim como fiquei sem palavras quando soube de sua morte, também não soube o que dizer quando descobri a dedicatória da crônica de hoje.
Obrigado.  


ADEUS, AMY

José Carlos Sebe Bom Meihy
para Roberto Bíscaro


Confesso que andava meio cansado de receber, com cadência repetida, clips de Amy Winehouse. Persistente, meu amigo Roberto Rillo Bíscaro não deixava passar semana sem enviar algo – notícia, canção, crítica – da musa prá lá de intrigante. Fui assim me familiarizando com aquela moça estranha, espalhafatosa ao máximo, que fazia as delícias de tablóides escandalosos, revistas de celebridades e jornalistas atentos a escândalos e excentricidades. Sem ser bonita, ela tratava de se “enfeiar” ainda mais e seus cabelos desalinhados em bolos de difícil definição combinavam com o mau gosto de tatuagens multiplicadas e exibidas sem pudor algum. Incomuns e até desprovidas eram suas roupas que, aliás, não combinavam com canções complicadas, negativas, mas sempre bem escolhidas. Fazendo-se caricatura da modernidade, não se importava em ser politicamente correta e mais do que forçar a aparência delinquente que lhe era natural, Amy pintou sem retoques uma vida de exageros extremados, desprezando todos os valores consagrados. Pior: no lugar externava asco e apatia pelo mundo convencional. Viver no limite da derrocada parecia ser desafio constante àquela moça que apregoava em canções autobiográficas a constante desventura de viver.

Amy ia, com insistência, na contramão de tudo que era sadio, correto, prezável. Não deixa de causar perplexidades notar que em época de princesas charmosas, culto insano à beleza e ao luxo, ela simplesmente desprezava tudo. Talvez aí resida o fascínio que exercia. Logicamente, diga-se, não lhe faltava talento, tanto como intérprete ou autora de músicas importantes no repertório da moderna música jovem. Sobretudo, vale celebrar a potência de sua voz e o tom entre nostálgico e rebelde. Grande cantora sem dúvidas, de evocações cabíveis às maiores expressões do ramo. Pelo avesso do sucesso, no entanto, outra presença existia, insistindo em desalinhar elogios cabíveis a quantos, mais do que ouvir músicas produzidas em estúdios, queriam saber do contexto daquela moça, falecida no entardecer deste julho como ícone da nova contracultura. Sua relação perigosa com as drogas, tabaco e com o álcool indicava a coerência com sua biografia. Filha de judeus britânicos, pai motorista de taxi, ela fazia questão de mostrar incompatibilidade com qualquer moral religiosa ou disciplina. Também desdenhava tradições e a rapidez dos efeitos das substâncias consumidas era a mesma da busca de novas emoções que pareciam cada vez mais exigentes. Entre casos amorosos multiplicados, dois de seus relacionamentos mais alardeados foram com adictos assumidos. Em 2007, se casou com Blake Fielder Civil e nesse mesmo ano teve uma overdose que motivou sua primeira internação. Algum tempo depois se relacionou com Peter Doherty, também dependente de drogas com quem viveu conflitos de alcance público. Era então, escândalo após escândalo, como se anunciasse a morte querida como fim único para acalmar uma vida amaldiçoada. Meditando sobre isto, o crítico Ruy Castro disse “Amy não passou anos lutando contra álcool e drogas. Lutou a favor. Nunca quis se tratar direito”.

