quinta-feira, 24 de novembro de 2011

TELONA QUENTE 37


A Ilha de Ferro

Roberto Rillo Bíscaro

Próximo á costa iraniana, um petroleiro enferrujando serve de residência pra centenas de pessoas, algumas delas nascidas na favela flutuante. Comandando-as com mão de ferro está o Capitão Nemat, mistura de ditador populista, líder religioso, casamenteiro e negociante, que afoga/afaga jovens e crianças.
Tal é a premissa de Jazireh Ahani (2005), notável filme complexamente roteirizado e belamente dirigido por Mohammad Rasoulof e que ainda conta com suntuosa atuação de Ali Nasirian, que nunca nos deixa saber pra onde vai sua personagem, brindando-nos com momentos de repulsa e outros de alguma simpatia. Isso ajudado pelo roteiro que não julga o Capitão, mas dá os elementos pra que a platéia o faça.
A população do navio é quase indistinta, exceto por um professor impotente, que tenta ensinar uma classe superlotada com giz moldado a partir de cápsulas de fuzil. Ele tenta dizer às crianças que o navio está afundando, mas é o máximo que faz, não agindo, por exemplo, quando um adolescente rebelde é torturado por afogamento perante os olhos de toda a comunidade.
Outra figura que se destaca é o menino que nos subterrâneos do navio dilapidado salva peixinhos que entraram e não sabem sair, pra depois soltá-los no mar.
Como se vê, o navio representa um microcosmo do Irã ou de qualquer sociedade subjugada por líderes populistas. Mas também pode ser lido em escala planetária, uma vez que a corroída embarcação é permanentemente perfurada em busca de algum óleo restante e suas partes vendidas como ferro velho, numa clara alusão à deterioração do planeta por dinheiro.
O contraste entre o intestino sombrio do decrépito navio e o mar azul e céu/sol brilhante dão riqueza imagética à película, cuja fortuna é acrescida por cenas deslumbrantemente orgânicas como os meninos empurrando tonéis de óleo ao mar e jogando-se em seguida.     
Jazireh Ahani é alegórico ao mesmo tempo em que apresenta estilo semi-documental, traz uma história falsamente simples porque trabalha em múltiplas camadas e é muito bem filmado. Presta-se à discutir populismo, ecologia, educação, messianismo.
Enfim, tem que ir pra minha lista de melhores do ano, afinal, não pode faltar filme iraniano nela!   

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