Crônica Duma Paixão Anunciada
Roberto Rillo Bíscaro
Em setembro do ano passado estreou Downton Abbey, no
canal inglês ITV, ambientada no período eduardiano e com elenco de primeira
(Hugh Bonneville, Dame Maggie Smith etc.). Cada episódio custava um milhão de
libras e logo a série virou mania entre público devoto e crítica laudatória, abocanhando
prêmios na Inglaterra e no estrangeiro.
Tinha tudo pra me deslumbrar: sotacão britânico, gente
chique, casarão, mas não pude começar a ver os 6 episódios da primeira
temporada até há cerca de um mês, quando a segunda já está pra lá da metade na
Inglaterra. Nem alcançara o meio do primeiro episódio e já me apaixonara por
Downton Abbey. Muito bem escrita, a série é daquelas que se tem de ver mais de
uma vez pra adentrar/adensar nos detalhes.
Downton Abbey é a vasta propriedade do Conde de
Grantham, que se casara com uma norte-americana pra salvar o patrimônio. Seu
pai fundira a fortuna ianque à do tradicional clã inglês de tal modo que tudo
passou a ser uma coisa só, que seria herdada pelo primogênito do nobre. Mas,
ele teve apenas filhas e mulheres não herdavam (lembrem-se das irmãs Dashwood,
em Razão e Sensibilidade). Pra manter a fortuna e o título com os Crawley, foi
arranjado o casamento de conveniência da filha mais
velha, Lady Mary, com um primo.
A série começa com a notícia de que o noivo arranjado
perecera no Titanic. Logo, a propriedade, título e fortuna iriam pra outro
primo, Mathew, advogado de Manchester. Vulgar demais pros aristocráticos Robert
Crawley e família: alguém com um emprego e vindo da industrial Manchester? Mathew
e a mãe vem viver perto da propriedade e abre-se excitante painel de intrigas,
amores e costumes magistralmente enovelados no roteiro de Julian Fellowes.
Downton Abbey é TV de qualidade e multicamadas, mas nunca esquece de sua
filiação folhetinesca: a trama sempre anda, movida a surpresas e ingredientes
como gente má, falsidade, amores complicados, fofoca e algum humor.
Não acompanhamos apenas as vidas dos patrões. Mais
interessantes são o burburinho e as intrigas e esperanças entre os serventes e
sua interação com os nobres, que envolve admiração, respeito, amor, dependência
e ressentimento de classe. Há horas em que Downton Abbey funciona como versão
estendida de Vestígios do Dia (1993) e Gosrford Park (2001).
A segunda década do século passado marcou o declínio da
Inglaterra (em 1913), o PIB estadunidense já era o primeiro) e da aristocracia
rural e seus costumes, estas últimas já muito combalidas. Automóveis,
eletricidade, telefone, voto feminino, preferência pelo emprego de secretária
ao de empregada numa casa senhorial, maior equidade até mesmo num simples
concurso de rosas; o roteiro usa esses e outros elementos para marcar a mudança
e declínio de um país/modo de vida.
Os diálogos são inteligentes e carregados de certo tipo
de humor britânico, irônico. O dinheirão gasto em cada capítulo foi bem
aplicado, uma vez que a produção é impecável.
Ansio pelo fim da segunda temporada pra vê-la em sua
integralidade. Por enquanto, desfruto de entrevistas com o elenco, sátiras no
You Tube (a BBC fez uma impagável com Jennifer Saunders e Joanna Lumley,
da’lin’!), participação de páginas de aficionados no Facebook e repetida
audição da envolvente trilha sonora. Downton Abbey entrou direto pra minha
lista de programas mais amados, que sempre reverei.
Essencial pra anglófilos e apreciadores de boa contação
de (H)história.
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