Despontada em 2003, em 2006 alcançou as paradas de sucesso tendo chegado ao ápice com o segundo CD, Back to Black. Desse álbum, aliás, saiu a frase que lhe ficou marcada como reclamado antídoto “no, no, no”. Mas de nada adiantou afirmar que clamava por socorro, que precisava de um amigo e não de bebida ou de clínica de desintoxicação. Em homologia ao sucesso, fracassos em apresentações dimensionavam dias ruins. Em junho de 2008, em show no Rock in Rio em Lisboa, Amy caiu no palco. E não foi a única vez. O tombo se repetiu no Brasil, em Recife, no início deste ano. Antes da queda, em pleno palco, brigou com seus músicos, esqueceu-se de passagens de letras e fez figura triste. Mas estes foram apenas mais alguns degraus na escada de descida. É possível que sua pior apresentação tenha sido recentemente, em junho, em Belgrado onde foi vaiada sem piedade.
A consideração da problemática vivida por Amy Winehouse convida a perplexidades. O impacto do sucesso na vida de jovens intérpretes, artistas, pessoas de destaque em esportes, é algo que merece atenção. É verdade que sobre tantos vigora a chamada “síndrome dos 27 anos”, mas isso só não explica muita coisa. Grandes figuras do mundo musical contemporâneo passaram pela mesma “maldição” e tiveram, por iguais motivos, suas carreiras trucadas pela morte precoce. Foi assim com Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, todos acabados por drogas. O que nos cabe perguntar, por mais difícil que seja a resposta, é o nosso papel como consumidores desse estilo de artistas, interpretes e personagens. Será que ao consumir esses talentos, sem crítica devida, deificando suas loucuras, não estamos nós sendo os responsáveis? Pensemos. Por agora, porém, cabe uma lágrima coletiva, doída, amarga, pela protagonista de uma das histórias mais tristes da alvorada do nosso século XXI.  

terça-feira, 26 de julho de 2011

ALBINO INCOERENTE NA SEMANA DA JUVENTUDE – II


Sexta passada, palestrei sobre mídia na Semana da Juventude, organizada pela Pastoral da Juventude, que representa a Igreja Católica e juventudes das Igrejas Metodista e Batista.
Noite muito agradável. Um grupo de jovens inteligentes e interessados, e, acima de tudo, abertos a discutirem ideias mesmo quando estas fossem diferentes das deles.
Frei Marcelo dividiu a congregação em 3 grupos, os quais discutiram sobre “sinais de vida e morte na sociedade atual”.  
Um representante de cada grupo relatou as conclusões e logo depois, entrei com a palestra, muito mais prática do que teórica. A ideia era pensar o papel da mídia como formadora de opinião, nossa posição como receptores de conteúdos e também modos de atuação midiática, no caso da internet.
Obrigado aos organizadores pela oportunidade. Algumas fotos:

PROFESSOR MIGUEL NAUFEL

Nosso cronista albino reaparece, desta vez com uma história de caridade e educação.

Vida iluminada
 
A UNIMED de Mococa tem um serviço social chamado Vida iluminada. É um departamento que presta serviços sociais a deficientes visuais da cidade toda. Atualmente, são mais de 14 pessoas assistidas entre homens, mulheres e crianças.
São aulas de Braile, matemática, português, inglês, informática, música, artesanato. Também há aulas de como utilizar a bengala. Quando começaram este trabalho, inscrevi-me como assistido ou aluno da instituição, mas logo percebi que estava muito mais preparado para servir às pessoas necessitadas do que ser servido pela instituição.
São pessoas que têm baixa visão, que a perderam com a idade ou nasceram completamente cegas.
As instalações para esse atendimento são salas com computadores com programas de voz , TV com lupa eletrônica, livros em Braille e material especial como canetas, papeis e material para aulas de artesanato..
Todas as pessoas que dão aulas aos deficientes visuais são voluntarias. As aulas são de segunda a quinta feira, no período da tarde.
Eu dava aula de Braille ao Celso, que perdeu a visão quando ainda era bebê. Aos seis meses, ele teve uma conjuntivite e, por engano, ao invés de pingarem o colírio receitado pelo médico, pingaram água oxigenada nos olhos dele.
Hoje, Celso tem vinte e nove anos, lê e escreve em Braille, sabe matemática e caminha pela cidade sozinho. Ele me telefona sempre para conversarmos. Depois de minha primeira cirurgia, fui proibido de me expor ao sol. inclusive ao mormaço do dia então quase não nos vemos mais.
Eu pegava as apostilas e lia na lupa eletrônica pela TV da instituição e assim dava aulas ao Celso.
Foi a maneira que descobri de devolver à Divindade tudo o que recebi de bom em minha vida. Mas, continuo devendo muito, devido a vida confortável que levo .
Miguel José Naufel 
miguel_naufel@hotmail.com

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O CORPO FABRICADO

A criação de estruturas como fígado, traqueia, rins e vasos sanguíneos artificiais surge como alternativa para substituir partes danificadas do organismo por outras, novas e sadias


Cilene Pereira e Rachel  Costa
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Uma das maiores ambições da medicina sempre foi conseguir trocar órgãos danificados por outros, novinhos, deixando o organismo permanentemente como uma espécie de carro zero-quilômetro. Pode parecer audacioso, mas grupos de cientistas envolvidos na concretização desse sonho estão demonstrando que isso é possível. Na segunda-feira 18, um desses times anunciou mais um passo importante nessa direção. Pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology, o prestigiado MIT, dos Estados Unidos, informaram ao mundo a criação de um fígado humano artificial, fabricado completamente em laboratório. Os detalhes da façanha estão descritos na edição online do Proceedings of the National Academy of Sciences, uma das mais respeitadas publicações científicas mundiais.

O órgão foi produzido a partir de uma mistura de hepatócitos humanos (células que compõem o fígado) com fibroblastos (células de suporte) extraídas de ratos. Os exemplares foram implantados em cobaias usadas em testes de medicamentos. Normalmente, antes de um remédio ser aprovado, ele passa por várias etapas para a análise de sua segurança e eficácia. As primeiras são realizadas em animais – comumente, em ratos. Mas, por mais semelhantes que sejam as respostas das cobaias e dos humanos às medicações, elas não são exatamente as mesmas. Por isso a ideia dos pesquisadores americanos de produzir um fígado humano e implantá-lo nos camundongos. Dessa maneira, as reações observadas serão ainda mais próximas das que serão manifestadas por um ser humano.
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PEÇAS
Atala, de um instituto americano de pesquisa, chefiou equipe que criou uretras
 
Esse foi o objetivo mais imediato do trabalho. E foi alcançado. Nos testes, os cientistas verificaram que o fígado artificial integrou-se ao organismo das cobaias cerca de uma semana após ser implantado. E foi capaz de se comportar como se fosse o fígado de um homem. Os pesquisadores, porém, estão sonhando mais alto. “Acreditamos que este trabalho seja um passo para, no futuro, criarmos um fígado artificial que possa ser usado em pessoas doentes”, disse à ISTOÉ a cientista Alice Chen, uma das responsáveis pelo estudo. “Tivemos e continuaremos a ter esta meta”, completou.

A apresentação da experiência americana ocorreu apenas dez dias depois da divulgação de outro feito de igual impacto. Na sexta-feira 8, pesquisadores do Karolinska University Hospital, na Suécia, anunciaram a realização de um implante de uma traqueia totalmente fabricada em laboratório. O beneficiado foi um homem de 36 anos, pai de dois filhos. Ele sofria de um câncer na traqueia e não respondia mais aos tratamentos. “Estava condenado à morte”, disse o médico Paolo Macchiarini, coor­denador do procedimento. A traqueia doente foi extirpada, e a nova, sadia, colocada em seu lugar. O rapaz não tem mais a doença e o que se espera, a partir de agora, é que ele tenha uma vida absolutamente normal. “Esta é uma demonstração de que o que até poucos anos atrás era considerado um sonho está se tornando realidade, transformando a vida dos pacientes”, disse o médico Alan Russel, diretor do McGowan Institute, em Pittsburgh, nos Estados Unidos, a respeito da experiência sueca.

