Sou Geofilho, 31 anos de idade (data de nascimento 05/12/1979), solteiro, sem filhos; natural de Araguaína – Tocantins.
Nasci com glaucoma congênito, sempre fui pessoa com baixa visão. Com essa deficiência sofri muito, principalmente no colégio, os colegas de aula faziam muita gozação, me chamavam de quatro olhos e olhos de fundo de garrafa, pois utilizava óculos com lentes bem grossas. Era uma dificuldade no colégio ter que aguentar esses comentários dos demais alunos. Além disso, as professoras e demais profissionais dos colégios que estudei não tinham preparo para lidar com aluno baixa visão.
Mas, de um modo geral, não tenho muitas reclamações, o profissionais de onde estudei sempre procuraram fazer o melhor por mim, mesmo que não soubessem o modo adequado de lidar com um aluno nesta situação.
Apesar de ter esses maus momentos no colégio, passei por muitos bons momentos e sempre fui um aluno que “ficava na minha”, nunca um professor me chamou a atenção por algum comportamento desrespeitoso.
Em casa, como toda criança e adolescente, brinquei muito com primos e irmãos. No grande quintal que tínhamos, e, também no conhecido terreno da cimba da família Boa Sorte que se localiza em frente à casa dos meus pais. Subi muito em árvores, nos barrancos de areia, andávamos muito por dentro do mato da cimba brincando de super-homem e outras brincadeiras; fabricávamos nossos próprios brinquedos.
Durante minha vida passei por várias intervenções cirúrgicas nos olhos, todas estas realizadas em Goiânia-Goiás. Perdi a visão do olho esquerdo aos 11 anos, devido a uma pancada de casca de melancia que o atingiu.
Neste período eu e minha família estávamos na praia em Babaçulândia em Tocantins, sempre ficávamos na parte da praia que tinha pouco fluxo de pessoas. Eu, meus irmãos, meus primos e uma tia (irmã do meu pai); todos adolescentes. Gostávamos de ir aos pés de melancia na praia e pegá-las. Numa dessas brincadeiras de comer melancia e jogar cascas uns nos outros, uma casca, que minha tia lançou, bateu no meu olho esquerdo (o olho que eu tinha melhor visão).
No momento fiquei desesperado, quando abri o olho percebi que havia um sangramento interno que estava atrapalhando a visão, via só vultos e conseguia perceber a diferença da luz do sol quando colocava a mão sobre o olho esquerdo e tirava. O olho ficou vermelho, mas não sangrou por fora.
No outro dia fui levado a uma médica da cidade que não era oftalmologista, a mesma indicou um médico especialista que não havia em Babaçulândia, depois de alguns dias quando voltamos à Araguaína fui ao oftalmologista, ele receitou remédios para limpar o sangue do olho, percebi melhoras em ver vultos, mas o medicamento não seria suficiente para limpar a hemorragia, o médico recomendou uma cirurgia.
Não fiz a cirurgia, pois a assistência de saúde do estado do Tocantins nesta época não realizava essa cirurgia de imediato e minha família não tinha condições de pagar. Acabou ficando “por isso mesmo”, com o tempo o olho foi atrofiando, e fui perdendo todas as chances de recuperar a visão do mesmo.
Do olho direito, aos 15 anos, fiquei cego por conseqüência do glaucoma. A pressão ocular foi aumentando e não tive consciência de que estava perdendo a visão. Quando fui ao médico já era tarde demais para recuperar o que havia perdido de visão, fiz uma cirurgia apenas para controlar a pressão do olho. E depois dessa cirurgia o que ainda enxergava com o olho direito piorou, mas essa conseqüência já era prevista. Atualmente ainda enxergo vultos com o olho direito, uso colírio para regular a pressão, mas o pouco que percebo não utilizo para locomoção, sou considerado uma pessoa cega.
Minha família sempre foi pobre, minha mãe Valdina Ferreira Coelho, hoje com 60 anos de idade, não trabalha fora, realiza tarefas do lar. Meu irmão Geoardson Ferreira Moraes tem 35 anos de idade, é usuário do CAPS, ele é pessoa com transtorno de esquizofrenia, não trabalha; ele e minha mãe vivem da LOAS que ele recebe.
