segunda-feira, 17 de outubro de 2011

CAIXA DE MÚSICA 46

Música Como Aplicativo

Roberto Rillo Bíscaro

Há alguns meses, li que Björk usaria um iPad pra compor seu próximo álbum. O ambicioso projeto envolveu cientistas e a criação de instrumentos musicais novos ou adaptados. As canções funcionariam como aplicativos pra iPhones e o tal IPad, o que quer que isso signifique.
Li quase nada a respeito. Interessava-me o produto final, lançado semana passada. A despeito do perigo de frieza ou esterilidade, confiei na artista; a islandesa não cairia na armadilha de desumanizar sua obra. Fui recompensado: até no título – Biophilia – o álbum celebra o amor, a vida e respira energia boa, poesia e humanidade.
Congregando ciência, tecnologia, o individual e o universal, Björk dá uma aula-magna de cosmogonia, que, não por acaso, é título de uma das faixas mais belas, com clima eclesiástico, mas que se encerra com a melodia evaporando-se no éter, depois de haver nascido de um coral sem melodia. Caos silencioso – harmonia – caos silencioso, nos lembrando do surgimento e da transitoriedade das coisas. Biophilia requer repetidas audições atentas e cientes de que o emocional não implica na ausência de racionalidade e planejamento.
Moon abre o álbum e seu minimalismo de harpa (criada especialmente pro álbum), remete a Vespertine (2001). Coral e clima esparso replicam a sensação de falta de gravidade, na qual flutua o ondulado vocal de Björk, por si só capaz de sustentar faixas inteiras, como Hollow, onde não há propriamente melodia, mas climas e sonoridades. Em Virus, é sua voz élfica que constrói a linha melódica, digamos, assobiável, dum fundo delicado, tão falsamente simples como uma capa de proteína, essência dum vírus.
Crystalline  nos pede pra ouvir cristais crescendo, enquanto a melodia progressivamente coloca “pedras” protuberando no caminho, sob forma de pequenas erupções de electronica. De repente, elas se tornam muito barulhentas, como se cristais de rocha pipocassem do chão com violência, numa festa drum’n’bass, que relê a sonoridade de Homogenic (1997). Ciclos, como a ordem das canções, que, na versão sem bônus do álbum, começa com a lua e termina em solstício.
Com letras citando figuras geométricas, histórias da criação do universo, comparando o amor a vírus ou a placas tectônicas, Biophilia une ciência, tecnologia, espiritualidade, sexualidade e emoção sem nunca perder a simplicidade ou soarem pretensiosas.
Apenas artistas perturbadores e inovadores como Björk são capazes de prover beats, chips e octágonos com coração e generosidade.  

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