segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CAIXA DE MÚSICA 56


O Livro do Genesis – Capítulo VI

Roberto Rillo Bíscaro

Seis meses depois da última postagem a respeito, encontrei tempo pra continuar a trajetória de minha banda favorita, o Genesis.
Novamente trancados em casas de campo, os meninos terminaram o sucessor de Foxtrot. Selling England By The Pound foi lançado em outubro de 1973 e ganhou críticas positivas de meio mundo, inclusive de John Lennon. Chegou ao terceiro lugar da parada inglesa, maior sucesso do grupo até então.
O título alude à transformação econômico-social e o declínio da Inglaterra, engolfada em consumismo, ao mesmo tempo em que enxuta de grana. Em meio ás intrincadas alusões das letras – que vão de Tolkien, Shakespeare e Elliot a uma brincadeira com os nomes das principais redes de supermercados britânicos da época – encontra-se o álbum mais político do Genesis e um dos pináculos do rock progressivo sinfônico. Gabriel, Hackett, Collins, Rutherford e Banks combinaram energia e lirismo em uma obra quase prima, não fosse por um passo maior do que as pernas em Battle of Epping Forest.    
Dancing with the Moonlit Knight sintetiza Selling England by the Pound, até porque o título do álbum foi tirado da faixa de abertura, uma espécie de “ame ou odeie” já no início, solenemente cantado à capela por Peter:

"Can you tell me where my country lies?"
Said the Unifaun to his true love's eyes
"It lies with me!" cried the Queen Of Maybe
for her merchandise, he traded in his prize
 
Tem início um questionamento a respeito dos meios de sustentação do ex-Império Britânico com uma letra recheada de referências a cadeias inglesas de fast food (Wimpy), pronunciamentos de primeiros-ministros e senhoras em portas de saloons com a arma do western moderno: o cartão de crédito. A neo-medievalidade da melodia ganha peso pra voltar ao clima pastoral. Pra fãs genesianos sedentos por curiosidades: o verso "Paper late!" cried a voice in the crowd” seria retomado quase 10 anos depois pra batizar a canção Paperlate, na fase Collins da banda. 
 
I Know What I Like (In Your Wardrobe) é caso raro no mundo prog, que tendia a evitar singles, afinal, a maioria das canções do gênero eram muito longas e complexas. Meio psicodélica, meio glam rock, seus 4 minutos tornaram-se o primeiro single de sucesso do Genesis, alcançando o posto 21 (pruma banda de rock progressivo tava bom demais!). A letra apresenta os característicos pontos de vista múltiplos da fase Gabriel e é sobre um rapaz aconselhado por diversas pessoas a seguir diferentes carreiras pra ser bem sucedido. Ele desdenha os projetos de vida desenhados por outros e afirma ser feliz sendo um aparador de grama. Beirando o pop, a melodia traz cítaras, o teclado de Tony Banks reproduzindo um cortador de grama e refrão grudento, um tanto nonsense. Dizem que foi Peter o descobridor do tom que imitava o cortador de grama no teclado Mellotron, enquanto brincava com o instrumento durante uma ida de Tony ao banheiro.
 
Os nove minutos e meio de Firth of Fifth estão dentre o que de melhor o Genesis compôs. A abertura em piano clássico é seguida por seções de flauta, teclado e um dos solos de guitarra mais lindos de Steve Hackett. O guitarrista tratou o som do instrumento a fim de aproximá-lo do violino e fazer justiça à formação de música clássica de Tony Banks, principal autor da canção. Apenas quem não conhece rock ainda associa o termo a barulho. Ao vivo, a introdução pianística foi abolida ainda em 73, pois Banks sentiu que não podia fazer justiça à sonoridade do grão piano no palco. Também deve ter pesado o fato de ele ter errado a complexa melodia numa apresentação...
 
More Fool Me é uma balada dor-de-cotovelo acústica que traz vocal fininho de Phil. Simples, despojada e popinha, a canção serviu – anos depois - aos muitos detratores do baterista pra detectar um suposto início pro “declínio” do Genesis, sempre atribuído à tomada das rédeas por Collins e sua faina pop. Claramente, um filler, os acusadores parecem esquecer que Mike Rutherford é co-autor. É certo que já havia tensão na banda, mas não foi More Fool me o “começo do fim”.
 
Pra mim, o calcanhar de Aquiles de Selling England é a ambiciosa The Battle of Epping Forest, muita idéia pra pouca realização. A letra quilométrica e trocadílica é sobre uma batalha entre gangues na parte pobre de Londres, com Gabriel mudando de voz pra cada personagem e usando uma espécie de proto-rap em algumas seções, o que leva alguns fãs mais delirantes a dizerem que o Genesis foi precursor do rap (absurdo!). O que acontece é que a letra não se encaixa na melodia por ser verborrágica em excesso. Às vezes Gabriel fala, ás vezes tem que acelerar os vocais pra alcançar a melodia. As inúmeras mudanças de tempo, ritmo e compasso tornam Battle meio com aspecto de colcha de retalhos, onde apenas alguns trechos funcionam bem. Não é uma canção pra se ouvir sempre e foi tirada dos shows da banda assim que a turnê de Selling England terminou.
 
Depois do filler instrumental After the Ordeal – que nada acrescenta ao cânone genesiano e encontrou resistência de Pete e Tony pra ser incluída no álbum – vem outra obra-prima: The Cinema Show. A letra sexualiza a história de Romeu e Julieta, com influência de T. S. Eliot e mitologia grega. Na verdade, parece 2 canções numa só, uma vez que o primeira segmento mais acústico com violão de 12 cordas dedilhado, flauta, fagote e lindas harmonizações vocais entre Gabriel e Collins emenda-se a uma longa seção onde Banks cria uma correnteza de Mellotron, rápida, mas delicada. 11 minutos de êxtase. 
 
A excelência de Selling England by the Pound provou a maturidade do Genesis, sedimentou sua reputação entre as bandas de prog sinfônico e indicou que uma obra-prima irretocável podia sair a qualquer momento. Saiu no ano seguinte, mas as tensões cresciam à galope, devido ao excesso de atenção dado a Gabriel e suas fantasias no palco. O aspecto colaboracionista dos integrantes era desprezado em favor de se atribuir toda a exuberância e qualidade do trabalho ao vocalista. Não que Gabriel o fizesse, mas a mídia em geral fazia vista grossa aos demais membros, holofotando Peter. Conta-se que no processo de composição de Selling England, muitas vezes o cantor e os demais membros trabalharam em locais separados. Todos pressentiam que algo aconteceria.
 
As faixas de Selling England by the Pound, incluindo o lado B do single I Know What I Like.
 

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