GERSON ABRÃO MACHADO - PERNA AMPUTADA
Tenho hoje 53 anos de vida, sempre fui uma pessoa ativa que gosta de esportes, caminhadas e até uma corrida duas vezes por semana. Sou servidor público da esfera federal desde 1985 e nos últimos anos que antecederam meu acidente vinha me dedicando a uma intensa atividade trabalhando na agência móvel do INSS, prevmóvel, uma viatura equipada para atendimento descentralizado buscando atender segurados especialmente da área rural do nosso estado do Paraná. Orgulhava-me bastante dessa atividade por poder conceder benefícios a pessoas que em muitos casos nem sequer poderiam ter acesso à uma agencia da previdência, o meu trabalho não tinha rotina pois me deslocava constantemente de cidade em cidade do interior do meu estado.
Para minha decepção no dia 23 de fevereiro de 2003 em uma tarde de domingo quando o dia já findava por volta das 17h30min horas, quando me dirigia ao local para apanhar a viatura em questão para carregar minha bagagem para iniciar mais uma jornada de uma semana, fazendo esse percurso de motocicleta, a minha paixão, uma CB 500 nova e que me dava tanto prazer, tal era a minha paixão pelas motos que em determinadas ocasiões enquanto estava fora a trabalho, à noite eu pedia para minha esposa por telefone que funcionasse minha máquina na minha casa e levasse o telefone sem fio até perto dela para que eu a ouvisse funcionando e pedia para ela acelerar para eu matar a saudade, felicidade essa que foi interrompida por uma fatalidade, algo inesperado, acontecimento brutal e determinante, fui surpreendido quando transitava por uma via preferencial por um pequeno caminhão que inesperadamente cortou a minha frente, sem chance de desviá-lo ou qualquer saída para evitar o impacto.
Passei por baixo, (literalmente), por baixo do mesmo, ficando a moto parada no caminhão e eu do outro lado aproximadamente uns dez metros. Permaneci consciente todo o tempo e logo me sentei no chão e olhando para minha perna esquerda percebi de imediato que havia perdido a minha perna, pois via enormes ossos expostos e o meu joelho estilhaçado. Retirei meu capacete e fiquei ali olhando pra minha perna.
Como estava consciente alguém me perguntou o telefone da minha casa e ligou de um celular e me entregou para que falasse com minha esposa, que não acreditava e afirmava: isso não é verdade você deve estar brincando com coisa seria e eu afirmava é serio mãe, perdi uma perna venha até aqui. Quando minha família chegou ao local, minha esposa uma filha e um dos meus genros imediatamente pedi ao meu genro que desligasse minha moto que ainda estava funcionando e pedi para que desligasse também o alarme pois havia disparado, ainda dei-lhe instruções de como faze-lo.
Duas horas mais tarde estava eu com uma só perna em um hospital local. Nessa fase ainda não pensava em outra coisa a não ser em amenizar a dor física que a essa altura era intensa.
Dois dias depois fui para minha casa e no terceiro dia estava eu dirigindo meu carro com o auxilio de uma alavanca improvisada por um amigo para acionar o pedal de embreagem, e é assim que dirijo até hoje, pois ainda não deu para legalizar tal situação por ser um equipamento apropriado muito caro.
Algum tempo depois quando o impacto inicial já havia passado entrava eu na fase do desespero, esgotando todo o estoque de lágrimas que ha. dentro de um ser humano, chorando de manhã quando acordava, à tarde e a noite em uma inconformação sem fim.
Em um processo lento e doloroso de recuperação onde o mais forte aliado é o próprio tempo, as coisas vão se amenizando, lentamente a gente vai percebendo que encarar a situação é o único remédio.
Muito interessante foi em determinada ocasião quando ouvi de meu melhor amigo, companheiro a quem devo muito, o seguinte comentário: Gerson você tem que entender que é fato consumado e que não tem volta, você vai ser enterrado um dia assim mesmo, sem uma perna, palavras francas na hora certa e que me fizeram acordar e encarar a realidade de frente, embora ainda fosse mito cedo para tal firmeza, pois alguns dias antes desse fato eu ao tentar levantar de uma cadeira esqueci que tinha uma perna só e levei um baita tombo, fato que aconteceu duas vezes comigo, acredito que acontece com amputados recentes, a gente leva um tempo até que acostume com a idéia.
Mas tentando resumir essa história que poderia ficar dias comentando detalhes, digo a quem interessar possa e espero estar contribuindo de alguma forma com quem perdeu também como eu um membro ou que tem um ente querido passando por tal situação:
Enquanto estivermos respirando e de alguma forma podendo se comunicar nunca devemos desistir de viver, de produzir, alegrar-se e dar alegrias a outras pessoas, somos frágeis mecanicamente, somos frágeis em termos de construção física, até frágeis demais pelo sentimento com o qual fomos compostos, porém somos carregados de competência, poder e valor como humanos, tanto que nem nós mesmos somos capazes de entender avaliar ou comparar, não temos limites, desconhecemos os nossos próprios.
É verdade que quando as coisas estão bem temos a tendência mesquinha de não valorizar esses momentos, pois somos de um modo geral muito ambiciosos, sempre queremos mais e mais sem sequer até mesmo saber identificar reais valores.
Hoje dedico uma parte do meu tempo com o para desporto, tendo iniciado em 2005 na primeira competição em atletismo onde no mesmo ano no Rio de Janeiro tive a felicidade de me tornar campeão Brasileiro em lançamento de disco, atividade essa que me proporcionou grande satisfação de poder manter contato com um número expressivo de pessoas portadoras de necessidades especiais como eu, agradeço a Deus pela oportunidade de conhecer gente tão especial em termos de carinho, confiança, esperança, onde pude até mesmo aprender com um menino de três anos a técnica de poder correr com a prótese de lado, onde pude sentir o prazer de abraçar meninos, meninas, jovens e pessoas maduras e com todos sempre pude aprender algo, aprender um pouco mais de solidariedade humana, aprender mais sobre estímulo, aprender mais como ser alegre, aprender mais como sorrir, aprender a viver em um mundo menor e que por ser menor não deixa de ser interessante alegre e feliz.
Hoje também me coloco a disposição de quem quer que necessite da minha pequena experiência com o uso de prótese transfemural, pois contrariando as ortopédicas eu mesmo faço todas as regulagens de uso da minha, e me mantenho ainda a disposição para quem quiser conversar, estarei sempre de braços e mente abertos, por e-mail, telefone, sempre temos a aprender uns com os outros.
Gostaria de expressar a minha gratidão ao meu amigo FLÁVIO Amputados Vencedores, pois sem ele esse site não existiria.
A minha esposa Ana fiel companheira das alegrias e dores.
Minhas filhas Daniele, Isabele e Paulinha.
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domingo, 11 de setembro de 2011
SUPERANDO A AMPUTAÇÃO
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