Minha irmã Joandna Ferreira Moraes Pinho 33 anos de idade, casada, vive com seu marido em Araguaína em outro bairro, trabalha como manicura em domicílio e seu esposo é mototax.
Meus pais se separaram em 1998. E meu pai, José Filho Rodrigues Moraes, que até este período não nos dava assistência por problemas na relação familiar, passou a nos ajudar como pode. Considero que atualmente ele tem uma boa relação com os três filhos e com minha mãe. Ele trabalha como marceneiro e desde a separação mora com outra mulher.
Desde os meus 11 anos, até ficar cego, ajudava meu pai nos trabalhos que ele fazia com marcenaria, assim como meu irmão, que também teve um período em sua vida que ajudou o pai a realizar o mesmo trabalho.
Quando fiquei cego total, passei a receber o LOAS, um salário mínimo. E depois que meus pais se separaram, eu, minha mãe, meu irmão e minha irmã (que ainda não era casada) passamos a viver da LOAS que eu recebia. Mesmo quando fui para Florianópolis, enviava uma parte do que recebia para ajudar minha mãe e meus irmãos, pois meu irmão ainda não recebia a LOAS. Ainda hoje recebo esse auxílio (R$545,00) do INSS.
Quando perdi a visão fiquei por mais ou menos uns seis meses sem querer estudar, mas nunca dentro de mim me senti fraco, sempre me senti confiante. No início tinha muito preconceito em relação a ter que utilizar Braille, de ter que andar com o auxílio de bengala. O principal sentimento que tinha era vergonha de estar nesta situação, de andar nas ruas de bengala, e imaginava as pessoas me olhando e me chamando de ceguinho ou coitadinho.
Aos 17 anos, já cego, descobri ouvindo os psicólogos e psiquiatras que iam aos programas da Silvia Popovic na rede Bandeirantes, que eu tinha facilidade para compreender os fenômenos psicológicos das pessoas, a partir dos temas discutidos nos programas dela.
De modo geral gosto de toda ciência ligada à compreensão da mente humana e do mundo. Escolhi fazer psicologia e me determinei! Mesmo não tendo condições financeiras, sempre acreditei e busquei conseguir vencer essa etapa de minha vida.
Ainda neste período aprendi Braille, em Araguaína na escola Modelo, com a professora Ana Madalena. Não tive dificuldades para aprender Braille, em uma semana já sabia o alfabeto todo, e também me dediquei muito na leitura de livros em Braille. Fiquei por um tempo estudando na escola Modelo em sala de educação especial e também como ouvinte na quinta série no ensino regular do Modelo para relembrar conteúdos que havia esquecido.
Fiz a quinta série do ensino fundamental no Colégio Jorge Amado no setor Brasil, onde havia outra pessoa com deficiência visual que estudava na mesma sala; estudei a sexta série no Colégio Alfredo Nasser, perto de minha casa; depois voltei para o colégio Guilherme Dourado, sempre gostei de estudar neste colégio, e estudei nele a maior parte de minha vida como baixa visão, agora estava estudando neste colégio como pessoa cega. Estudei até o primeiro ano do ensino médio lá. Fiz as provas do supletivo do estado do Tocantins, fui aprovado e terminei o ensino médio por esse meio.
Em 2001, estudava a sétima série no colégio Guilherme Dourado, e gostava de ouvir o programa “A voz do Brasil” no rádio para ficar por dentro das notícias sobre educação inclusiva.
Um dia ouvi uma reportagem que informava que o governo distribuiria livros em Braille para alunos do ensino fundamental, mas esses livros nunca chegavam ao Tocantins. Enviei uma carta em Braille para o ministro da educação Paulo Renato Sousa, fiz um desabafo por não ter recebido os livros em Braille, ele leu minha carta na “Voz do Brasil”, e afirmou que iria tomar providências.
Passado alguns dias recebi uma carta do Instituto Benjamin Constant de que eu receberia os livros em casa. A escola Modelo em Araguaína recebeu do ministério da educação impressora Braille e outros materiais para trabalhar com cegos.
