A Volta do Sim
Roberto Rillo Bíscaro
O conceito de Yes “de verdade” varia com a facção à qual pertence o fã. Sou da ala que crê na presença do vocalista Jon Anderson. Se Rick Wakeman estiver na formação, melhor, mas Jon é a primeira coisa que espero dum álbum do Yes. A voz inconfundível igualmente desperta paixões e ódios. Um crítico inimigo definiu que Anderson canta como uma alface no cio. Pra mim, o registro alto e fininho é uma das vozes que ficarão no cérebro mesmo que eu ensurdeça.
Roberto Rillo Bíscaro
Quando escrevi sobre o Gryphon, terminei mencionando a cusparada punk, de 1977. Um dos alvos favoritos das escarradas era o progressivo Yes. Fundada na segunda metade dos anos 60, em Londres, a banda é um dos epítomes do “excesso” odiado pelos punks. Canções intrincadas, bombásticas, quilométricas e misticóides. Shows com pirotecnia à rodo.
A banda produziu obras-primas definidoras do prog sinfônico. Ama-se ou odeia-se, mas não se fica indiferente a álbuns como Close to the Edge (1972). Em 1974, a crítica começou a malhar o Yes, por conta do lançamento do ambicioso Tales From Topographic Ocean. Quando o movimento punk arrombou a festa, o Yes era alvo fácil pra se atacar a autoindulgência e “elitismo” do rock das superestrelas.
Os egos dos integrantes da banda sempre foram tão grandiloquentes quanto sua sonoridade. O estrelismo, as tensões e divergências criativas são tamanhas que fica difícil acompanhar as variadas formações do Yes. É um tal de entra, sai, volta, briga, sai de novo e retorna ao longo desses mais de 4 décadas...
O conceito de Yes “de verdade” varia com a facção à qual pertence o fã. Sou da ala que crê na presença do vocalista Jon Anderson. Se Rick Wakeman estiver na formação, melhor, mas Jon é a primeira coisa que espero dum álbum do Yes. A voz inconfundível igualmente desperta paixões e ódios. Um crítico inimigo definiu que Anderson canta como uma alface no cio. Pra mim, o registro alto e fininho é uma das vozes que ficarão no cérebro mesmo que eu ensurdeça.
Em uma das desavenças internas, o vocalista abandonou o Yes e em 1980, a banda lançou Drama, com Geoffrey Downes nos vocais e Trevor Horn nos teclados, no lugar do também exilado Wakeman. Downes e Horn integravam o Buggles, banda new wave/synth pop, cujo lugar na história está garantido porque sua deliciosa Video Killed the Radio Star foi o vídeo de estréia da MTV. Essa formação do Yes não agradou aos fãs e Anderson voltou pouco depois, pra versão reinventada da banda, que gerou um dos maiores sucessos da década de 80, a canção Owner of a Lonely Heart. O álbum que a contém – 90125 (1983) – foi o último grande sucesso arrasa-quarteirão do grupo, produzido por Horn, diga-se. Depois disso, o Yes seguiu lançando álbuns com alcance de público cada vez mais modesto, embora suas turnês continuassem rolando com sucesso.
No fatídico 11 de setembro de 2001, os caras estavam em Nova York pra lançarem Magnification. Desde então, nada de novo no front. Em 2008, Jon Anderson teve problemas respiratórios e os outros membros do Yes tomaram uma atitude típica frente à recomendação médica de 6 meses de repouso pro vocalista: cartão vermelho pra Anderson.
Pro seu lugar, contrataram David Benoit, líder duma banda-tributo canadense chamada Close to the Edge. Rick Wakeman saiu de novo também. A formação do Yes passou a ser: Steve Howe (guitara), Chris Squire (baixo), Alan White (bateria), pros teclados voltou Geoffrey Downes. Ano passado, anunciaram álbum novo, produzido por Trevor Horn. Ou seja, o Yes voltou pra 1980, fase Drama. Fly From Here, lançado há poucas semanas, soa como se fora gravado em 1981, uma mistura de Yes com Buggles.
A ausência de Wakeman implica na falta da tapeçaria tecladística. Benoit não tenta (muito) imitar Anderson, mas seu vocal está há anos-luz do Napoleão - apelido colocado pelos colegas de banda pelo fato de Jon ser baixinho e mandão. A mixagem das vozes, a integração com outras e a participação de outros membros cantando, driblam um pouco essa falta de personalidade, mas o fantasma de Jon Anderson assombra Fly From Here.
Musicalmente, o álbum traz Squire e Howe sempre exímios em seus instrumentos, algumas vezes remetendo aos áureos tempos setentistas. Os sessentões tocam com garra e frescor invejáveis. Velhos fãs não terão como não amar certas firulas, determinadas passagens, timbres e maneirismos familiares e, claro, associá-los com canções anteriores.
A faixa-título é uma suíte de 25 minutos, dividida em 6 partes, que poderiam ser ouvidas independentemente. Uma espécie de medley ou cartilha Trevor Horn, com influências de Yes. Alguns trechos existiam sob forma de demo desde a época de Drama; isso explica muito. Juro que detecto semelhanças com o Pink Floyd em certas passagens de guitarra e com o Genesis, em certos trechos do teclado (Geoffrey querido, Tony Banks joga pelo menos umas 2 divisões acima de você, sorry...). A faixa cresce a cada audição, embora esteja longe dos vôos de uma Gates of Delirium e seus alucinantes 22 minutos. A maturidade podou alguns excessos na instrumentação, mas será que nós fãs não amamos o Yes precisamente pelo hiperbolismo? Mesmo assim, é uma adição louvável ao repertório do grupo.
The Man You Always Wanted Me to Be é o que se chamava faceless (sem rosto) nos anos 80. Dispensável.
Life On a Film Set também existe em forma embriônica desse os anos 80, e soa como uma canção do Buggles aos poucos metamorfoseando-se em prog. A bateria lembra o peso de Drama. As letras do Yes nunca fizeram muito sentido e esta canção acrescenta o refrão-pérola “riding the tiger, riding the tiger” em uma canção supostamente sobre cinema. Hmmm...
Hour of Need e Solitude são pra mostrar a perícia de Steve Howe no dedilhado.
Into the Storm é maravilhosa! Puro Yes safra anos 70, com harmonias vocais talhadas pra gente não sentir muita falta de Jon Anderson (embora eu não deixe de imaginar como certos trechos seriam com seus vocais. Imagine o “take me awaaay” com ele, Senhor!). Em quase 7 minutos, andamentos e maneirismos obseessivos que qualquer fã identificará com a fase melhor do grupo. Parece uma banda de jovens descobrindo o prog agora, cheia de energia. Chave de ouro pro álbum.
Com o movimento prog longe de estar morto, Fly From Here mostra pras novas gerações o que o Yes ainda é capaz de fazer. Se não é um grande álbum, pelo menos é o melhor em décadas, se analisado em conjunto.
(Jon Anderson e Rick Wakeman prometem contra-atacar com material novo também. Tomara!)
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