Depois da temporada norte-americana nada melhor que retomar as crônicas de nosso Professor Sebe falando sobre capoeira. Você sabia que uma modalidade da manifestação foi reprimida na Era Vargas? Aprneda qual e porquê.
Capoeira na Roda do Mundo...
José Carlos Sebe Bom Meihy
para Gabriel, meu neto, capoeirista.
É surpreendente, mundo afora, a aceitação da
capoeira como ícone do Brasil. Até pouco tempo, o futebol e o samba eram marcas
representativas do imaginário nacional projetado alhures. Uma volta pelos
cantos do planeta, contudo, mostra a capoeira como alternativa nova capaz de
chamar a atenção de quantos a vêem como esporte, marcha, luta ou jogo. Por
certo não faltam os que a consideram como forma terapêutica, artística,
ginástica ou recurso pedagógico, sempre ligado ao Brasil. Sobretudo, clama
atenção o desconhecimento da trajetória histórica dessa manifestação que na
paralela da conquista de espaços no exterior exige explicações que dêem conta
do sucesso atual. Sim, é sutil o florescimento da capoeira que, afinal, não
goza do aparato institucional de porte comparável ao futebol ou às
manifestações corriqueiras que servem de indicações culturais do nosso país.
Por sua estrutura espontânea, menos comercial, móvel e intimista, os grupos de
capoeiristas fazem um trabalho mais solitário, mas não menos eficiente, sem
precisar de estádios ou áreas de concentração de multidões. De regra, muitos
rituais capoeiristas se exibem em pequenos salões ou em praças públicas, para
uma audiência gratuita e ocasional.
Preocupados com o percurso da capoeira, alguns
autores – nacionais ou não – se embrenham no emaranhado documental capaz de
justificar diferenças entre modalidades da capoeira. Sim, não há apenas uma
manifestação capoeirista, mas duas. A “regional”, consagrada, conhecida por
lances acrobáticos e sensacionais, é a expressão mais comum. A “angola”,
devotada às raízes e de vieses vinculados à imitação dos animais, remete à
natureza e aos valores ancestrais e assim evoca origens remotas, africanas,
negras.
Em particular, Getúlio Vargas se esmerou em
europeizar nossas manifestações submetidas a uma padronização moderna e
internacionalista. A ânsia “civilizatória” permeou seus dois governos (1930-45
e 1951- 54) se caracterizando pelo esforço elitista, eugênico, de
“embranquecimento da raça”. Com o estabelecimento do Estado Novo em 1937, tudo
ficou mais claro e ideologicamente explicitado: o Brasil pobre, negro,
indígena, “primitivo” deveria ser apagado. Nesse afã, aspectos que remetiam às
raízes africanas tenderiam padecer de crivo e uma das estratégias seria o
abandono de referências ou o “esquecimento” provocado. Vigorava então o ideal
modelar “puro”, segundo cartilhas sombreadas pelos ensinamentos nazistas e
fascistas. E Vargas foi seguidor sutil dessas linhas. Entre os “males” a serem
evitados, a “capoeira angola” figurava e estrategicamente foi desvalorizada
frente à “regional”. Como prática a ser preterida, os “angoleiros” viram-se
contrastados com os “rivais” que, afinal, pela valorização do corpo e difusão
da ginástica estavam mais próximos dos padrões desejados de saúde e ostentação
física.
Segundo Castro, a história do Mestre João Grande
se confunde com a trajetória da “capoeira angola”. Nascido na Bahia, em Itagi,
no ano de 1933, mudou-se para Salvador onde foi aluno do pioneiro Mestre
Pastinha que, em 1941, fundou o primeiro espaço oficial para capoeiristas, o
“Centro Esportivo Capoeira Angola”. Desde 1928, as manifestações capoeiristas
estavam dissociadas graças à ação de outro Mestre, Bimba, que ocultara a
palavra “angola” a fim de evitar problemas de perseguição policial. A “luta
regional baiana”, como ficou conhecida, contudo, manteve o berimbau, o canto e
os pandeiros e, em 1937, institucionalizou-se como prática no “Centro de
Cultura Física e Capoeira Regional” em Salvador. Na medida em que as
manifestações dos “angoleiros” se retraíam do público, porque proibidas,
mantinham traços da ancestralidade e isso ajudou a preservar valores
tradicionais como a religião de laivos afro, transplantada. Isso, aliás,
articula o sentido da “roda menor”, universo metafórico criado pelos
“angoleiros” para representar a “roda maior”, ou seja, o giro do mundo. Tudo
com intenção evocativa de entidades divinas que fazem com que a ladainha
cantada no início da roda seja associada a preces ou louvações.
O livro de Castro progride numa trajetória
narrativa inversa. Ao partir do imediato – da presença de Mestre João Grande
“na capital do mundo” e de sua consagração como doutor honoris causa
pelo Upasala College de New Jersey – vai retomando o pretérito de maneira a
desvelar, pela narrativa do Mestre costurada às suas conclusões fundadas, os
segredos do dilema da “capoeira angola” remoçada recentemente. O livro “Mestre
João Grande na roda do mundo” foi publicado pela Fundação Biblioteca
Nacional em 2010, constando de duas partes, divididas em pequenos capítulos.
Pensando em meu neto capoeirista, imagino o significado desse tipo de livro na
consciência futura de quantos assumem a capoeira como fenômeno histórico.
Sempre fomos governados pela Utopia pela quimera.Por isso estamos vivendo uma crise cultural sem precedentes.
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