Muita gente
me envia email, ao invés de deixar mensagem no blog. A participação é
lisonjeira, mas, também rolam broncas. Assim que publiquei sobre North and South, um leitor reclamou que eu só lia livros do século XIX; será que eu não podia sair dele um pouco?
Atendi ao pedido e peguei Gulliver’s Travels (1726).
Esse
arremedo de diário de viagem sempre foi
pedra em meu sapato. Quando criança,
lera os 2 primeiros livros: o da terra dos minúsculos liliputianos e o dos
gigantes. Adulto e docente, li em prestações o que faltava, mas sempre aos
tropeços: lia uma parte, passava tempo, lia outra. Partes em português da
infância, com o resto em inglês da maioridade.
Dessa vez,
resolvi ler tudo em inglês e demorei meses pra terminar uma obra que nem de
longe é grossa. Em meu favor, tenho que justificar a preparação de 2
disciplinas de conteúdo desconhecido e com muitos textos no período.
Gosto de
pensar no deslocamento do autor irlandês Jonathan Swift numa Inglaterra que
massacrava e desprezava a Irlanda. Protestante, quando a maioria de seus
patrícios era católica. Certamente, vem daí a mordacidade do satirista e a
escolha de Guliver de morar num estábulo depois de haver vivido anos numa terra
onde os cavalos dominavam uma raça de bestas, provavelmente degeneração da
espécie humana.
O sobrenome
Gulliver lembra o adjetivo “gullible” (enganável). Nesse sentido, Gulliver não
percebeu que por mais que fizesse, jamais seria aceito como um igual por aquela
raça considerada tão superior. Lembra bastante tentativas patéticas de
macaqueamento de países ricos e “avançados” por parte de povos e nações mais
pobres. Lembra muito também a figura do
turista, esse viajante do capitalismo, consumidor de lugares que não entende. Aquela
gente que admira a limpeza das calçadas europeias, apenas pra continuar
emporcalhando as daqui quando volta e chamando o europeu de “civilizado”
Nessa
leitura quarentona, divertiu-me deveras algo que sempre tinha que falar aos
alunos quando ensinava literatura. Muito jovens, a maioria vinha com aqueles
rasgos de “esse artista rompeu totalmente com as regras” e afins. Vejo isso em
alguns jornalistas que escrevem sobre cultura também... Eu sempre tinha que
conter os ânimos juvenis e dizer que não é possível romper com absolutamente
tudo, afinal, as ideias e práticas nascem num determinado lugar e tempo, aqui e
não em Marte, destarte, sempre há traços de tudo que está rolando.
Swift não
deixou de escorregar na mesma casca de banana de meus alunos queridos. Criou
uma raça de cavalos “perfeita” (a vida entre eles devia ser um porre!), livre
de todas as imperfeições humanas, mas que não hesita em agir exatamente como
nós em relação ao diferente Gullliver, banindo-o. E o bobo nem percebe. Ou talvez essa seja
a grande jogada de mestre do escritor!
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