Mesmo sem entrar em ritmo funk, o Professor Sebe questiona se, de vez em quando, um tapinha não dói.
Entre as duas gerações, a escola e o estado se impuseram como instituições alternativas ou mediadoras. A crescente demanda de trabalho primeiro tirou, cada vez mais, os pais/maridos da casa. As mulheres/mães gradativamente foram também saindo para o mercado de trabalho e hoje é raro família que não tenha pai e mãe em atividade “extra-lar”. De forma obrigatória, a escola foi se imiscuindo nas relações e se fazendo importante. Para os muros escolares foram sendo transferidos atributos antes de responsabilidade doméstica. Muito mais reguladas pelo estado do que pelas famílias, os valores morais, as normas de cidadania perderam vigor em troca de negociações de feições mais universais, menos acordadas com regras familiares. É importante registrar também benesses nesse processo. Sem dúvida, uma educação mais democrática, mais igualitária passou a ser difundida. O antídoto, contudo corre por conta da falência quase sempre identificada na hierarquia familiar. Não há como negar que os pais que abdicaram o comando tiveram que se ajeitar no papel de “amigos” dos filhos e nem sempre isso funciona. Convenhamos: pai é pai, filhos são filhos.
PALMADA AMOROSA em filhos crianças...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Passada uma vida profissional inteira dedicada à educação, sinto-me no direito de dizer alguma coisa sobre o que aprendi. Venho de tradição cultural de emigrantes, de gente que se impôs rigidez como projeto de vida e que não lhes restava alternativa outra que vencer. E o trabalho se instalou em nosso cotidiano como regra de ouro, razão de vida. Lazer? Lazer era coisa para os “outros”, para pessoas que não precisavam se firmar em terra nova. Tive companheiros que mesmo não sendo “estrangeiros” padeceram regras familiares semelhantes. Criados “à força”, os que não levavam uma surra de vez em quando, pelo menos sofriam limitações que iam de castigos a privações. É lógico que sou terminantemente contra tareias domésticas e abomino palmadas distribuídas aleatoriamente, mas também prezo o limite. Advogo a conversa constante entre pais e filhos, cultivo o diálogo à exaustão, mas reconheço que frente a educação familiar, às vezes, uma boa palmada vale. Tudo com afeto e intenção construtiva, é claro. Sou daqueles que pensam que por vezes a criança pede demarcação de fronteira.
A geração que sucedeu a dos meus pais, a nossa, ao assumir a paternidade, foi talhada nos moldes da contracultura dos anos rebeldes da década de 1960. No enredo conturbado da minha faixa etária, que pretendeu inclusive ser revolucionária, a onda da quebra de regras passou a ser suposto educacional, como se tudo se resolvesse na permissividade. Vigorava o padrão Summerhill da liberdade absoluta que se impunha a qualquer custo. E tudo era coerente com os modelos propalados por quantos viram Woodstock, a liberação das drogas, a divulgação dos anticoncepcionais, o surgimento da geração do consumo ilimitado e a imposição dos aparelhos eletrônicos em nosso cotidiano. Os resultados estão aí. Não cabem absolutos na aceitação de moldes e nem simplismos exagerados. Não estou dizendo que todos os meus coetâneos são cidadãos exemplares ou que, como pais, todos erramos ao acatar os princípios da liberação educacional. Não mesmo. Mas não há como deixar de lado as diferenças. O importante é não perder a dimensão histórica das mudanças.
Entre as duas gerações, a escola e o estado se impuseram como instituições alternativas ou mediadoras. A crescente demanda de trabalho primeiro tirou, cada vez mais, os pais/maridos da casa. As mulheres/mães gradativamente foram também saindo para o mercado de trabalho e hoje é raro família que não tenha pai e mãe em atividade “extra-lar”. De forma obrigatória, a escola foi se imiscuindo nas relações e se fazendo importante. Para os muros escolares foram sendo transferidos atributos antes de responsabilidade doméstica. Muito mais reguladas pelo estado do que pelas famílias, os valores morais, as normas de cidadania perderam vigor em troca de negociações de feições mais universais, menos acordadas com regras familiares. É importante registrar também benesses nesse processo. Sem dúvida, uma educação mais democrática, mais igualitária passou a ser difundida. O antídoto, contudo corre por conta da falência quase sempre identificada na hierarquia familiar. Não há como negar que os pais que abdicaram o comando tiveram que se ajeitar no papel de “amigos” dos filhos e nem sempre isso funciona. Convenhamos: pai é pai, filhos são filhos.
A razão prima desta meditação é abordar a proibição pelo estado das surras domesticas. Quando filtramos histórias de gerações anteriores sempre nos deparamos com aberrações que indicam exagero. Por lógico, temos que abominar iniciativas violentas e gratuitas. Mas, pensemos bem, vale cair no limite oposto? Será que uma palmada dada na hora certa, com pertinência, cautela e amor, não faria bem? Afinal, o que significa “limite”? Ao longo de minha vida de pai, dei algumas – poucas – palmadas. Sempre tive pouco talento para castigos e não me era suportável privar filho de qualquer liberdade. Até cheguei a “botá-los para pensar”, mas sempre achei que uma palmada tinha efeito melhor. Buscando fundamento para a justificação moral da defesa da palmada comedida, reclamo do sistema em que nos metemos. Ao deixar nossos lares, ao assumir o padrão classe média de delegar às empregadas o zelo dos filhos, desalinhamos o relacionamento familiar. A concorrência seja da escola, do clube ou a dependência das amas rouba e isso autoriza o estado a regular nossos comportamentos.
Sei que o tema é polêmico e arranha sensibilidades, mas temos que debatê-lo. Se colocarmos um espelho em frente a esse problema, talvez tenhamos alguma imagem a ser retocada. É mais importante que olhemos firmemente para o que projetamos do que simplesmente quebrar o espelho. Vamos discutir o assunto. Conclamo pais, professores, educadores em geral ao debate sobre a palmada amorosa.
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