domingo, 4 de dezembro de 2011

CASA DE NÃO-VIDENTE


Guardar peças de roupa em ordem alfabética de cor, abolir mesas de centro e pôr tudo no devido lugar. Esses são alguns truques dos deficientes visuais para tocar a própria casa
A professora Maria Luíza Meirelles dos Santos, de 69 anos, guarda suas meias divididas por cor, em ordem alfabética: primeiro amarela, depois azul, bege, branca e assim por diante. Não faz isso por obsessão ou capricho, mas por necessidade: nasceu enxergando mal e, por conta de dois incidentes quando tinha em torno de 14 anos, ficou completamente cega.
Ela, assim como outros cerca de 4 milhões de brasileiros que têm o mesmo problema, segundo estimativa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, adaptou-se à deficiência. Sobretudo desde que ficou viúva e passou a morar sozinha, há 9 anos, criou seu próprio jeito de morar bem. Alguns pequenos “truques” e aparelhos, o auxílio de amigos, familiares e da empregada, tudo isso ajudou. Mas o fundamental mesmo são quatro segredos que dependem só dela: tato, memória, audição e organização (muito religiosa, ela acrescentaria um quinto: fé em Deus).
Porém, o dia a dia de um morador deficiente visual não deveria depender apenas de sua capacidade de se adequar. A arquiteta Maria Elisa Ferreira Santos, coordenadora do grupo de trabalho de acessibilidade Instituto dos Arquitetos do Brasil, destaca a necessidade de alguns itens estarem previstos em lei. “Não só para quem tem deficiência agora, porque quem vai envelhecendo vai enxergando pior e perdendo mobilidade”, afirma. Ela cita os desníveis entre ambientes, comuns em alguns imóveis. “Teve época em que até em apartamentos pequenos era moda ter desnível na sala. É perigoso para quem tem deficiência visual e para cadeirantes.”

No caso de Maria Luíza, ela própria é quem decora seu apartamento em Campinas (SP). Dispõe os móveis como prefere, o que inclui abolir mesa de centro. “A mesa de centro atrapalha, tenho que ir devagarzinho para não bater a perna. Sem, fico mais livre”, resume.
Ao contrário de alguns deficientes visuais, ela gosta de usar tapetes – desde que pesados. “São um ponto de referência”, diz ela, que coloca esses acessórios na sala (para dividir ambientes), antes da entrada da cozinha e do banheiro. É um caso típico de uso do tato para ter noção espacial.
Na cozinha, as adaptações são mais específicas. Como Maria Luíza, professora especializada em dar aulas para deficientes visuais, é quem esquenta a própria comida, prefere aparelhos com seletores manuais, e não digitais. No microondas e no forno elétrico, uma pessoa que enxerga colocou marcas em relevo (no nível 5 e no nível 10), para servirem de referência. Para não encher o copo até ele transbordar, usa um dispositivo que emite um aviso sonoro quando a água está quase na borda.  Os armários são bem arrumados: a empregada é quem guarda as compras, mas sempre nos mesmos lugares.
No quarto, além da disposição especial das meias, ela separa as bijuterias em caixinhas e repartições específicas. Guarda na memória em qual espaço colocou cada adorno. As roupas ela é quem guarda no armário, e as reconhece pelo tecido e pelo modelo. Quando abre uma gaveta, fecha logo em seguida – para manter a organização e não correr o risco de topar com ela depois.
Na sala, Maria Luíza tem aparelhos adaptados – a calculadora, o celular e o computador “falam”. Nos CDs, ela escreve em braile e cola sobre a caixa, para saber qual é qual. Toma o mesmo cuidado com os remédios. “Algumas empresas põem o nome do remédio em braile, mas não a validade. Aí a empregada me diz qual é, eu escrevo e colo na embalagem”, conta.

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