A pessoa que hoje considero minha amiga: Maria da Glória Batista Mota (popular Glorinha), que trabalhava na secretaria de educação especial do MEC, na assessoria do ministro Paulo Renato, e quem transcrevia minhas cartas em Braille, já declarou várias vezes que foi a partir dessa carta que enviei ao ministro que vários núcleos de educação especial com equipamentos para cegos foram abertos no Brasil. Conheci a Glorinha em 18 de dezembro de 2005 na festa de final de ano na ACIC (Associação Catarinense para a Integração do Cego), ela falou que talvez eu não tenha noção de como aquela carta enviada ao ministro Paulo Renato foi importante para a educação especial de cegos no Brasil.
Passou esse período, queria fazer psicologia. Em Araguaína e redondezas não havia curso de psicologia. A professora Ana Madalena com quem aprendi Braille esteve num curso de AVD (atividade de vida diária) em Palmas T, conheceu a professora Aldeída que trabalhava na ACIC. Neste período a ACIC alojava pessoas de outros estados e não cobrava a moradia e a alimentação de quem não tivesse condições de pagar.
A professora Ana Madalena trouxe essa informação para Araguaína, eu que sempre quis sair para outro estado para tentar fazer faculdade e tentar uma vida melhor, não pensei duas vezes, e já me determinei a ir para Florianópolis. No início minha mãe não queria aceitar, mas sentiu que eu já havia decidido, teve de me apoiar.
Eu, e um amigo também cego (com quem aprendi tocar violão), chegamos a Florianópolis em 14 de março de 2005.
Nas férias sempre viajávamos para visitar a família em casa, pois tínhamos o passe livre federal. Meu amigo depois de um ano, resolveu voltar para o Pará, seu estado natal.
Fui selecionado por notas de ensino médio na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), ingressei no curso de psicologia em 1º de agosto de 2005. Consegui concluir a faculdade com bolsa de estudo do artigo 170 do governo do estado de SC, mas essa bolsa deve ser renovada de seis em seis meses e não cobre a matrícula. Só consegui efetuar minha matrícula a primeira vez porque uma voluntária da ACIC de nome Ana Paula G. S. A. Antunes doou o dinheiro para eu pagar. As demais matrículas consegui pagar porque amigos me doaram o dinheiro, arrecadado com muita dificuldade, pois também são pessoas sem muitas condições financeiras.
Em 2009 quando estava na oitava fase do curso de psicologia, por ter feito o ENEM em 2008, me inscrevi no PROUNI e consegui a bolsa permanente, assim concluí a graduação.
Durante a faculdade não tive muitos problemas de adaptação, pois a UNISUL tem um programa de acessibilidade que cuida dos materiais e dá assistência aos alunos que são pessoas com deficiência. No início da faculdade ainda utilizava Braille, depois aprendi a utilizar o leitor de tela Jaws e ampliei o conhecimento em informática, passei a utilizar materiais no formato digital. As estagiárias do projeto de acessibilidade scanneavam os textos, faziam a correção e me enviavam por e-mail.
Até novembro de 2006 vivia sob assistência da ACIC, no que se refere à alimentação e moradia. Desde essa data passei a morar pagando aluguel, pois só poderia ficar no alojamento da ACIC por um determinado tempo.
Passei a estagiar na UDESC (Universidade do Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina), o salário que recebia neste estágio foi o que me possibilitou viver por conta própria, mesmo que as condições fossem limitadas, pois neste período ainda ajudava minha mãe e os meus dois irmãos com o salário mínimo que recebia da LOAS.
Em 15 de fevereiro de 2011 colei grau em psicologia e hoje sou psicólogo CRP-12/10.011 registrado pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina.
Penso que só consegui concluir o curso de psicologia: primeiro porque sou determinado e busco alcançar os objetivos que tenho na vida; segundo pelo apoio da família; terceiro porque a ACIC me ajudou no início de minha vida em Florianópolis SC; e quarto por outras pessoas, amigos ou não, terem me ajudado de algum modo.
A própria Izaura Rodrigues que solicitou que eu escrevesse este relatório sobre minha história de vida, no período que fui para Florianópolis me conseguiu roupas de frio e uma ajuda financeira através do pastor e deputado Amarildo, essa ajuda em dinheiro completou o que faltava para eu pagar a matrícula no segundo semestre.
