Cientista
faz macaca sentir texturas por meio de um braço virtual movido pelo pensamento
e abre caminho para construir equipamentos acionados por impulsos mentais, para
dar mobilidade aos tetraplégicos.
Por 22 anos, o cientista brasileiro
Miguel Nicolelis, diretor do laboratório de Neuroengenharia da Duke University,
na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, dedicou-se a achar um meio de fazer o
cérebro e as máquinas trocar informações em tempo real. Em 2008, ele marcou seu
primeiro gol mostrando ao mundo que era possível mover um robô apenas com a
força do pensamento. Na época, apresentou um sistema capaz de transformar os
impulsos elétricos emitidos pelo cérebro de uma fêmea do macaco rhesus em
comandos digitais. Enviados pela internet ao Japão, os sinais fizeram um robô
andar.
Na semana passada, Nicolelis e sua equipe da Duke
University surpreenderam novamente ao anunciar que conseguiram fazer as
máquinas conversar diretamente com algumas áreas do cérebro. Desta vez, outra
fêmea do macaco rhesus moveu um braço virtual com a força do pensamento para
selecionar figuras na tela de um computador. Usou para isso o mesmo sistema
testado em 2008. Mas a experiência foi além: o animal não só selecionou os
objetos na tela como foi capaz de sentir, no cérebro, a diferença entre eles
(leia quadro). Apesar de idênticas na forma, cada figura emitia um sinal
elétrico diferente, que indicava sua textura. No cérebro, essses estímulos
foram interpretados como sensações táteis com a ajuda de um microchip
implantado com essa função. “Foi a primeira vez que se estabeleceu uma
comunicação bilateral entre o cérebro e uma máquina”, disse Nicolelis à ISTOÉ.
“Com isso, criamos um novo sentido, o tato virtual”, celebrou. O trabalho foi
publicado na última edição online da revista científica britânica “Nature”.
O propósito de Nicolelis, que está à frente de uma
iniciativa internacional chamada Walk Again (andar de novo), é aplicar a nova
tecnologia para construir uma geração de próteses inteligentes, acionadas
diretamente pelo pensamento, sem que os estímulos passem por outras partes do
corpo. Assim, ele pretende devolver a mobilidade a pessoas tetraplégicas.
Nesses casos, como as estruturas nervosas estão lesadas, as instruções dadas
pelo cérebro para a realização de movimentos não chegam aos membros.
Os achados do estudo conduzido na universidade
americana estão sendo recebidos como avanço importante pela comunidade
científica. Atualmente, muitos laboratórios procuram decifrar as mensagens
motoras do cérebro para controlar cursores e membros robóticos, enquanto outros
estudam como usar a estimulação elétrica dos tecidos para levar informações à
mente. “O trabalho de Nicolelis combina, pela primeira vez, esses dois desafios
da neuroengenharia. É um marco no estudo da interação cérebro-máquina”, disse à
ISTOÉ Sliman Bensmaia, neurocientista da Universidade de Chicago que estuda os
sinais cerebrais. “O próximo passo é desenvolver mecanismos mais sofisticados
para esse feedback sensorial”, afirma o pesquisador.
Uma das possíveis aplicações dessas descobertas
recentes será no aprimoramento de algumas próteses que utilizam sinais dos
músculos para realizar movimentos de braços, por exemplo. A esperança é esses
estudos permitam intensificar a transmissão de dados e melhorar a eficiência
dos aparelhos. Em relação ao futuro, seu impacto pode ser ainda mais extenso.
“Conseguimos a liberação mais completa do cérebro que se pode imaginar. O órgão
exerceu a capacidade perceptual sem precisar do corpo”, diz Nicolelis, que
vislumbra diversos cenários nos quais a tecnologia interativa poderá ser
empregada. Entre eles, o cientista cita o controle de instrumentos cirúrgicos
inseridos no corpo e a opção de movimentar com o pensamento guindastes no fundo
do mar ou robôs em áreas de risco.
Por enquanto, não há data marcada para o início
dos testes com protótipos desses equipamentos inteligentes em seres humanos.
Mas Nicolelis pretende que o pontapé inicial da Copa de 2014 seja dado por
jovens paraplégicos usando as suas vestes robóticas comandadas pelo pensamento.
Já disse isso em palestras. Também avisou que fará as simulações com seres
humanos em Natal, no Rio Grande do Norte, onde instalou o Instituto
Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). Faz
parte do seu projeto a fabricação local de microchips e eletrodos, entre outros
componentes, para tornar a região um polo de neurotecnologia.
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