Uma das
pessoas albinas mais dinâmicas do país, Andreza Cavalli resolveu compartilhar
um pouco de suas experiências, uma história de superação, reconstruções identitárias
e de carreira e muito empenho em ajudar a causa albina.
Espero
que a disposição da albina mais famosa do Brasil motive outros a usarem este
espaço para contarem suas experiências. É uma importante forma de difundir
informação e diminuir preconceitos.
Depois de
tanto tempo, resolvi escrever minha história ou, boa parte dela... deu um
trabalhão, mas acredito que falei de tudo, quase... hehehe!
Bem... me
chamo Andreza e venho de uma família de cinco irmãos, onde apenas eu e meus
dois irmãos somos albinos. Perdemos minha primeira irmã ainda bebê e minha irmã
mais nova é viva e é morena. Nós não conhecemos outros albinos em nossa
família.
Meus pais
cuidaram muito bem de nós, mas na infância tivemos algumas queimaduras de
sol... meus pais não conheciam muito, foram conhecendo com o tempo... De nossos
olhos cuidamos desde crianças. Indicaram um bom oftalmologista aos meus pais,
mas hoje sei que ele não era especialista em visão subnormal.
Quando
criança, as pessoas que mais faziam piadas conosco eram as pessoas
afro-descendentes. Minha mãe sempre ficava aborrecida. Quando cresci mais,
fiquei briguenta. Se falassem mal de nós, eu saia batendo e xingando também.
Não me importava quando falavam de mim, mas quando falavam de meus irmãos eu
ficava bem brava e brigava mesmo. Hoje estou bem mais tranquila.
Estudávamos
em escola pública e, devido a tantas piadas das crianças, meus pais resolveram
nos colocar em outra escola, dessa vez particular.
Nunca
gostei de ir ao oftalmologista, era frustrante pois não havia avanços. Nunca
entendia porque fazer aquele teste de visão onde não enxergávamos da segunda
fileira para baixo. Nós passávamos o dia inteiro no consultório, esperando para
ser atendidos pelo médico. Era sempre desgastante para todos, além de serem
consultas caras.
Na escola,
sempre fui muito tímida, me sentia muito diferente dos demais. Na infância, a
professora me colocava sobre o tablado para ver melhor a lousa, mas isso me
constrangia, pois eu me sentia ainda mais diferente, mas eu tinha vergonha até
de pedir o caderno emprestado. Isso mudou quando resolvi dizer que aquilo não
adiantava e que não queria mais assim, mas era tímida para me manifestar
naquela época. Nos esportes, sempre fui mal, não gostava da educação física,
pois era sempre a última a ser escolhida nos times e não jogava bem.
Isso foi
melhorando com o passar dos anos e melhorou na adolescência, quando resolvi me
expressar, colocar minhas opiniões e críticas, comecei a ter voz ativa. Tenho
muitos amigos hoje, mas nunca tive sorte no amor, fui de poucos
relacionamentos... nunca namorei sério... O albinismo também era um dos
motivos, pois passei por diversas situações onde fui discriminada e ainda
passo. Eu sempre pensava que alguém só se aproximava porque tinha curiosidade e
isso não era motivo para eu dar confiança. Era como eu pensava.
Hoje,
ainda sinto que não temos o estereótipo que favoreça nossas relações, mas sinto
que isso também está mudando com os anos. Percebia que meus irmãos albinos se
apoiavam um ao outro. Percebia que as mulheres se encantavam mais com homens
albinos do que o contrário. Eu era a única mulher e para mim, ninguém entendia
o que eu realmente passava. Mas, meu modo de ver as coisas mudou bastante
com o passar dos anos. Percebi também que o preconceito muitas vezes vinha de
mim mesmo. Precisava mudar minha atitude e meu modo de ver as situações.
Entrei na
faculdade de engenharia elétrica com 18 anos. Com 19, já trabalhava na área.
Nunca tive problemas por causa do albinismo e da visão subnormal para arrumar
trabalho. Eu não sabia que tinha deficiência visual. Eu tinha mais dificuldades
por ser mulher, tive dificuldades de ter meu trabalho reconhecido. Na faculdade,
fui alvo de algumas piadas, não sei se elas surgiram por conta do meu modo de
vestir, ou se pelo meu jeito de ser, enfim... nunca soube o porquê... mas, as
mesmas perderam a força pois eu as ignorava.
Com 20
anos, queria tirar a carta de motorista, fui até a autoescola e disse que
tentaria fazer o exame médico, mas poderia ser que não passasse, então queria
garantir o dinheiro de volta. De fato, não consegui passar, isso me frustrou
bastante até certo tempo.
Queria
aprender a dirigir, simplesmente por aprender, para numa emergência poder
guiar, se assim for preciso. Meu pai nunca quis ensinar e isso me desapontou
por certo tempo também, anos, enfim...
Queria
poder guiar bicicleta com liberdade pela cidade, mas meus pais, apavorados, não
aprovam a idéia. Resolvi poupar a saúde deles e não insistir. Mesmo assim,
percebi, através de um amigo, que guiar acompanhada de alguém, transfere a
responsabilidade para o outro. Resolvi então que também não quero colocar esse
peso sobre ninguém. Por fim, quando tenho a oportunidade de pedalar, prefiro
fazer sozinha.
Trabalhei
por dois anos em comunidades carentes, com crianças, onde fazíamos um trabalho
de conscientização quanto ao uso racional da energia elétrica. Meu maior receio
era de como seria recebida pelas crianças, se eu seria alvo de piadas, mas foi
bem diferente disso. Elas ficavam encantadas com a cor de meu cabelo e me
defendiam quando alguém se atrevia a fazer alguma piada sem graça.
Quando me
formei, em 2002, tinha mais dinheiro e resolvi praticar ginástica, então
comecei a frequentar academia, participei de corridas, nadava... meu interesse
para essa área da educação física começou a crescer. Percebia que o
profissional dessa área tinha seu trabalho reconhecido. Eu ganhava razoável
para minha área, mas trabalhava muito e não tinha o trabalho reconhecido.
Depois comecei a cantar e me afastei da academia.
Pensava
que no coro teria que enfrentar desafios como ler partituras, mas desenvolvi
grande facilidade para aprender as canções, me livrando rapidamente da
partitura. Hoje, tenho uma memória bem treinada assim como o ouvido.
Em 2003,
fui encontrada em um shopping por uma estudante de moda, que me convidou para
ajudá-la com um trabalho da faculdade. Depois desse trabalho, apresentei a ela
meus irmãos, que também a ajudaram em outros trabalhos. Depois disso, eu e meu
irmão fizemos um ensaio fotográfico para uma revista de moda, onde o
professor dessa menina era produtor acho... a revista se chamava SIMPLES. Foram
boas fotos e eu nem estava tão em forma para vestir manequins 38, mas até para
isso deram um jeito. Foi uma experiência bacana. A partir daí, começaram a
surgir outras propostas para nós, na área de moda. Mas tudo isso eram trabalhos
eventuais.
Mais de
um estudante de moda me encontrou na rua, orkut, ônibus... pedindo ajuda para
trabalhos de conclusão do curso de moda e desfiles de noiva. Fiz trabalho para
uma estilista também, que me encontrou em um ônibus.
Em 2003,
eu e meu irmão participamos como figurantes em um longa metragem,
"Nina", onde fomos os "irmãos albinos", participando do
pesadelo do personagem. Na época, pensamos que era uma oportunidade legal, mas
hoje, nunca que eu aceitaria essa proposta. Analisando bem, estávamos lá como
criaturas que assustavam o personagem. Isso realmente não soa agradável. Que
imagem estamos passando dos albinos! Isso foi naquela época, hoje já pensamos
diferente e nunca mais passarei por isso.
No mesmo
ano, eu e meu irmão mais novo também participamos de um trabalho chamado
"projeto 48", transmitido pelo canal TNT, onde os produtores tinham
48 horas para preparar um curta-metragem. Não éramos personagens estranhos, mas
diferentes, estávamos em uma festa e nela havia gente de todo tipo: anões,
dançarinas do ventre, mascarados... foi uma experiência um tanto engraçada e
diferente. Também tive que usar um salto 15, meu mega desafio!!
Meu
primeiro desfile - não me recordo o ano - foi com um vestido de noiva feito de
radiografias de dente. Desfilei para a prima de minha prima. Foi uma
experiência interessante, apesar de ter passado bastante frio! Um ano depois,
desfilei de noiva oriental.
Em 2007,
desfilei com uma roupa chamada pelo aluno de "roupa albina".
Esse
último foi para trabalho de conclusão de curso. Outro para esse fim, foi
de "divas do cinema" onde fui a Rita Hayworth, com um
vestido feito com ziper, vários em paralelo. Foi difícil desfilar com um salto
15!! Realmente tive dificuldades em ficar de pé!