Hoje estou desempregado, mas tenho confiança que conseguirei me realizar como profissional é mais uma etapa da vida que tenho de vencer e não tenho dúvida que vencerei, nem que demore um pouco. Estou tentando concursos públicos em Florianópolis e também procuro emprego em empresas. Penso em continuar com os estudos, fazer uma especialização ou um mestrado em psicologia ou saúde pública.
Em psicologia o que mais tenho prazer em trabalhar é na área da saúde mental, desde que entrei na faculdade o tema sempre fez parte do meu foco de trabalho, com o tempo e o conhecimento que fui adquirindo na psicologia essa vontade de ajudar pessoas com transtorno mental foi ficando mais forte. Gosto muito do trabalho desenvolvido pelos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), espero um dia trabalhar num serviço assim.
Em 2009 realizei estágio não curricular num conhecido hospital psiquiátrico da região da grande Florianópolis o IPQ (Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina), conhecido como a colônia Santana. Fiquei 13 meses neste estágio, pude aprender muito e conhecer a dura realidade de quem vive numa vida institucionalizada. Meu trabalho de conclusão de curso teve como tema:
A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência.
Resumo:
A permanência do tratamento em saúde mental no modelo hospitalocêntrico desenvolvido na lógica manicomial tem sido questionado há bastante tempo, colocando em pauta reflexões acerca da institucionalização/desinstitucionalização. O objeto em questão no estudo é a internação psiquiátrica, tive como foco identificar práticas de tratamento na lógica manicomial que são desenvolvidas em hospital psiquiátrico. No Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, afirma-se a necessidade de que haja a transformação das práticas de intervenção que institucionalizam pessoas na lógica do manicômio. O estudo busca contribuir para a ciência através da produção de conhecimento visando a transformação de práticas manicomiais de intervenção que ainda hoje estão presentes no hospital psiquiátrico. Para a sociedade, o estudo busca contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, objetivando políticas para que ocorra a desinstitucionalização em nosso país. A pesquisa caracteriza-se como exploratória/qualitativa com delineamento de estudo de caso; utilizei entrevista como instrumento para coleta de dados. Participou da pesquisa uma pessoa do sexo feminino que foi internada várias vezes em hospital psiquiátrico, seu esposo foi o segundo participante da pesquisa. Meu trabalho aponta a permanência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial sendo praticada nos dias de hoje e indica que a cultura do manicômio ultrapassa os muros do hospital psiquiátrico, estando à institucionalização presente em nossa vida cotidiana na sociedade.
Este TCC foi publicado na biblioteca da UNISUL, realizei correções para melhorar a redação do trabalho e reescrevi na primeira pessoa do singular, quando essas correções estiverem finalizadas e o trabalho formatado, publicarei em meu site a versão atualizada.
Neste ano consegui a autorização do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para prestar em meu site os serviços psicológicos mediados por computador que são regulamentados pela RESOLUÇÃO CFP N° 012/2005 como: orientação psicológica e afetivo-sexual, orientação profissional, orientação de aprendizagem e psicologia escolar. Realizo os atendimentos por e-mail ou por MSN. Posso atender pessoas de todo o Brasil e outros países.
Criei meu site em 22 de fevereiro de 2011, o endereço é:
http://psicologogeofilho.no.comunidades.net
Atualmente moro dividindo aluguel com mais duas pessoas em Florianópolis, uma delas é cega e a outra é vidente.
Gosto muito da minha terra e estado natal, mas pretendo continuar minha vida em Florianópolis SC.
Espero estar no Tocantins para participar da Conferência sobre pessoas com deficiência.
E se tudo der certo, gostaria que nas despesas para ir e voltar e estadia fosse incluída as despesas da acompanhante que pretendo levar, minha namorada Simone Fiorito. Ela e eu temos uma história de amor que começou pela internet quando eu estava passando as férias de dezembro de 2010 na casa de minha mãe em Araguaína Tocantins, a conheci num site de relacionamentos. Ela mora em Indaiatuba SP.
Se fosse escrever sobre nossa história, seria mais uma grande história em minha vida, ou na vida de nós dois.
Obrigado para quem leu minha história.
E a história continua!
