segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CAIXA DE MÚSICA 57

O Livro do Genesis – Capítulo VII

Roberto Rillo Bíscaro

A promessa de obra-prima cumpriu-se em 1974, com o lançamento do álbum duplo The Lamb Lies Down on Broadway, que alcançou o décimo lugar nas paradas inglesas.
A banda resolvera trabalhar num álbum conceitual, formato quase obrigatório entre bandas de rock progressivo, que geralmente escolhiam temas míticos, de ficção científica ou de velhos, exóticos e/ou obscuros registros históricos pra comporem obras grandiloqüentes e - frequentemente - autoindulgentes.
Mike Rutherford planejara uma ópera-rock baseada no Pequeno Príncipe, mas foi antagonizado por Peter Gabriel, que tencionava seguir rumo diametralmente distinto: a história de Rael – pseudo-anagrama de seu sobrenome – um porto-riquenho vivendo em Nova York e que desce aos subterrâneos da metrópole em busca de seu irmão John (ou seria à procura de outra parte de sua própria personalidade?). Uma história com protagonista terceiro-mundista no rarefeito mundo do prog rock parece revolucionário à princípio e até é um pouco. Mas, a morenice e punkice da personagem logo dão lugar a um emaranhado de referências gregas, freudianas e de cultura de massa, quando o jovem se depara com as temíveis aventuras no subsolo da Grande Maçã.
Gabriel escreveu todas as letras, isolado dos demais membros. A tensão na banda galgava topos. Decorrentes de sessões de análise, sonhos, experiências mediúnicas, um vasto cabedal de informações jornalísticas e literárias e o que mais Gabriel estivesse tomando na época, as letras têm mantido fãs ocupados há quase 40 anos, tentando decifrar cada referência usada pelo letrista. Há muita coisa escrita sobre cada canção de The Lamb Lies Down on Broadway, tipo de álbum que divide fãs e deixa alguns obcecados.
Freud, Marshall McLuhan, Keats, trocadilhos (inúmeros) e até Burt Bacharach são a ponta dum iceberg quilométrico de alusões, duplos sentidos e obscuridades nos textos gabriélicos.
O show de divulgação de The Lamb foi uma extravaganza com slides, explosões, luz estroboscópica e muitas trocas de roupas do vocalista pra encarnar as distintas personagens. As vinhetas e faixas instrumentais do álbum foram pensadas como intervalos pras tais trocas. Rock no hemisfério norte sempre foi negócio levado á sério e muito profissional. Com toda essa parafernália, a atenção destinava-se cada vez mais á figura do cantor – visto como “líder” do Genesis – desgastando ainda mais o relacionamento entre os músicos.
Todo mundo está no topo da forma. Peter canta como nunca em tantas vozes tão diferentes! O cara vai do doce ao gutural, do grave ao agudo, da voz “natural” aos vocais tratados tecnologicamente. Ajuda muito que o timbre de Phil Collins seja bastante similar, pois as harmonias e vocalizações atingem momentos sublimes, basta conferir Count Out Time, de matriz beatlemaníaca.
A guitarra de Steve Hackett vai dos tons orientalizados da rastejante Fly On a Windshield ao solo derrete-coração e arrepia-pelo de Silent Sorrow in Empty Boats.
Tony Banks deixa o Mellotron de lado e toca bastante piano, mas a enxurrada caudalosa de teclados que faz a alegria de certos fãs de prog – eu incluso – corre solta nos solos de Riding the Scree e In The Cage (com sua citação discreta a Burt Bacharach).
Phil Collins certamente deu um bom passo pra detonar seus pulsos tocando os achados percussivos, que ora pulsam com energia detonante, ora têm tom discreto, mas, junto com o baixo de Mike Rutherford compõem uma cozinha rítmica que poucas bandas tiveram com tal qualidade e criatividade. Basta ouvir Collins em The Grand Parade of Lifeless Packaging. E depois banda brasuca de filhinho de mamãe e papai vem me criticar o baterista, mas leva álbum do Genesis (A Trick of the Tail) pra produtor norte-americano explicar como Collins conseguira tal efeito na batera?
O som pastoral dos álbuns anteriores, de modo geral, cede lugar a uma sonoridade mais rock. Em The Waiting Room, a banda ensaia até uma sonoridade meio space, meio ambient, meio psicodélica, graças à ajuda de Brian Eno. Nada que o Nektar não tivesse feito. Meus 3 minutos desfavoritos entre quase 95 minutos de música intensa, que ouço há 25 anos e ainda me surpreende.
Em retrospecto, aquela formação do Genesis parece que atingira o auge de sua criatividade em The Lamb Lies Down on Broadway. Onde ir depois da obra-prima sempre presente nas listas de melhores álbuns conceituais de todos os tempos?  
Tensões, problemas pessoais e a vontade de seguir caminhos diferentes afastavam Gabriel cada vez mais dos demais membros. Por um par de semanas, durante a pré-produção de The Lamb, o vocalista-letrista ensaiou uma saída do grupo e foi aos EUA trabalhar na trilha-sonora do que seria um filme de William Friedkin, então todo-poderoso devido ao megassucesso O Exorcista. Depois de dar com os burros n’água, voltou com o rabinho entre as pernas pra Inglaterra.
Mas, o vaso já estava trincado demais e depois do último show da turnê de The Lamb Lies Down on Broadway, na cidade francesa de Besançon, Peter Gabriel tornou público o seu desligamento do Genesis.
Era o fim duma era pra banda e período de incerteza. Embora todos fossem excelentes músicos, os holofotes estavam sobre Gabriel e  pra muitos Collins, Banks, Rutherford e Hackett não passavam de músicos de apoio.
Mister achar novo vocalista, mas quem poderia substituir o carisma de Peter Gabriel? Quase todo mundo apostava no apocalipse do Genesis.

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