Meu irmão
participou de um comercial que fala das diferenças.
Eu também fiz teste na época mas não passei:
Em 2004,
eu e meus irmãos participamos de um encarte para a revista Veja São Paulo, em
comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo. Foram fotos espetaculares e
foram parar em outdoors pela cidade. Gostei muito dessa experiência. Foi
difícil manter os olhos abertos para um canhão com 20 lâmpadas apontando para
você! Mas não foi difícil fazer a foto nua, só a parte de cima, com meu irmão. Ver
a foto no outdoor, porém, era um tanto "diferente". Fui fotografar
junto a foto, que estava numa avenida movimentada do Morumbi, a Roque Petroni,
mas ficar ao lado e ver aquele movimento de carros por lá, nada fácil hehehe! O
trabalho era: 450 Anos São Paulo - Edição Comemorativa Morumbi - quem
assinava a revista Veja pode conferir! Vou ficar devendo uma fotografia. Quem
tirou as fotos foi Luiz Gaudino.
Descobri
que era uma pessoa com deficiência visual aos 25 anos. Até então, pensava que
só eram considerados assim os totalmente cegos. Sabia que tinha problemas de
visão, mas não pensava que era deficiência.
Uma
médica oftalmologista que cantava no coro comigo, trabalhava com visão
subnormal, foi perguntar se eu conhecia o que eu tinha nos olhos e me explicou
que, com isso, eu poderia conseguir benefícios, como o transporte público de
graça. Foi então que comecei a ir atrás de informações.
Eu
trabalhava como projetista eletricista, mas era muito trabalho e nada evoluía.
Resolvi mudar e queria ir para a área de eficiência energética, que envolve
economia de energia. Entrei numa consultoria em 2005 e fiquei por dois anos,
mas o fato de não ter carteira de motorista me levou a ser demitida em 2007.
Meu chefe alegou não ter onde me colocar para trabalhar, pois viajávamos muito
para outros estados e eu sempre dependeria de alguém para guiar o carro. Isso
me deixou bastante arrasada, foi a primeira vez que a deficiência visual me
prejudicou na profissão.
Fiquei
três meses desempregada e isso me levou a pensar em mudar de carreira. Me
lembrei do que pensava a respeito da educação física, mas comecei a procurar
emprego, pois ajudava no sustento da casa e começamos a entrar em dificuldades
quando fiquei desempregada. Voltei a trabalhar como projetista. Foi meu último
emprego em engenharia.
Foi o
melhor, no sentido de que foi onde meu trabalho foi valorizado, existia uma
relação de confiança. Mas havia muito trabalho, tinha dias que eu trabalhava
até meia-noite, trabalhava alguns fins de semana. Não conseguia frequentar os
ensaios do coro... Meus colegas viviam reclamando, mas diziam não abandonar,
pois se ganhava bem. Olhei tudo ao meu redor e resolvi que não queria
envelhecer daquele modo, aquilo não era felicidade para mim, havia algo
errado... estava resolvida a prestar o vestibular novamente.
Prestei
vestibular numa faculdade pública e resolvi que mudaria de rumo se passasse.
Acabei sendo aprovada, em quase último lugar, na primeira lista. O desafio
agora era contar para a minha chefe. Era difícil dizer a um engenheiro que iria
para a área de educação física... Quando contei, ela ficou super feliz, para
minha surpresa, pois ela também era formada em educação física,
trabalhava com judô. Ela me incentivou a ir em frente com meu sonho de mudança.
Dizia que a pior coisa na vida era carregar o sentimento de "não
tentar".
Então,
resolvi deixar tudo, começar do zero novamente. Meus pais me apoiaram, pois
queriam me ver feliz, mesmo nós com poucas condições financeiras... Meu pai
sempre dizia que "daríamos um jeito". Então, comecei de novo;
hoje estudo educação física. Ganho pouco e temos dívidas, mas sobrevivemos com
saúde. Sinto que meu trabalho é reconhecido, tenho o respeito dos colegas,
professores e alunos, assim como dos amigos. A visão sempre me desafiou, pois
essa carreira precisa - e muito - dos olhos, mas sempre encarei bem os desafios
e tive o apoio necessário no meio do caminho. Me formo no fim deste ano.
Voltando
a falar do albinismo, eu e meus irmãos queríamos conhecer outros albinos.
