OBESOS E FAMINTOS
José Carlos Sebe Bom Meihy
Estranho o mundo de hoje. Estranhíssimo! A velocidade dos tempos, os avanços tecnológicos, a globalização e principalmente o consumismo crescente e avassalador nos inscrevem num turbilhão veloz, onde temos que viver o presente e o melhor que se faz é não considerar as razões vitais da sociedade como um todo. E tudo é tão rápido, fugaz e superficial que esquecemos pressupostos éticos, morais e de solidariedade humana. Sei bem dos riscos de tocar em temas compassivos, mas mesmo correndo na linha da navalha cortante que separa o lógico do prazer imediato, não tenho como evitar alguma meditação sobre os gordos e os esfomeados no mundo de hoje. Faço-o, contudo, sob duas chaves principais: de historiador de ofício e de cidadão plantonista à espera de um mundo algo melhor.
Vendo historicamente, não há como negar o dilema enfrentado por Thomas Malthus decretando que a ordem entre o crescimento demográfico estava em oposição geométrica ao montante de alimentos dispostos na Terra. Por evidente, os avanços propostos pelos fertilizantes e agrotóxicos, o oferecimento de mais terras para o plantio e a fantástica revolução maquinaria adiaram profecias que nem mais frequentam as preocupações corriqueiras. Ainda que agora a questão da água potável seja o próximo alerta apocalíptico, a carência de alimentos não atormenta tanto. Mesmo pensando como historiador, vale lembrar que até bem pouco tempo, muitos dos dilemas familiares em relação aos filhos estava na capacidade de promover a engorda dos filhos. Eu mesmo passei por vários tratamentos para ver se ganhava alguns quilos que, afinal, fariam a alegria de meus pais. Hoje, vendo principalmente pelos programas televisivos atentos ao comportamento infantil, o que se nota é o oposto: projetos investindo no emagrecimento de crianças doentiamente obesas. E quanta apreensão causa ver dramas de jovenzinhos lutando para perder gordura acumulada.
Tive ocasião de estar na África, perambular pela América Latina, ver partes pobres da Ásia e sempre vou às regiões afastadas do nosso Brasil. Certamente é fácil encontrar no meio rural seres fragilizados pela penúria. Estes contrastes ampliam-se na ordem geométrica, e, na falta de carne nesses corpos reside uma sentença cruel que precisa ser revista: as distâncias sociais estão impregnadas no peso físico de nossos corpos. Isso é grave. Gravíssimo. Lembro-me do impacto das teses que marcaram minha geração nos então “anos rebeldes”. Josué de Castro alertava sobre a geopolítica da fome. O tempo rolou e hoje carecemos de quantos falem de uma outra relação: da magreza e do excesso de gordura. Por incrível que pareça, a fome ainda é uma das realidades mais visíveis para quem a vive. Na mesma ordem, para outros a banha é o fantasma. E, para os gordos, haja escolas estéticas, clubes de perda de peso, academias de ginásticas. Tudo para os que têm como esbanjar e se permitem o descontrole. É triste, mas para os demais, para os que padecem pela falta, o que resta é caridade.
Quem não se constrange com os números? Ao sabermos que a cada três segundos morre alguém de fome no maravilhoso mundo dos alimentados, como fica nossa consciência? Tendo notícia de que metade da população mundial sobrevive com menos de dois dólares por dia, como nos comportamos? Mas o pior é que não se vê mais perspectivas de correção dos extremos. É necessário recuperar a perspectiva conjunta do mundo. Precisamos não negar os avanços gerais, mas ter consciência da busca de repartição de renda, de programas sociais que atinjam os que estão fora dos quadros da condição humana. Até o presente, pensava-se que as soluções poderiam vir a partir de programas políticos nacionais. A falência das utopias políticas, contudo mudou o eixo de respostas. Hoje sabemos que o que se pode fazer depende mais das motivações pessoais do que das propostas advindas de cima para baixo.
É importante não aceitar a fatalidade e propor crenças em melhorias que são factíveis. Talvez a mais eficaz das alternativas seja a proposta por grupos que advogam a vantagem de discutir as duas situações juntas. Ao se falar da obesidade, no mesmo discurso temos que incorporar a fome. Moedas da mesma face, as soluções apenas serão eficientes se abordadas na unidade que nos religará à condição humana comum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário