Nesta semana entre o fim de um ano e começo de outro, nada melhor do que o sábio filosofar de nosso cronista José Carlos Sebe.
ENTRE O COMEÇO E O FIM... OU, a arte dos recomeços
precários.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Para
Ruthe Rocha Pombo
Lobato, nas Memórias
de Emilia, faz graciosa menção às árduas dificuldades para começar qualquer
texto, aliás, dono de magas invenções, apregoava que terminar um escrito é
muito mais fácil, pois bastaria um “finis”,
“the end” ou mesmo um prosaico ponto
final. Drummond, em um dos meus versos favoritos, Memória, enfatizava a solenidade das finalizações: as coisas findas, muito mais que lindas,
estas ficarão. Entre o começo e o fim, contudo, nada é tão simples, linear
ou objetivo. Mediando nosso início e término existenciais, resta cumprir
trajetos que, como benção ou maldição, dão sentidos à vida. Sim, no fim de
nosso tempo vivente teremos que responder se valeu ou não ter existido. O fatal
disso tudo é que, mesmo para os crentes, a eternidade dependerá das seleções
feitas em vida. Céu, inferno, purgatório, tudo estaria sujeito a uma
contabilidade bizarra, onde são arrolados acertos e erros. Filosofando, somos
sempre convidados ao livre arbítrio expresso na sequência de atitudes que
justificam o viver. O “entre” nascer e morrer se impõe como pedra no meio do caminho, evocando outra
vez Drummond. E, então, escolhas funcionam como bússolas a nos guiarem em
funduras existenciais de misteriosas decifrações.
É sob a égide das alternativas a que somos submetidos
diuturnamente que tudo se transmuda mais abstruso, como se a cada situação implicasse
dilema que por sua vez encerra espécie de pequenos ensaios da morte definitiva.
No zig-zag da existência, multiplicam-se tropeços que nos coagem encarar o
juízo moral de nossa biografia. Sim, “entre” o berço e o túmulo exercitamos as
sutilezas dos recomeços. Recomeço,
palavra danada de intrigante. E profunda. Começar de novo, repetir Sísifo com
sua pedra diariamente tombada para começar vez mais; será essa nossa sentença
fatídica? Foi pensando nisso que me permiti trocar metáforas literárias pelos
ensinamentos do trivial futebol, mas não sem requintados ares filos. O luxo do
saber imputa certo atributo às idéias e permite traduzir no jogo de bola qualidades
analíticas que conferem paralelos ontológicos. Sim, a vida pode ser equiparada
a jogo que, sempre, se inaugura e acaba, tem duração prevista, mas a cada gol permite
retomada. A bola devolvida ao meio do campo depois de falha vale como lição
para quantos, certos do início da partida e tementes do fim se investem de
novas chances. Assim temos: inícios, fins e... recomeços.
Na fatuidade dos acontecimentos está o ensejo de
entender o que diz a canção do Roberto: é
preciso saber viver. Que fique claro, porém, que nada permanece ou se
eterniza e mesmo os bons momentos, os tais acertos, precisam da dinâmica da
transformação. Tudo envelhece, ainda que a experiência possa beijar a idade
como delicadeza crescente. A vida, esse continuum,
ensina muito, sabe-se. Repito sempre que o verbo mais fundamental do dicionário
é “aceitar”. O primeiro andamento para qualquer ameaça de ruptura reside na
capacidade de acessão dos erros, nossos ou alheios. Admitindo enganos,
abrimo-nos para o filtro sagrado do acerto que invariavelmente convoca o
reinício. Isso nos eleva à categoria que poderíamos rotular “sabedoria”. Se algum
segredo comanda o bem viver é a alegria. Não tenho dúvidas: fazer tudo com
contentamento nos garante a soberania que, contudo, no ritmo dos dias, infelizmente,
também se esgota e impõem recomeços. Quando, porém conjugamos a aceitação dos
fatos com a alegria esbarramos na plenitude que, sim, anoitece, mas nos faz
amanhecer melhores. A fatalidade do efêmero, pois é convite às conversões e por
meios de erros podemos reverter derrotas que fazem sentido se com elas nos
aperfeiçoamos.
Mas,
qual o segredo dos recomeços? Em primeiro lugar o aprendizado da autocompaixão,
daquele sentimento estranho que derruba a ladainha de penalidades e agressões
imputadas a nós mesmos. Sim, é preciso debelar a negatividade das estimas
pessoais e ver que é bobagem, como disse João Gilberto, discutir por discutir, só pra ganhar a discussão. Ceder, reconhecer-se
miúdo, pode espelhar maturidade, é crescer, porém, isso apenas ocorre quando
nas relações com o mundo aprendemos a perdoar e, para que o perdão exista temos
que aceitar. Abrigar falhas pessoais ou alheias e dar a elas descontos é mais
do que ser bom. Aprendemos algo de divino quando reconhecemos o espaço da
remissão – santo Agostinho diria “estado de graça”. Pois bem, exercitando a
aceitação, estimulando a alegria e distribuindo perdões medidos vamos desaprendendo
mesquinharias e em troca ganhamos a grandeza de ser delicados e a doçura do
convívio sagaz que é manso, mas não tolo. De tudo, resta saber que inícios e
fins, felizmente abrigam aceitações, recomeços e alegria: “entre”.
Professor como o planeta precisa de Homens com tanto bom senso como você . Você tem muito a nos ensinar ...Muito obrigado pelos textos postados aqui. Feliz ano novo pra você professor .Miguel
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