Quando procurei na internet uma comunidade no Orkut, encontrei: "Eu tenho
medo e nojo de albinos". Isso desapontou meu irmão mais velho e aumentou
ainda mais minha vontade de criar uma comunidade. No final de 2004, criei uma
comunidade chamada "Albinos do meu Brasil", pois o Orkut era muito
forte aqui, naquela época. Começamos a discutir dúvidas e experiências de vida
através dos fóruns. Conhecemos os primeiros albinos pessoalmente em 2005, em
fevereiro, a Priscila Merlin e a Luciana Gonçalez. Foi uma festa na pizzaria,
porque os garçons nunca tinham visto tantos branquinhos reunidos!
Outros
albinos e pais de albinos foram aparecendo na comunidade, e com o surgimento do
filme "O Código Da Vinci", comecei a ser chamada para
entrevistas em canais de TV e revistas, assim como também fizemos trabalhos na
área de moda e fotografia.
Em 2006,
começou com a revista Veja:
No mesmo
ano, eu e outros albinos (Luciana, Priscila, Marcus, Ieda, Robson) demos
entrevista para a revista Veja. Também, estivemos no programa da Olga
Bongiovanni, onde falamos de albinismo e fizemos uma intervenção na Avenida
Paulista.
Em 2009,
gravei um comercial para a globo.com, o qual nunca vi; nunca o encontrei na internet! Tentei
buscar o contato e nada encontrei... Mas, valeu a experiência de conhecer
outras figuras ali presentes!
No fim do
mesmo ano, participei de um programa da TV Record chamado "Câmera
Record", onde tingi o cabelo e falei um pouco de minha história de vida.
Foi uma
experiência marcante pois tingir o cabelo não estava nos planos, mas aproveitei
essa oportunidade para responder a dúvida de muitos que era, se os albinos
podiam ou não tingir cabelo, se tinta pegava, se não... enfim... topei e a TV
me levou a um salão onde só um corte masculino ficava em torno de 100 reais.
Lugar esse: "Studio W".
Ganhei um
retoque, ficando "morena" por 6 meses. Posso dizer que passei
"despercebida por esse período, realmente a pintura descaracterizou o
albinismo. Mas, não penso em tingir tão cedo novamente...
Meu
cabelo faz parte de minha personalidade, aprecio a cor dele e gosto de saber
que é diferente. Não menosprezo quem tinge! Penso que se a pessoa quer tingir,
que assim o faça. O importante é ela se sentir feliz. Se for com cabelo
tingido, que assim seja! Valeu passar por essa experiência! Gostei de tingir as
sobrancelhas. Achei que deu um realce aos meus olhos, então, pode ser que eu as
tinja mais vezes.
Gostei do
programa no geral, apesar dele parecer apelativo, mostrando o caso dos albinos
de Pernambuco. Valeu porque colocou o assunto na discussão, por isso valorizo!
Mas, é preciso reforçar que muitos albinos vivem realidades distintas, não vale
generalizar a coisa.
Também
fui entrevistada, em 2010, pela TV Aparecida pela Olga novamente e pela
Rit TV, no mesmo ano.
Isso foi
ótimo, pois percebemos que muitos não albinos desconheciam o albinismo. A
reação das pessoas foi positiva. A comunidade então, de 200 membros, foi
para 900, mas a grande maioria não albinos.
Em 2007,
conheci a Karlla Girotto num ônibus. Ela me abordou dizendo: "preciso
falar com você!" o que me assustou de início! Mas, o trabalho ficou um
tanto interessante, para abertura da Florence Antonio Gallery. Ela é um
tanto característica, pois essa estilista gosta de usar algum sapato para
caracterizar sua obra. Eu usava um na cabeça. Doido!
Em 2008,
fiz ensaio para a revista KEY (belezas brankas), para a Karla Girotto também,
onde estava sozinha. Para esse último, foi difícil ficar sem roupa para algumas
fotografias. Não era nada sensual, mas no início não fiquei à vontade. Mas,
concordo que o trabalho final ficou muito bom! Nesse site, há um comentário sobre
a revista KEY:
Na área
de moda, fiz editorial para a revista MAG, em 2009 (número 15),
intitulada Liberdade - É Proibido Proibir), com outros albinos. Ficou
ótimo e diversificado! Nesse link é possível ver a revista:
Em 2009,
eu, Luciana, Ieda e Anderson fizemos trabalho para o Zee Nunes, fotógrafo da
área de moda. Foi um trabalho um tanto "esquisito" onde rodeávamos um
cara peladão de tudo! Muita abstração para explicar! O Anderson amou a
experiência, pois ganhamos um troco!
No mesmo
ano, conhecia o fotógrafo Gustavo Lacerda, que através do blog do Roberto, fez
contato com outros albinos e convidou-nos a participar de uma proposta onde ele
retratava o albinismo. Seu trabalho pode ser conferido no site:
Em 2010, Gustavo
me convidou para fazer uma fotografia para publicidade, onde eu teria que estar
chorando e, de cabelos brancos! Pois bem, tive que descolorir o cabelo, mas
valeu a experiência! Até a descoloração é uma experiência! Mas, pelo trabalho e
pelos maus tratos ao cabelo, prefiro deixá-los descoloridos naturalmente!! Que
era como eu ia fazer e no final tive que descolorir para não perder o trabalho.
Nesse
mesmo ano, a foto que fiz com o Gustavo em 2009 foi uma das escolhidas para a
Galeria Pirelli - no MASP:
Em 2011,
a foto com Gustavo foi escolhida para ser exposta na 5a. edição do SP ARTE
FOTO.
Surgia
uma oportunidade de mostrar como eram os albinos, que não tinha nada em comum
com o Silas do Código Da Vinci, ou com os demais albinos vilões ou revoltados
dos filmes. Só se viam albinos mal encarados nos filmes de cinema, ou com super
poderes, ou revoltados. Os acontecimentos na Tanzânia também chamaram a atenção
da mídia. Então, a TV, jornal e revistas nos encontravam no Orkut. Como eu era
a dona da comunidade, era a primeira a ser contatada. Fui entrevistada algumas
vezes, eu e outros albinos sucessivamente.
Uma
albina da comunidade então resolveu criar uma comunidade, onde somente albinos
e pais de albinos fazem parte, a "Só para Albinos", com
moderação. Hoje, muitos albinos de outros estados do Brasil se comunicam
entre si e até um casamento entre albinos aconteceu, por causa da internet.
Comecei a
usar o Facebook no fim do ano retrasado e criei uma comunidade lá "Albinos
do meu Brasil e do mundo" e aos poucos os albinos também foram
aparecendo. O bom do Facebook é poder ter contato com albinos de outros
países, o que não acontecia com o Orkut.
Em 2007,
em um período em que estive desempregada, eu e uma amiga albina resolvemos ir a
Salvador, conhecer a associação de albinos que lá existe – APALBA. Tínhamos
contato com um rapaz albino de lá, o Anderson, de 28 anos, que estava tratando
de câncer de pele desde os 20. Era rejeitado pelos irmãos e pela mãe. Ele contava
que nem os copos e talheres eram compartilhados! Ele era mais próximo de uma
prima apenas. Mas, ele era muito falante, lutava pela "causa albina"
que era o nome que ele dava e tinha diversos amigos.
Nesse
mesmo ano. Eu e outros albinos chegamos a montar um estatuto para oficializar
uma ONG, mas isso iria pedir dinheiro e mais pessoas envolvidas, o que não foi
possível. O Anderson sempre me dizia para não desistir dessa idéia e que
poderia me ajudar.
Fiquei
muito sensibilizada com o Anderson, pois ele era uma pessoa com muitas feridas
no corpo; já havia feito 3 cirurgias e sofria com o calor da cidade. A
associação de lá surgiu com a ajuda da dermatologista que o acompanhava e ele
era uma pessoa bem articulada, politicamente falando. Como ele conquistou tanto
para os albinos de lá, eu também queria ajudá-lo de alguma forma.
Eu queria
que ele viesse para São Paulo, para se tratar aqui, pois aqui havia mais
recursos e o caso dele poderia ser interessante aos médicos do Hospital das Clínicas.
Eu não
tinha condições de trazê-lo e ele trabalhava também, então eu disse que, se ele
conseguisse vir, eu o hospedaria em casa, até que em 2009 ele conseguiu vir. Veio
para um evento que tem todo ano, uma feira onde apresentam tecnologias para
pessoas com deficiências - Reatech.
O Anderson
trabalhava nesse departamento em sua cidade, então, foi liberado para vir e
trazer as novidades da feira. A viagem dele era de 32 horas, de ônibus. Ele
tinha passe livre para vir de graça, benefício oferecido pelo governo federal
para as pessoas que comprovam baixa renda.
Primeiro,
levei-o ao Instituto do Câncer, que era novo aqui. Mas lá nos informaram que
somente era possível o acesso com encaminhamento do Hospital das Clínicas,
então fomos pra lá. Fui com ele, sem marcar consulta, somente com a cara e
a coragem e saímos atrás do setor de dermatologia. Tivemos sorte.
Digo
sorte pois, para ser atendido nesse hospital, precisa de encaminhamento, ter
cadastro, coisa que não tínhamos. Ninguém de minha família tinha... Estávamos
de mãos vazias...
Contei a
história do Anderson ao atendente, que prontamente disse que iria falar com os
médicos para nos atenderem. Para nossa felicidade, ele foi atendido e saímos do
hospital com a consulta marcada.
Anderson
não era claro quando lhe perguntava sobre o que os médicos lhe falavam, então
resolvi falar com eles sem o Anderson por perto. Eles me informaram que ele já
tinha 3 pontos de metástases no corpo. Não comentei isso com ele na época. Depois
de uns meses, ele foi encaminhado para o Instituto do Câncer.
Anderson
ficou encantado com São Paulo. Era uma cidade menos quente. Foi bem tratado por
todos de minha família. Era como um irmão para a gente. Ele dizia que nós éramos
a família que ele não tinha em sua cidade. Fiz alguns encontros de albinos em
minha casa e comemoramos o aniversário dele em 2009, quando ele estava por
aqui.
O sonho
dele era de criarmos uma associação aqui em São Paulo, mas a disposição das
pessoas era bem menor...
Mais
tarde. ele conseguiu outro benefício do governo federal para vir de avião para
São Paulo - o TFD - que ajuda todos que tratam de alguma doença em um estado
distante de onde vivem e, possuem baixa renda. Então, a viagem passou a ser de
1 hora apenas, para alívio dele.
Resumidamente,
foram dois anos em que ele vinha uma vez por mês e ficava cerca de 10 dias. Começou
com quimioterapia, fez algumas cirurgias... no fim de 2010, ele interrompeu seu
tratamento, por causa do seu emprego e porque precisava renovar o TFD...
briguei muito com ele por isso, convencendo-o a vir de ônibus mesmo.
Quando
resolveu vir, estava com a saúde mais frágil, com duas feridas graves, mas
retomou o tratamento.
Porém,
minha família morava muito longe do hospital e o caminho a pé era difícil de
fazer. Com sua saúde frágil, isso virou uma dificuldade...
Eu e meus
pais conversamos com a assistente social do Instituto do Câncer, para conseguir
um abrigo para ele, um local mais perto do hospital.
Ele
somente poderia ir para o abrigo se tivesse alguém para ficar com ele. Conseguimos
entrar em contato com a mãe dele, explicamos a situação e ela se dispôs a vir.
Isso foi bom, pois eles se reaproximaram e a mãe pode ver de perto o que
acontecia com ele.
Ele
conseguiu retirar uma das feridas, porém a outra estava localizada próxima de
uma artéria que corria risco de ser cortada na cirurgia. Por isso, os médicos
não conseguiram retirar toda a ferida... Bastante debilitado, ainda sentindo
muitas dores e tomando medicamentos fortes como metanona (ele começou com
morfina), começou a desanimar. Cheguei a ficar noites em claro conversando com
ele, reanimando-o, queria que não desistisse de se curar.
Mesmo
assim, penso que nunca dei a ele a atenção de que precisava. Eu estava sempre
correndo com os estudos, o canto, o trabalho... e ainda brigava para que ele
fosse forte. Brigava com ele porque ficava demais na internet... A relação dele
com a mãe era difícil, eles brigavam bastante. Conversava com ele pedindo que
se acalmasse e tivesse paciência com a mãe.
Eu estava
no 3o. ano da faculdade, quando consegui uma bolsa de estudos para ficar um
semestre em Portugal. Viajei em janeiro de 2011 e retornei em
agosto. Nossa última festa junto foi a da minha despedida, no fim de
janeiro. Anderson veio a falecer no 31 de março.
Desde
então, procuro, ainda mais, manter os albinos daqui informados sobre as
questões de saúde, reforçando para que se cuidem e se protejam, para que não
terminem como o Anderson.
Não temos
uma ONG aqui, mas ainda não desisti de lutar pelos benefícios como protetor
solar, óculos e atendimento médico de qualidade. Aqui, os médicos conhecem
pouco do albinismo.
Para mim,
por exemplo, é caro fazer óculos novos; os meus estão com as lentes cheias de
riscos, mas como meu grau é alto - 7,5 de hipermetropia e 2,5 de astigmatismo
nos dois olhos, fica caro fazer lentes novas. Mas, vou levando as coisas com o
que tenho.
Sei que
os albinos do tipo 2 enxergam melhor que nós, do tipo 1, então muitos não
gastam tanto com os óculos, mas me preocupa que muitos não gostam de usar os
óculos e muitos não protegem a pele de forma adequada.
Hoje vivo
com meus pais, tenho 30 e uns. Meu irmão mais velho, o André, 32, mora em Brasília. Ele
é concursado, prestou concurso como pessoa com deficiência visual e hoje tem duas
filhas, uma de 5 anos e outra de 9 meses, não albinas, eles vivem bem. Quando
precisamos de alguma urgência financeira, ele nos ajuda.
Meu irmão
mais novo, o Marcus, de 29 anos, mora acima de nossa casa, tem um filho de 2
meses não albino e está casado.
Quando
comecei a estudar educação física, ele ajudava na parte financeira, mas depois
que casou, no meio do ano passado, meu pai não quis mais usar o dinheiro dele.
Desde então, estamos numa situação financeira bem complicada...
Eu e meus
irmãos temos a pele em boas condições e usamos óculos. Temos a visão bem
parecida. Meus irmãos não são tão cuidadosos com a pele... mas chamo sempre a
atenção deles.
Esse
período em que fiquei fora do Brasil, mexeu muito com minhas idéias e planos...
ainda não estou certa de que caminho tomar, depois que terminar a faculdade...
quero fazer muitas coisas... hoje estou "plantando as sementes" e
espero estar nos caminhos certos.
Até o fim
de 2010 eu cantava em coro. Canto desde 2004. A música é outra
paixão. Gosto muito de cantar, tocar violão... tenho o ouvido muito bom e
muita facilidade com a música, gostaria de trabalhar com isso ainda... mas
ainda não descobri como. Ainda quero ganhar dinheiro com a música. Meu irmão
mais velho toca violão e piano e gosta bastante, mas toca por diversão.
Meu irmão
mais novo trabalha em um banco, participou da seleção como pessoa com
deficiência visual, era estudante na época. Ganha bem, hoje apenas trabalha.
Meu pai
hospeda e atualiza sites de internet. Temos uma loja virtual de produtos
naturais e meu pai recebe aposentadoria. Minha mãe cuida da casa.
Aqui em São
Paulo não pago transporte, tenho uma bolsa- alimentação e com ela posso almoçar
na universidade. Ganho pouco, mas procuro ter o mínimo de gastos, pois é o que
tem que ser no momento.
Minha
irmã mais nova, a Mariana, de 24 anos, estuda medicina numa universidade
federal, gratuíta, em Minas Gerais, onde mora na casa de tios e meu pai ajuda
financeiramente.
A visão
hoje é o que mais me incomoda, pois quero fazer muitas coisas que dependem da
visão e às vezes ela me limita. Mas, ando pelas ruas sozinha desde muito jovem,
aprendi a cuidar de mim, quando preciso de ajuda para enxergar o ônibus, peço
ajuda.
Tenho uma
telelupa desde 2006 e para ler livros uso lupa comum. Quando prestei vestibular
pela última vez, pude ter a prova ampliada. Com laudo médico, podemos comprar a
telelupa por um preço mais acessível.
Na Europa,
pude conhecer a Alemanha, Inglaterra, Espanha, França e Itália. No geral,
percebo que a visão dos europeus é bem diferente daqui, pois lá me passava por
européia. Tive até algumas aventuras amorosas por lá, até isso me pareceu mais
tranquilo do que aqui. No Brasil, as pessoas nos estranham mais, ainda tenho essa
sensação... Isso me incomodava mais no passado, hoje tento lidar cm essa
situação e não justificar isso como razão para o que não dá certo. Enfim,
aprendemos com os anos.
Cheguei a
ouvir recentemente, não pela primeira vez, que não temos beleza. Não que isso
me cause incômodo, mas... no fundo, percebo que a opinião de uma pessoa próxima
reflete a opinião dos que não são. É difícil encarar essa afirmativa quando se
passa por situações em que se é discriminado. O ser humano ainda julga muito
pelo exterior da pessoa. Hoje me aceito bem, mas ainda é difícil aceitar a
forma como alguns nos enxergam. Muitos são visuais ainda e muitos serão. Meu
exercício hoje é de não pensar em como os outros nos encaram, enfim... tudo é
um processo. O importante é que a gente se aceite e ponto. O resto é resto.
