Na crônica de hoje, o Professor Sebe espanta-se com os tempos modernos, em que a privacidade é artigo raro e onde vivemos em comunidade virtual, mas isolados em nossos casulos.
A NOVA PRIVACIDADE...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Antes, num passado que nem é tão distante, era possível
falar sobre solidão, intimidade, vida privada, com características diversas de
hoje. Tudo mudou muito. Rapidamente.
Demais. Confesso que sempre tive dificuldade em achar a vida monótona, tediosa.
Jamais. Até costumo brincar com amigos que vejo virtudes no fato de se
acreditar na reencarnação, pois uma vida só não basta para a realização de
tantos projetos que acumulo ao longo de tempos. Devo reconhecer que até alguns
anos era possível uma reclusão mais fácil e eficiente. Se alguém quisesse se
isolar do mundo, estabelecer alguma disjunção da sociedade, bastava ir para
algum lugar e se sentir uma ilha. Não que atualmente não se possa, mas sempre
podemos ser alcançados. Claro que dá para assumir atos de misantropia, mas o
que impressiona é que podemos ser achados, flagrados, descobertos, denunciados.
Li, dia desses que nos Estados Unidos suspeitaram de
vínculos de um bandido com importante bando de traficantes de cocaína para o
México. A fim de localizar os quadrilheiros, deram uma quantidade de dinheiro
com um chip ao prisioneiro, o que possibilitou o rastreamento dos passos do
faltoso. Logicamente, a “inteligência” diretora desse plano merece aplauso, mas
o outro lado da questão é o preço pela “eterna vigilância” e da eficiência do
sistema.
A primeira vez que li o fabuloso livro “1984” de George
Orwell fiquei chocado, achando que aquilo era ficção e que jamais teríamos o Big Brother nos vigiando com aquele olho
terrível. Devo registrar que desde menino muito me impressionava a definição de
Deus – onipresente, onisciente, onipotente. Sim, era realmente um ser superior,
poderosíssimo e capaz de ver tudo, até debaixo das cobertas, em salas
trancadas, no escurinho do cinema... Cresci e vejo a progressiva transferência
da divindade para órgãos policialescos, para grupos de detetives e mesmo para
pais que se vêem na obrigação do zelo no acompanhamento educacional dos filhos.
E não é curioso que aprendemos a olhar placas que dizem quase carinhosamente “sorria, você está sendo filmado”. Nem do
gerundismo reclamamos. Talvez eu seja mesmo meio antigo, mas não gosto de me
sentir controlado. A bem da verdade, me incomoda enormemente suspeitar que
alguém me vigia.
Falava dessas coisas, dia desses, com um amigo, pai de
jovens nos quase vinte anos e ele me revelava os segredos do controle: GPS no
carro do filho, monitoramento da internet, participação em rede, blog com pais
dos amigos... Fiquei pasmo, pois tudo era dito em nome da segurança. Eu mais
ouvi do que falei e justifico minha perplexidade, posto que não me imagino sem
confiar nos outros. O que até pouco tempo achava que era virtude - minha crença
desmedida no semelhante - agora noto que acreditar acaba por se converter em
defeito. Estou ameaçado de ser chamado de bobo ou mesmo de cretino por crer que
até “prova em contrário, todos são inocentes”.
Quantos me conhecem sabem que não me poderia faltar um
fundamento filosófico para filtrar os desmandos do mundo moderno. Remeto-me
então aos iluministas e qual um Rousseau bêbado retomo o debate sobre a “bondade
natural dos seres humanos”. Será que não posso mais repetir que “o homem é bom,
a sociedade que o perverte”? Atualizando a questão, devo perscrutar se a
maldade do homem é tamanha que ele naturalmente tenha subvertido a bondade
natural e já nascesse ruim.
Resolvi fazer uma investigação sobre mim
mesmo e fui até o Google. Sabe que fiquei surpreso! Imaginem que no “Google
imagens” havia fotos minhas que jamais suspeitei. E o que dizer de tudo que se
falou sobre minha atividade acadêmica? Está quase tudo lá. Coisas que disseram
a favor ou contra, comentários gerais, tudo está ao alcance de todos. Mas, preside
algo de realmente terrível nesse contexto todo, pois sequer alguém pode mais se
sentir solitário. A grande contradição disso tudo é que ao se trancar em casa,
nos quartos, escritórios, as pessoas ficam fisicamente sozinhas, mas ao se
conectarem com o mundo via máquina recobram um potencial de intimidade
dramática onde o que se expõe não é o que se mostraria na vida à moda antiga.
Não sei o que vai resultar dos contatos humanos no futuro, mas por agora
garanto, não vou abdicar do direito de pensar nas velhas formas de
privacidade... não vou mesmo.
na porta de minha casa coloquei uma placa :sorria você está sendo filmado . nunca mais ouvi barulho na madrugada , a rua e meia escura então ja viu né ... paravam la e ficavam namorando ..ho ho ho ..
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