Nasci com glaucoma congênito, sempre fui pessoa com baixa visão. Com essa deficiência sofri muito, principalmente no colégio, os colegas de aula faziam muita gozação, me chamavam de quatro olhos e olhos de fundo de garrafa, pois utilizava óculos com lentes bem grossas. Era uma dificuldade no colégio ter que aguentar esses comentários dos demais alunos. Além disso, as professoras e demais profissionais dos colégios que estudei não tinham preparo para lidar com aluno baixa visão.
Mas, de um modo geral, não tenho muitas reclamações, o profissionais de onde estudei sempre procuraram fazer o melhor por mim, mesmo que não soubessem o modo adequado de lidar com um aluno nesta situação.
Apesar de ter esses maus momentos no colégio, passei por muitos bons momentos e sempre fui um aluno que “ficava na minha”, nunca um professor me chamou a atenção por algum comportamento desrespeitoso.
Em casa, como toda criança e adolescente, brinquei muito com primos e irmãos. No grande quintal que tínhamos, e, também no conhecido terreno da cimba da família Boa Sorte que se localiza em frente à casa dos meus pais. Subi muito em árvores, nos barrancos de areia, andávamos muito por dentro do mato da cimba brincando de super-homem e outras brincadeiras; fabricávamos nossos próprios brinquedos.
Durante minha vida passei por várias intervenções cirúrgicas nos olhos, todas estas realizadas em Goiânia-Goiás. Perdi a visão do olho esquerdo aos 11 anos, devido a uma pancada de casca de melancia que o atingiu.
Neste período eu e minha família estávamos na praia em Babaçulândia em Tocantins, sempre ficávamos na parte da praia que tinha pouco fluxo de pessoas. Eu, meus irmãos, meus primos e uma tia (irmã do meu pai); todos adolescentes. Gostávamos de ir aos pés de melancia na praia e pegá-las. Numa dessas brincadeiras de comer melancia e jogar cascas uns nos outros, uma casca, que minha tia lançou, bateu no meu olho esquerdo (o olho que eu tinha melhor visão).
No momento fiquei desesperado, quando abri o olho percebi que havia um sangramento interno que estava atrapalhando a visão, via só vultos e conseguia perceber a diferença da luz do sol quando colocava a mão sobre o olho esquerdo e tirava. O olho ficou vermelho, mas não sangrou por fora.
No outro dia fui levado a uma médica da cidade que não era oftalmologista, a mesma indicou um médico especialista que não havia em Babaçulândia, depois de alguns dias quando voltamos à Araguaína fui ao oftalmologista, ele receitou remédios para limpar o sangue do olho, percebi melhoras em ver vultos, mas o medicamento não seria suficiente para limpar a hemorragia, o médico recomendou uma cirurgia.
Não fiz a cirurgia, pois a assistência de saúde do estado do Tocantins nesta época não realizava essa cirurgia de imediato e minha família não tinha condições de pagar. Acabou ficando “por isso mesmo”, com o tempo o olho foi atrofiando, e fui perdendo todas as chances de recuperar a visão do mesmo.
Do olho direito, aos 15 anos, fiquei cego por conseqüência do glaucoma. A pressão ocular foi aumentando e não tive consciência de que estava perdendo a visão. Quando fui ao médico já era tarde demais para recuperar o que havia perdido de visão, fiz uma cirurgia apenas para controlar a pressão do olho. E depois dessa cirurgia o que ainda enxergava com o olho direito piorou, mas essa conseqüência já era prevista. Atualmente ainda enxergo vultos com o olho direito, uso colírio para regular a pressão, mas o pouco que percebo não utilizo para locomoção, sou considerado uma pessoa cega.
Minha família sempre foi pobre, minha mãe Valdina Ferreira Coelho, hoje com 60 anos de idade, não trabalha fora, realiza tarefas do lar. Meu irmão Geoardson Ferreira Moraes tem 35 anos de idade, é usuário do CAPS, ele é pessoa com transtorno de esquizofrenia, não trabalha; ele e minha mãe vivem da LOAS que ele recebe.
Minha irmã Joandna Ferreira Moraes Pinho 33 anos de idade, casada, vive com seu marido em Araguaína em outro bairro, trabalha como manicura em domicílio e seu esposo é mototax.
