Música Como
Aplicativo
Roberto Rillo Bíscaro
Há alguns
meses, li que Björk usaria um iPad pra compor seu próximo álbum. O ambicioso
projeto envolveu cientistas e a criação de instrumentos musicais novos ou
adaptados. As canções funcionariam como aplicativos pra iPhones e o tal IPad, o
que quer que isso signifique.
Li quase
nada a respeito. Interessava-me o produto final, lançado semana passada. A
despeito do perigo de frieza ou esterilidade, confiei na artista; a islandesa não
cairia na armadilha de desumanizar sua obra. Fui recompensado: até no título –
Biophilia – o álbum celebra o amor, a vida e respira energia boa, poesia e
humanidade.
Congregando
ciência, tecnologia, o individual e o universal, Björk dá uma aula-magna de
cosmogonia, que, não por acaso, é título de uma das faixas mais belas, com clima
eclesiástico, mas que se encerra com a melodia evaporando-se no éter, depois de
haver nascido de um coral sem melodia. Caos silencioso – harmonia – caos
silencioso, nos lembrando do surgimento e da transitoriedade das coisas. Biophilia
requer repetidas audições atentas e cientes de que o emocional não implica na
ausência de racionalidade e planejamento.
Moon abre o
álbum e seu minimalismo de harpa (criada especialmente pro álbum), remete a
Vespertine (2001). Coral e clima esparso replicam a sensação de falta de
gravidade, na qual flutua o ondulado vocal de Björk, por si só capaz de
sustentar faixas inteiras, como Hollow, onde não há propriamente melodia, mas
climas e sonoridades. Em Virus, é sua voz élfica que constrói a linha melódica,
digamos, assobiável, dum fundo delicado, tão falsamente simples como uma capa
de proteína, essência dum vírus.
Crystalline nos pede pra ouvir cristais crescendo,
enquanto a melodia progressivamente coloca “pedras” protuberando no caminho,
sob forma de pequenas erupções de electronica. De repente, elas se tornam muito
barulhentas, como se cristais de rocha pipocassem do chão com violência, numa
festa drum’n’bass, que relê a sonoridade de Homogenic (1997). Ciclos, como a
ordem das canções, que, na versão sem bônus do álbum, começa com a lua e
termina em solstício.
Com letras
citando figuras geométricas, histórias da criação do universo, comparando o
amor a vírus ou a placas tectônicas, Biophilia une ciência, tecnologia,
espiritualidade, sexualidade e emoção sem nunca perder a simplicidade ou soarem
pretensiosas.
Apenas
artistas perturbadores e inovadores como Björk são capazes de prover beats,
chips e octágonos com coração e generosidade.
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