Conheci o
Roberto no final de 2009, quando um deputado daqui de São Paulo criou um
projeto de lei que favorecia os albinos. Houve uma assembléia para reforçar a
importância da aprovação do projeto. Ele ainda está em processo de aprovação.
Tenho um
canal no Youtube onde posto vídeos e reuni vários que falam de albinismo:
Abraços e
até!
Dre,
ResponderExcluirGostei muito do seu relato! Foi uma bela retrospectiva sobre nós!
Fiquei emocionada e triste na parte em que trata do Anderson... E me sentindo mal por termos abandonado os ideais que no início nos uniram. Quantos Andersons não haverão por aí?
Bom, mas isso é assunto p/ se repensar!
Queria só fazer uma ressalva quanto ao que você disse sobre saber que albinos do Tipo 2 enxergam melhor do que os do Tipo 1. Não há provas científicas nem disso e nem do contrário, mas, pela análise da realidade, creio que essa relação não existe. Eu - que em tese sou Tipo 2 - enxergo tão mal quanto voces Cavallis. A Pri, que é Tipo 1, enxerga melhor que eu. E - como descrevi lá no post no meu blog sobre a consulta no Pro Albino - Rick, embora tenha bem menor pigmentação nos olhos do que eu, tem acuidade visual ligeiramente maior que a minha.
Por isso, acho que o que mais pesa na nossa baixa acuidade visual é aquele lance da inexistência da mácula. E o que talvez nos diferencie um pouco no grau da acuidade seja não a questão da pigmentação, mas dos problemas de refração (hipermetropia, astigmatismo, miopia), que aí cada um tem num grau e que não estão relacionados ao albinismo.
Por último, agradeço e parabenizo o Roberto por abrir este espaço em seu blog. Ficou muito bacana!
E peço desculpas por ter transformado meu comentário em praticamente um post, rs.
Muitas vezes não fasemos uma ideia de que forma os outros veem a jente. Se para alguns temos uma imajem negativa para outros temos uma positiva.Digo isto de forma fisica ou espiritual: carater ,personalidade,formação ..enfim uma ideia geral de voce. como um todo você ... Agora nesta autura de minha vida 53 anos agradesço a Deus por ter entrado na vida destes albinos ... digo entrado mesmo pois me entrometi entre eles ,afinal estou a 300kl. de Andreza mais ainda do Roberto, não vou citar mais nomes de albinos pois amo todos do fundo do meu coração . mas não por sofrerem de albinismo não ...É que eles digo todos os albinos mudaram minha vida. me mostraram o amor a si mesmo me ensinaram o respeito a si mesmo me ensinaram a confiar em mim ..ter segurança propria ..e muito mais muito mesmo ...Poderia ficar aqui falando horas e horas sobre o que tenho aprendido com todos ..não tenho palavras para discrever tudo o que sinto por voceis todos branquinhos ...mas voceis todos estão em meus pensamentos quando agradeço ao Grande Criador do Universo .por telos conhecido ..todos voceis. Miguel José Naufel
ResponderExcluirAndreza,
ResponderExcluirLindo seu relato de vida e sua força.
Bjs
Kelly
Muito interessante tua história de vida, Andreza. Entretanto, a parte mais auspiciosa do relato foi sobre tuas aventuras amorosas na Europa. Vou passar um tempo por lá e espero que role para mim também... :) Bem, confesso que já tive diversos namorados por aqui e acho que a minha diferença fez toda a diferença! Você é linda, quase mais do que eu! :)
ResponderExcluirSou mae de linda albina, poder ler seus relatos e muito imporante, tira duvidas e traz explicacoes que mesmo os especialistas nao conseguem traduzir do mundo vivido. Por favor NAO Parem!. Retomem o movimento de uniao e fortalecimento da visibilidade, reconhecimento e divulgaca das necessidades, acesso e direitos das pessoas com albinismo. Folego!!! Obrigada.
ResponderExcluirOi Andreza, nao so o seu relato é muito bacana mas principalmente sua atitude diante da vida.
ResponderExcluirDesde que te conheci em 2009 tenho grande admiração por vc! Alem de linda, batalhadora e sempre alto astral, vc é uma pessoa super sincera, franca, inteligente, educada e generosa. Continue assim! Gustavo Lacerda
Simplesmente AMEI!!!
ResponderExcluirBelo depoimento Dre!
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