Meus pais se separaram em 1998. E meu pai, José Filho Rodrigues Moraes, que até este período não nos dava assistência por problemas na relação familiar, passou a nos ajudar como pode. Considero que atualmente ele tem uma boa relação com os três filhos e com minha mãe. Ele trabalha como marceneiro e desde a separação mora com outra mulher.
Desde os meus 11 anos, até ficar cego, ajudava meu pai nos trabalhos que ele fazia com marcenaria, assim como meu irmão, que também teve um período em sua vida que ajudou o pai a realizar o mesmo trabalho.
Quando fiquei cego total, passei a receber o LOAS, um salário mínimo. E depois que meus pais se separaram, eu, minha mãe, meu irmão e minha irmã (que ainda não era casada) passamos a viver da LOAS que eu recebia. Mesmo quando fui para Florianópolis, enviava uma parte do que recebia para ajudar minha mãe e meus irmãos, pois meu irmão ainda não recebia a LOAS. Ainda hoje recebo esse auxílio (R$545,00) do INSS.
Quando perdi a visão fiquei por mais ou menos uns seis meses sem querer estudar, mas nunca dentro de mim me senti fraco, sempre me senti confiante. No início tinha muito preconceito em relação a ter que utilizar Braille, de ter que andar com o auxílio de bengala. O principal sentimento que tinha era vergonha de estar nesta situação, de andar nas ruas de bengala, e imaginava as pessoas me olhando e me chamando de ceguinho ou coitadinho.
Aos 17 anos, já cego, descobri ouvindo os psicólogos e psiquiatras que iam aos programas da Silvia Popovic na rede Bandeirantes, que eu tinha facilidade para compreender os fenômenos psicológicos das pessoas, a partir dos temas discutidos nos programas dela.
De modo geral gosto de toda ciência ligada à compreensão da mente humana e do mundo. Escolhi fazer psicologia e me determinei! Mesmo não tendo condições financeiras, sempre acreditei e busquei conseguir vencer essa etapa de minha vida.
Ainda neste período aprendi Braille, em Araguaína na escola Modelo, com a professora Ana Madalena. Não tive dificuldades para aprender Braille, em uma semana já sabia o alfabeto todo, e também me dediquei muito na leitura de livros em Braille. Fiquei por um tempo estudando na escola Modelo em sala de educação especial e também como ouvinte na quinta série no ensino regular do Modelo para relembrar conteúdos que havia esquecido.
Fiz a quinta série do ensino fundamental no Colégio Jorge Amado no setor Brasil, onde havia outra pessoa com deficiência visual que estudava na mesma sala; estudei a sexta série no Colégio Alfredo Nasser, perto de minha casa; depois voltei para o colégio Guilherme Dourado, sempre gostei de estudar neste colégio, e estudei nele a maior parte de minha vida como baixa visão, agora estava estudando neste colégio como pessoa cega. Estudei até o primeiro ano do ensino médio lá. Fiz as provas do supletivo do estado do Tocantins, fui aprovado e terminei o ensino médio por esse meio.
Em 2001, estudava a sétima série no colégio Guilherme Dourado, e gostava de ouvir o programa “A voz do Brasil” no rádio para ficar por dentro das notícias sobre educação inclusiva.
Um dia ouvi uma reportagem que informava que o governo distribuiria livros em Braille para alunos do ensino fundamental, mas esses livros nunca chegavam ao Tocantins. Enviei uma carta em Braille para o ministro da educação Paulo Renato Sousa, fiz um desabafo por não ter recebido os livros em Braille, ele leu minha carta na “Voz do Brasil”, e afirmou que iria tomar providências.
Passado alguns dias recebi uma carta do Instituto Benjamin Constant de que eu receberia os livros em casa. A escola Modelo em Araguaína recebeu do ministério da educação impressora Braille e outros materiais para trabalhar com cegos.
A pessoa que hoje considero minha amiga: Maria da Glória Batista Mota (popular Glorinha), que trabalhava na secretaria de educação especial do MEC, na assessoria do ministro Paulo Renato, e quem transcrevia minhas cartas em Braille, já declarou várias vezes que foi a partir dessa carta que enviei ao ministro que vários núcleos de educação especial com equipamentos para cegos foram abertos no Brasil. Conheci a Glorinha em 18 de dezembro de 2005 na festa de final de ano na ACIC (Associação Catarinense para a Integração do Cego), ela falou que talvez eu não tenha noção de como aquela carta enviada ao ministro Paulo Renato foi importante para a educação especial de cegos no Brasil.
