Ano passado, Peter Gabriel lançou Scratch My Back,
coleção de covers orquestrados. Pra sair em turnê, o ex-Genesis orquestrou suas
próprias composições a fim de dar consistência aos shows. Essas releituras
resultaram em New Blood, novo álbum do mestre inglês. Provando que grandes
mentes pensam igualmente, mestra Kate Bush também lançou álbum de releituras
este ano (e está prestes a lançar álbum de inéditas!).
Sem releituras dos funkaços Sledgehammer e Big Time – que
fizeram a glória de massa de Gabriel em 1986 – New Blood pesca canções dos
álbuns de 1980 em diante e é, em geral introspectivo e solene, mesmo em seus
momentos mais minimalistas.
A abertura fica por conta de Rhythm Of the Heat; grande
desafio. Como substituir as frenéticas percussão e gritarias tribais por
orquestra? Gabriel e sua trupe dão conta do recado, mantendo a urgência e certo
caráter ritualístico. Em geral, isso se repete ao longo de New Blood: as
canções ganham outra roupagem e assumem identidade própria, mesmo que se
continue preferindo as versões originais.
As africanices e tribalismos gabriélicos, porém, acabam
em um beco. Se o Gabriel de 30 anos atrás rendia-se ao calor do ritmo africano,
submetendo-se ao espírito que o possuía; aos 61 anos de idade, tudo é
substituído por ocidentalizada orquestra dando a impressão de simulacro do
simulacro,. A seção final de Rhythm of The Heat abandona sua africanidade pra
transformar-se em trilha sonora pra cena de suspense ou roubo.
Os vocais roucos e maduros ganham destaque em canções
como Intruder e Darkness, cujas orquestrações destacam a voz do cantor. Como
Bush, Gabriel aprendeu que menos é mais. O mesmo pode ser dito com relação à
poesia de suas letras: o relativo despojamento orquestral de Wallflower e Mercy
Street ressaltam a letra.
Ponto fraco são os chinfrins backing vocais femininos.
Gabriel oscila entre a fúria e o apelo na terapêutica Diggin’ In The Dirt, mas
o “I told you, I told you, I told you” de apoio brocha o clima.
Sei que é tarefa ingrata substituir Liz Fraser -
cognominada “A Voz de Deus” por ala da imprensa musical britânica nos anos 80 –
ou Kate Bush em Downside Up e Don’t Give Up respectivamente. Mas, a menina que
assumiu os postos não dá. Em Don’t Give Up, especialmente, onde ela soa como
uma lebre tentando imitar Björk (também com álbum novo, o fabuloso Biophilia!)
New Blood vem em edição simples e de luxo, que tem um
segundo CD com as faixas apenas instrumentais e uma bônus, Blood of Even,
originalmente dueto com Sinead O”Connor.
Sou feliz e sortudo
em ser fã de gente como Kate Bush e Peter Gabriel, que – perdão pelo jargão e
pelo eco – são como vinho: quanto mais maduros, mais intenso o buquê.
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