A avaliação do cientista americano é mesmo precisa e – melhor – passa longe de promessas irresponsáveis que vendem soluções muito, muito distantes de se tornarem acessíveis. É verdade que ainda há muito o que caminhar, como ressaltou Alice Chen, do MIT, mas o fato é que a medicina regenerativa, como é chamado esse campo, vem colecionando conquistas em ritmo surpreendente. Um dos melhores exemplos é o trabalho realizado pelo Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade Wake Forest, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Trata-se de uma instituição de referência na área. Foi lá que, pela primeira vez, em 1998, pacientes receberam estruturas corporais completamente criadas em laboratório. À época, foram reconstruídas as bexigas de nove crianças. O processo revolucionário consistia em retirar uma pequena amostra de tecido desses pacientes – menor que metade de um selo postal –, separar as células, multiplicá-las e, uma vez tendo material suficiente, usá-lo para rechear e cobrir um suporte em formato de bexiga. Esse molde era então levado para um biorreator, onde passava por um período de encubação para o crescimento celular, promovido em condições ideais de temperatura e oxigenação. Feito isso, estava pronto para ser usado nos pacientes.
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PLANOS
Tedesco, da USP, planeja misturar células da pele com
células-tronco para melhorar o índice de sucesso dos implantes
O método mostrou-se eficaz para a produção de várias estruturas e, desde então, a equipe da universidade vem testando-o em diferentes situações. O sucesso mais recente foi a comprovação da sua eficácia para a reconstrução da uretra (canal que liga a bexiga ao exterior do corpo) de cinco meninos. Publicado em março deste ano, um estudo sobre o método atesta que as operações, realizadas entre 2004 e 2007, foram bem-sucedidas. Durante o período de acompanhamento, constatou-se que o canal reconstruído manteve o diâmetro e a capacidade urinária desejados. “Isso comprova que as uretras criadas em laboratório são um bom substituto ao tratamento atual”, diz Anthony Atala, líder da pesquisa e diretor do instituto. “Nos enxertos sem essa tecnologia há problemas em mais de 50% dos casos: ocorre o estreitamento do vaso, o que causa infecções, dificuldade para urinar, dor e sangramento.”

Além da bexiga e da uretra, outros 30 tecidos e órgãos construídos em laboratório estão em estudo nos laboratórios da Wake Forest. Entre eles, uma das boas promessas vem de uma pesquisa em estágio avançado que promete solucionar problemas de disfunção erétil. A técnica, já testada em animais, consiste em reconstruir o tecido erétil do pênis – essa estrutura, conhecida como corpo cavernoso, torna-se rija ao receber um volume maior de sangue. Por isso, o grande desafio é garantir a boa vascularização do tecido reconstruído. Em camundongos, o procedimento deu certo. Durante os testes, os animais foram capazes de engravidar fêmeas.

Obter o molde adequado é parte fundamental para a engenharia de órgãos. Além da opção de se recorrer ao biomaterial inteligente – construído de polímeros e reabsorvido pelo corpo após um tempo –, outra solução é usar como suporte o órgão “descelularizado” de um doador. Esse processo consiste em “limpar” o conteúdo celular da estrutura, deixando apenas uma espécie de esqueleto que será implantado no paciente. O corpo, ao receber essa estrutura vazia – mas capaz de atrair para ela as células específicas –, repovoa naturalmente o “molde”.
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FEITO 
A cientista americana Alice Chen fez, em laboratório, um fígado humano
Por meio dessa metodologia, uma equipe de cientistas brasileiros da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) já substituiu válvulas cardíacas de mais de 300 pacientes. “Como o próprio corpo preenche a estrutura descelularizada, não há risco de rejeição do novo órgão”, explica o cirurgião cardíaco Francisco Diniz Affonso da Costa, coordenador do Núcleo de Enxertos Cardiovasculares da PUC-PR. A técnica tem sido usada principalmente em crianças e adolescentes que necessitam de novas válvulas cardíacas. A vantagem sobre o processo normalmente usado é que as estruturas descelularizadas são capazes de se desenvolver junto com o restante do organismo – o que é fundamental em pacientes em fase de crescimento. “Em crianças, era necessário substituir a válvula de dois a cinco anos depois de implantá-la. Nos pacientes que estamos acompanhando, não tem surgido essa necessidade”, avalia Costa.