Passou esse período, queria fazer psicologia. Em Araguaína e redondezas não havia curso de psicologia. A professora Ana Madalena com quem aprendi Braille esteve num curso de AVD (atividade de vida diária) em Palmas T, conheceu a professora Aldeída que trabalhava na ACIC. Neste período a ACIC alojava pessoas de outros estados e não cobrava a moradia e a alimentação de quem não tivesse condições de pagar.
A professora Ana Madalena trouxe essa informação para Araguaína, eu que sempre quis sair para outro estado para tentar fazer faculdade e tentar uma vida melhor, não pensei duas vezes, e já me determinei a ir para Florianópolis. No início minha mãe não queria aceitar, mas sentiu que eu já havia decidido, teve de me apoiar.
Eu, e um amigo também cego (com quem aprendi tocar violão), chegamos a Florianópolis em 14 de março de 2005.
Nas férias sempre viajávamos para visitar a família em casa, pois tínhamos o passe livre federal. Meu amigo depois de um ano, resolveu voltar para o Pará, seu estado natal.
Fui selecionado por notas de ensino médio na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), ingressei no curso de psicologia em 1º de agosto de 2005. Consegui concluir a faculdade com bolsa de estudo do artigo 170 do governo do estado de SC, mas essa bolsa deve ser renovada de seis em seis meses e não cobre a matrícula. Só consegui efetuar minha matrícula a primeira vez porque uma voluntária da ACIC de nome Ana Paula G. S. A. Antunes doou o dinheiro para eu pagar. As demais matrículas consegui pagar porque amigos me doaram o dinheiro, arrecadado com muita dificuldade, pois também são pessoas sem muitas condições financeiras.
Em 2009 quando estava na oitava fase do curso de psicologia, por ter feito o ENEM em 2008, me inscrevi no PROUNI e consegui a bolsa permanente, assim concluí a graduação.
Durante a faculdade não tive muitos problemas de adaptação, pois a UNISUL tem um programa de acessibilidade que cuida dos materiais e dá assistência aos alunos que são pessoas com deficiência. No início da faculdade ainda utilizava Braille, depois aprendi a utilizar o leitor de tela Jaws e ampliei o conhecimento em informática, passei a utilizar materiais no formato digital. As estagiárias do projeto de acessibilidade scanneavam os textos, faziam a correção e me enviavam por e-mail.
Até novembro de 2006 vivia sob assistência da ACIC, no que se refere à alimentação e moradia. Desde essa data passei a morar pagando aluguel, pois só poderia ficar no alojamento da ACIC por um determinado tempo.
Passei a estagiar na UDESC (Universidade do Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina), o salário que recebia neste estágio foi o que me possibilitou viver por conta própria, mesmo que as condições fossem limitadas, pois neste período ainda ajudava minha mãe e os meus dois irmãos com o salário mínimo que recebia da LOAS.
Em 15 de fevereiro de 2011 colei grau em psicologia e hoje sou psicólogo CRP-12/10.011 registrado pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina.
Penso que só consegui concluir o curso de psicologia: primeiro porque sou determinado e busco alcançar os objetivos que tenho na vida; segundo pelo apoio da família; terceiro porque a ACIC me ajudou no início de minha vida em Florianópolis SC; e quarto por outras pessoas, amigos ou não, terem me ajudado de algum modo.
A própria Izaura Rodrigues que solicitou que eu escrevesse este relatório sobre minha história de vida, no período que fui para Florianópolis me conseguiu roupas de frio e uma ajuda financeira através do pastor e deputado Amarildo, essa ajuda em dinheiro completou o que faltava para eu pagar a matrícula no segundo semestre.
Hoje estou desempregado, mas tenho confiança que conseguirei me realizar como profissional é mais uma etapa da vida que tenho de vencer e não tenho dúvida que vencerei, nem que demore um pouco. Estou tentando concursos públicos em Florianópolis e também procuro emprego em empresas. Penso em continuar com os estudos, fazer uma especialização ou um mestrado em psicologia ou saúde pública.
