Estudioso e apreciador da obra da escritora
negra Carolina Maria de Jesus – autora do um dia famoso Quarto de Despejo -,
nosso cronista-literato publica e comenta um de seus contos, desprezados por
editoras e críticos literários.
A FATALIDADE DA POBREZA
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Depois que escrevi sobre Carolina Maria de Jesus,
alguns companheiros saudaram a lembrança daquela intrigante figura, hoje quase
esquecida. Pensando na fluidez do tempo e na fragilidade da memória cultural a
respeito dos pobres, resolvi recuperar algumas outras passagens da escritora
negra que é – pasmem – entre nossos escritores, a pessoa mais lida, divulgada e
estudada fora do Brasil. Atualmente,
apenas Paulo Coelho se equipara a ela.
Carolina, como se sabe (ou deveria se saber)
foi lançada nos anos dourados pelo jornalista Audálio Dantas. Ele então jovem
repórter era uma espécie de Nelson Rodrigues da crônica paulistana. Tendo
visitado a Favela do Canindé em 1958, descobriu essa mulher que se propunha a
denunciar abusos que alguns adultos faziam em locais públicos. Interessado, foi
até o barraco da valente mulher e teve contato com seus cadernos. Um verdadeiro
tesouro para o entendimento da genuína cultura popular lhe fora apresentado.
Paradoxalmente, o sucesso dos diários apagou a possibilidade de outros
escritos. Carolina deixou mais de cinco mil páginas escritas e entre tantas, alguns
contos como o que publico abaixo.
PORQUE DEUS NAO AJUDA OS POBRES.
Coronel Totonho era um homem mau. Timoteo seu capanguinha era um bom
pretinho. Uma noite o Coronel sonhou que havia morrido e que as formigas
estavam estracalhando sua boca, devorando sua lingua, seus olhos. Acordou
nervoso, mas arrependido do todas as safadezas que fazia com os coitados dos
colonos da Fazenda Santa Felicidade. Pois bem, arrependido de todos os pecados,
o terrivel coronel resolveu recompesar o castigado capanguinha. Foi ate sua
casa, mandou-o colocar a melhor roupa e levou o coitadinho ate o armazém do
turco Farid, no alto do morro do Breu. Chegando lá, o coronel disse para
Timoteo que ele poderia escolher o que quisesse e que poderia levar para sua
casa tudo, tudo, tudo o que pudesse carregar.
Espantado, Timoteo logo foi pegando sacos de rapadura, açúcar, café, marmelada
cascão, uma cachacinha, cobertor, panelas novas e até um sapato para sua
Zulmira. Como o coronel disse que ele poderia pegar tudo que pudesse carregar,
não teve dúvida de escolher mais coisas: um machado, um facão novo, uma enxada,
um biotônico Fontoura, um fardão e um vestido para a sua patroa. Já era um montão
de coisa, mas achou que poderia também pegar uma botina nova para si, uns
brinquedos para os dez filhos. O montão ia crescendo, mas ele ainda queria
mais: um radinho de pilha, o retrato de Santo Antônio, um ramo de flor de matéria
plástica. Tentou agarrar tudo e viu que ainda poderia juntar um pouco de
tabaco, carne seca e umas cocadas. Era demais, mas quem sabe quando o coronel
daria mais uma oportundidade daquelas?
Depois que viu tudo junto, nem pensou em desanimar. Deu jeito, amarrou tudo
com uma corda, e prendeu na cintura. Andou uns dez metros e sentiu-se cansado:
- Ai meu Deus do ceu, me ajuda, ajuda.
Mas, não desistiu e resolveu
carregar de frente, abraçando tudo, com a corda amarrada na cintura. Andou mais uns
cinco metros e se cansou; pensou então em puxar o material, caminhou mais uns
metros e viu que não aguentava, mas não queria desistir e não desistiu.
-Ai meu Deus do ceu, me ajuda. Resolveu empurrar. Conseguiu pouco.
Começou entao a jogar fora a própria roupa. Primeiro o chapéu, depois a farda
nova, tirou a botina mas não desistiu de levar tudo. Pouco adiantou. Não
coseguiu nada.
Atento, o coronel olhava e dizia: vai Timoteo, vai que voce consegue.
Por fim, o coitado do capanguinha desacorssoado, já sem camisa, sem botina,
e com a mercadoria toda enrolada na corda presa à cintura, pensou que poderia
tentar uma última coisa: jogar tudo morro a baixo e pegar no pé da serra. Fez.
Fez e morreu porque esqueceu-se que tudo estava amarrado na mesma corda presa
em sua cintura.
O
reconhecimento da família Jesus pelo trabalho que meu companheiro Robert M.
Levine e eu fizemos favoreceu a confiança de seus parentes, que nos legaram
cuidar daqueles cadernos que hoje estão colocados ao público na Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro.
Deve-se considerar nessa história a
fatalidade da pobreza. O que se tem é uma possibilidade de mudança social delegada
por um acaso – o sonho – mas a melhoria de vida, mesmo assim, não se realizou.
Essa narrativa mostra a tirania dos poderosos e a incapacidade de mudança dos
pobres oprimidos pela carência e vontade de ter bens materiais imediatos. A
morte se apresenta como resposta à alternativa inevitável frente a ganância.
Enfim, a riqueza pela riqueza não fazia sentido a Carolina.
ta ai uma prova da justiça Divina ..Muitas veses não só é preciso ganhar . como tambem é preciso saber preservar ... vemos muitas veses grandes fortunas adquiridas com grandes habilidade . mas perdidas com a mesma abilidade ..
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