sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

PAPIRO VIRTUAL 27

Muita gente me envia email, ao invés de deixar mensagem no blog. A participação é lisonjeira, mas, também rolam broncas. Assim que publiquei sobre North and South, um leitor reclamou que eu só lia livros do século XIX;  será que eu não podia sair dele um pouco? Atendi ao pedido e peguei Gulliver’s Travels (1726).
Esse arremedo de diário de viagem  sempre foi pedra em meu sapato.  Quando criança, lera os 2 primeiros livros: o da terra dos minúsculos liliputianos e o dos gigantes. Adulto e docente, li em prestações o que faltava, mas sempre aos tropeços: lia uma parte, passava tempo, lia outra. Partes em português da infância, com o resto em inglês da maioridade.
Dessa vez, resolvi ler tudo em inglês e demorei meses pra terminar uma obra que nem de longe é grossa. Em meu favor, tenho que justificar a preparação de 2 disciplinas de conteúdo desconhecido e com muitos textos no período.
Gosto de pensar no deslocamento do autor irlandês Jonathan Swift numa Inglaterra que massacrava e desprezava a Irlanda. Protestante, quando a maioria de seus patrícios era católica. Certamente, vem daí a mordacidade do satirista e a escolha de Guliver de morar num estábulo depois de haver vivido anos numa terra onde os cavalos dominavam uma raça de bestas, provavelmente degeneração da espécie humana.
O sobrenome Gulliver lembra o adjetivo “gullible” (enganável). Nesse sentido, Gulliver não percebeu que por mais que fizesse, jamais seria aceito como um igual por aquela raça considerada tão superior. Lembra bastante tentativas patéticas de macaqueamento de países ricos e “avançados” por parte de povos e nações mais pobres.  Lembra muito também a figura do turista, esse viajante do capitalismo, consumidor de lugares que não entende. Aquela gente que admira a limpeza das calçadas europeias, apenas pra continuar emporcalhando as daqui quando volta e chamando o europeu de “civilizado”
Nessa leitura quarentona, divertiu-me deveras algo que sempre tinha que falar aos alunos quando ensinava literatura. Muito jovens, a maioria vinha com aqueles rasgos de “esse artista rompeu totalmente com as regras” e afins. Vejo isso em alguns jornalistas que escrevem sobre cultura também... Eu sempre tinha que conter os ânimos juvenis e dizer que não é possível romper com absolutamente tudo, afinal, as ideias e práticas nascem num determinado lugar e tempo, aqui e não em Marte, destarte, sempre há traços de tudo que está rolando.
Swift não deixou de escorregar na mesma casca de banana de meus alunos queridos. Criou uma raça de cavalos “perfeita” (a vida entre eles devia ser um porre!), livre de todas as imperfeições humanas, mas que não hesita em agir exatamente como nós em relação ao diferente Gullliver, banindo-o. E o bobo nem percebe. Ou talvez essa seja a grande jogada de mestre do escritor!

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