Em psicologia o que mais tenho prazer em trabalhar é na área da saúde mental, desde que entrei na faculdade o tema sempre fez parte do meu foco de trabalho, com o tempo e o conhecimento que fui adquirindo na psicologia essa vontade de ajudar pessoas com transtorno mental foi ficando mais forte. Gosto muito do trabalho desenvolvido pelos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), espero um dia trabalhar num serviço assim.
Em 2009 realizei estágio não curricular num conhecido hospital psiquiátrico da região da grande Florianópolis o IPQ (Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina), conhecido como a colônia Santana. Fiquei 13 meses neste estágio, pude aprender muito e conhecer a dura realidade de quem vive numa vida institucionalizada. Meu trabalho de conclusão de curso teve como tema:
A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência.
Resumo:
A permanência do tratamento em saúde mental no modelo hospitalocêntrico desenvolvido na lógica manicomial tem sido questionado há bastante tempo, colocando em pauta reflexões acerca da institucionalização/desinstitucionalização. O objeto em questão no estudo é a internação psiquiátrica, tive como foco identificar práticas de tratamento na lógica manicomial que são desenvolvidas em hospital psiquiátrico. No Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, afirma-se a necessidade de que haja a transformação das práticas de intervenção que institucionalizam pessoas na lógica do manicômio. O estudo busca contribuir para a ciência através da produção de conhecimento visando a transformação de práticas manicomiais de intervenção que ainda hoje estão presentes no hospital psiquiátrico. Para a sociedade, o estudo busca contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, objetivando políticas para que ocorra a desinstitucionalização em nosso país. A pesquisa caracteriza-se como exploratória/qualitativa com delineamento de estudo de caso; utilizei entrevista como instrumento para coleta de dados. Participou da pesquisa uma pessoa do sexo feminino que foi internada várias vezes em hospital psiquiátrico, seu esposo foi o segundo participante da pesquisa. Meu trabalho aponta a permanência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial sendo praticada nos dias de hoje e indica que a cultura do manicômio ultrapassa os muros do hospital psiquiátrico, estando à institucionalização presente em nossa vida cotidiana na sociedade.
Este TCC foi publicado na biblioteca da UNISUL, realizei correções para melhorar a redação do trabalho e reescrevi na primeira pessoa do singular, quando essas correções estiverem finalizadas e o trabalho formatado, publicarei em meu site a versão atualizada.
Neste ano consegui a autorização do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para prestar em meu site os serviços psicológicos mediados por computador que são regulamentados pela RESOLUÇÃO CFP N° 012/2005 como: orientação psicológica e afetivo-sexual, orientação profissional, orientação de aprendizagem e psicologia escolar. Realizo os atendimentos por e-mail ou por MSN. Posso atender pessoas de todo o Brasil e outros países.
Criei meu site em 22 de fevereiro de 2011, o endereço é:
http://psicologogeofilho.no.comunidades.net
Atualmente moro dividindo aluguel com mais duas pessoas em Florianópolis, uma delas é cega e a outra é vidente.
Gosto muito da minha terra e estado natal, mas pretendo continuar minha vida em Florianópolis SC.
Espero estar no Tocantins para participar da Conferência sobre pessoas com deficiência.
E se tudo der certo, gostaria que nas despesas para ir e voltar e estadia fosse incluída as despesas da acompanhante que pretendo levar, minha namorada Simone Fiorito. Ela e eu temos uma história de amor que começou pela internet quando eu estava passando as férias de dezembro de 2010 na casa de minha mãe em Araguaína Tocantins, a conheci num site de relacionamentos. Ela mora em Indaiatuba SP.
Se fosse escrever sobre nossa história, seria mais uma grande história em minha vida, ou na vida de nós dois.
Obrigado para quem leu minha história.
E a história continua!
Psicólogo Geofilho Ferreira Moraes
CRP-12/10.011
Telefones: 48-99362304(TIM) e 45-884582913 (OI)
Página:
http://psicologogeofilho.no.comunidades.net/
e-mail: geo.psicologia@yahoo.com.br
MSN: geopsicologia@hotmail.com
skype: geofilhofm
(Encontrado em http://www.amputadosvencedores.com.br/)
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