A evolução na compreensão do papel das células-tronco nos últimos dez anos também tem garantido o avanço da medicina regenerativa. Embora em boa parte das experiências as estruturas sejam provenientes de células específicas do órgão a ser reconstituído (por exemplo, para refazer a bexiga, usam-se células retiradas da própria bexiga do paciente), há algumas situações em que isso não é possível. Nesses casos, pode-se recorrer às células-tronco – estruturas capazes de dar origem a diversos tecidos do organismo. A traqueia que salvou a vida do rapaz na Suécia, por exemplo, foi produzida a partir de células-tronco extraídas da medula óssea do paciente.

Outra iniciativa que recorre a essas estruturas será desenvolvida no Brasil, por um grupo do Centro de Nanotecnologia e Engenharia de Tecidos da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Os cientistas preparam os primeiros testes de um modelo misto para o desenvolvimento de pele humana. A ideia é acrescentar às células epiteliais uma parte de células-tronco. “Esperamos, com isso, melhorar a integração desse tecido ao sistema biológico do paciente transplantado”, esclarece Antônio Claudio Tedesco, coordenador do laboratório.
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CORAÇÃO 
O médico Costa implanta novas válvulas cardíacas
A lista de progressos rumo à criação de uma espécie de corpo artificial é grande, mas ainda há obstáculos a serem superados. Neste momento, pode-se dizer que a confecção de órgãos menos complexos, como a bexiga, está dominada. “Mas um dos maiores desafios é fabricar estruturas sólidas, como o rim, o coração e o pâncreas”, disse à ISTOÉ Karen Richardson, porta-voz do Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade Wake Forest. “Esses órgãos possuem alta densidade celular e é preciso boa vascularização para manter o suprimento de oxigênio necessário ao seu funcionamento.”

Nesse aspecto, porém, há experiências vitoriosas. Os resultados da última, aliás, foram apresentados há um mês, durante um encontro da Associação Americana do Coração. Pesquisadores da empresa Cytograft Tissue Engineering, dos Estados Unidos, informaram o sucesso de um implante de vasos sanguíneos criados com células de pele doadas. Eles foram colocados em três doentes renais para facilitar a entrada de cateteres durante a diálise. Oito meses depois da implantação, nenhum apresentara sinais de rejeição ou de qualquer outro problema. “Vamos agora iniciar um estudo clínico para verificar a eficácia em pacientes que tiveram pernas amputadas e sofrem com problemas de vascularização”, disse à ISTOÉ Todd McAllister, chefe-executivo da empresa.
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MOLDE
O aparelho é abastecido com células e já fabricou rins artificiais
 
Órgãos mais complexos apresentam ainda maior variedade de tipos de célula em sua composição. Isso cria uma nova demanda. “É necessário fazê-las interagir adequadamente, o que ainda exige muito trabalho”, falou à ISTOÉ Don Gibbons, porta-voz do Instituto de Medicina Regenerativa da Califórnia, nos Estados Unidos, outro centro especializado. Por isso, comemoram-se as conquistas por etapas. Um avanço positivo registrado recentemente, por exemplo, foi dado por um trabalho da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, em relação ao coração. Usando células-tronco humanas, os cientistas criaram um pedaço de músculo cardíaco que se mostrou capaz de bater em um ritmo equivalente a 120 batimentos por minuto – mais acelerado do que o do coração de um adulto em repouso, cuja média é de 70 batimentos por minuto. 

Aprimorar e ampliar as possibilidades de criar órgãos representam um reforço importante contra um problema atual: com o aumento da expectativa de vida, a tendência é de que cada vez mais pessoas precisem de órgãos substitutos – o envelhecimento contribui para a falência das capacidades do organismo. O que se espera é que, num futuro não tão distante, mais e mais implantes – a exemplo dos feitos com traqueia, bexiga, uretra e vasos sanguíneos artificiais – garantam maiores esperanças de vida.
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(Encontrado em http://www.istoe.com.br/reportagens/148024_O+CORPO+FABRICADO)