Nosso cronista anda meio inconformado com os excessos da correção política. La Deneuve também...
POLITICAMENTE (IN)CORRETO
José Carlos Sebe Bom Meihy
Um dos dilemas mais sutis da modernidade é a definição
pessoal sobre posicionamentos que dizem respeito à ética, bom convívio,
correção de defeitos históricos, manifestações que se traduzem em preconceitos.
Combinemos: todos nós estamos atentos a não sermos mais: injustos, cínicos e nem
fora de moda. Resta então adotar a voga das refereciações certas, tudo segundo
o receituário das boas maneiras. Afinal, como não cair nas malhas usuais do
politicamente incorreto? É possível fugir do enquadramento despótico que nos
faz corrigir os procedimentos expressivos a que nos habituamos? Estas questões
me vieram à cabeça quando li uma deliciosa entrevista dada pela atriz Catherine
Deneuve que aos 67 anos se declarava “uma pessoa inadequada aos padrões da moda”.
Vinda ao Brasil para lançar o atraente filme “Potiche: esposa troféu”, sobre uma esposa aparentemente fútil,
casada com milionário industrial autoritário e machista, além da surpreendente
beleza e presença como símbolo da nova mulher, a famosa francesa extasiou a
crítica com impressões sobre aspectos que a fazem destacada como pessoa única e
corajosa por defender publicamente suas opiniões. No filme, em momento
importante e definitivo na trama, ela, ao substituir o detestável marido na
direção da fábrica de guarda-chuva, vestia um casaco de pele, um “vison”
branco. Questionada por um repórter norte-americano sobre este quesito que faz
parte de seu vestuário fora das telas, respondeu com picardia caprichada: “ué,
vocês americanos adotam a pena de morte, matam seres humanos, e vêm agora me
cobrar sobre o uso de casco de pele de animais”? Não bastasse, fez questão de
fumar em lugares proibidos e o que é mais burlesco, dizendo que fazia isso não
apenas por prazer absoluto, mas também para provocar contrários. E conseguiu.
Na vida corriqueira, porém, nós pobres mortais temos que
nos deparar com cuidados que começam a extrair nosso juízo e espontaneidade.
Vejam que outro dia fui advertido por usar a expressão “humor negro”. Cidadão
culto e polido, meu interlocutor advertia que bastaria a palavra “humor” para
exprimir o que pretendia e que não existia “humor branco”. Mesmo não
concordando, crendo que o adjetivo “negro” poderia precisar a afirmativa,
calei-me. Fiquei, contudo intrigado, pois acho que seria pobre – será que
“pobre” pode usar? – garantir o efeito pretendido. Ficamos sem chegar à
conclusão alguma. Ponderando sobre o caso, mais inquieto ainda, imaginei como
descreveria o prezado amigo além da referência de interlocutor. Era importante
dizer que ele, digamos, não era branco. Aprendi que não se pode dizer “homem de
cor”. Preto não seria também adequado, muito menos negro. Pelejei. Perguntei a
amigos próximos e todos concordaram que não seria certo, por exemplo, dizer que
ele não era “como eu”. Divaguei por campos científicos e cheguei a ressuscitar
as teorias do filósofo Christoph Meiners que no século XVIII criou a definição
racial que dizia que todos os brancos eram originário do Cáucaso e que ele,
portanto, não era caucasiano. Felizmente acordei. Era demais. Tive que refutar
as menções corriqueiras tipo “moreno” e baseei em pesquisa do IBGE para lembrar
que existem no Brasil 147 formas de indicação da tonalidade dos, digamos, “escurinhos”.
Jambo, azeitonado, pardo – esta é a opção oficial das estatísticas nacionais –
crioulo, acastanhado, bronzeado, são algumas das indicações corriqueiras, mas
qual escolher sem ser chamado de racista?
Não pensem que o tema se esgota na questão da coloração da
pele. Que nada. Quando o assunto toca no feminismo tudo fica ainda mais quente.
Imagine que outro dia estávamos pensando na elaboração de um seminário e fui
advertido que o tema deveria ser “encontro”, pois seminário advém de semem e semem
é masculino. Emudeci. Ao ver minha perplexidade um amigo contou um caso que me
parece definitivo. Dizia ele que estava para ir a Nova York e foi interpelado
sobre o endereço do hotel onde se hospedaria. Ao responder que ficaria em
Manhattan foi também advertido, pois não se diz mais Manhattan e sim “island”
porque “man” em inglês quer dizer homem e que é politicamente correto dizer
agora que vai ficar na “ilha”. Fiquei atônito.
Sou favorável às mudanças. Admito a transformação de
valores, sei que a língua é viva e merece ser atualizada sempre, mas sinto-me
limitado frente a alguns preconceitos que se armam exatamente contra os
preconceitos. Bem acho que é hora de parar, pois tenho medo de condenar esta
crônica a ser censurada por defender o politicamente incorreto.
O “politicamente correto” é uma droga com comprovada eficácia em pasteurizar o vocabulário, retirando dela toda a possibilidade de desenvolver vida. Faz alarde alegando a pretensa defesa das minorias mas na verdade apenas as transforma em estorvos ao chamar excessiva atenção para detalhes que não traduzem a raiz do problema.
ResponderExcluirNão importa a palavra que você usa, importa a forma como você a usa. O preconceito não está na palavra proferida, está no coração de quem a profere.
Na Bahia sou chamado de “negão” por muitos amigos e sou quase albino de tão branco!!! Em Minas já fui chamado de “tigrão” e, convenhamos, não era um baile a fantasia!!! No Rio fui chamado de “xará” e não era meu sósia quem estava falando comigo!!! Na Paraíba fui chamado de “menino” e já estava com bem mais de 30 anos!!! Em Porto Alegre fui chamado de “baianinho” por um “gaudério” que era 15cm mais baixo do que eu!!! Nos Estados Unidos fui chamado de “latino” e interpelado em espanhol mesmo não tendo "cara de mexicano!!!
Em todas estas situações ficou patente a informalidade e, em alguns casos, a ignorância (aqui no sentido da falta de conhecimento). MAS nunca foi uma questão de preconceito.
Como já disse antes, o “politicamente correto” é a institucionalização da hipocrisia. É o equivalente a podar um pé de laranjas e pendurar maçãs nele apenas porque maçãs são “mais bonitas”. A árvore não muda, os frutos naturais não mudarão, ao passo que os “acessórios” vão murchar e cair posto que não fazem parte da natureza da árvore. Não importa quantas vezes o processo se repita, a laranjeira NUNCA vai aprender a dar maçãs.
O “politicamente correto” não educa. Ensina a mentir o preconceito com tecnicalidades.