quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

CONTANDO A VIDA 70

Nosso cronista-folhetineiro escreve sobre uma paixão nacional: a telenovela.


AMORES IMPROVÁVEIS E BANDIDOS MISTERIOSOS...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Seguidor que sou de novelas, reconheço que duas situações me amarram às tramas: histórias de amores difíceis e mistérios sobre crimes e maldades que implicam gente ruim. Nas duas situações se opõem o eterno dilema do bem contra o mal, do certo versus o errado, do possível com o inviável. Na mesma medida, prezo o final feliz com a mocinha casando com o galã e o bandido punido ou afastado do convívio de quantos seguiram, aliviados, felizes para sempre.  Simples, não é? Parece. Digo parece porque em cerca de 200 episódios, ao longo de oito ou nove meses, as histórias têm que segurar o público misturando lágrimas com suspense, compaixão com raiva. Ternura pelos sofredores amantes, ódio contra os tiranos que muitas vezes apenas são definidos nas últimas cenas. São sentimentos cultivados e compartidos por um mar de telespectadores que filtram opiniões vida afora.

Diria que nesse sentido sou um duplo voyeur. Tanto sinto prazer no desenrolar dos casos apresentados na telinha como no comportamento do público que vai também sofrendo até o grande final. Sempre leio tudo que posso sobre ambas as situações e me intero do sentimento coletivo de amor pelo que tem que dar certo e pela punição dos malvados. Como resultado feliz desse tipo de folhetim, é fantástico como o conceito de novela no Brasil escapou do que se passa exclusivamente nos roteiros televisionados. Revistas e jornais, obrigatoriamente, devem trazer, com amiúda frequencia, colunas sugerindo isso ou aquilo. Temos até observadores especializados, pessoas atentas a revelar o que pode ou não acontecer. Misturando a vida dos personagens com as histórias ou enredos vivenciais dos atores, tudo se funde de um jeito a marcar comportamento cultural comunitário de difícil explicação. Não é a toa que o tema tem chegado ao nível de estudos por gente da universidade e dissertações e teses multiplicam análises.  


Frente histórias de amor, confesso que me comporto de maneira mais tranquila. A equação sentimental é sempre tangível: a menina certa gosta do carinha correto (ou vice versa), mas há um (ou mais) impedimento: família, classe social, raça, religião, idade, enfim algo que justifique drama à la Romeo e Julieta. O direito à lágrima é mais do que desejável e tem que estar presente. Tornar viável o amor impossível é o dever de honra do autor e quanto mais dificuldade conseguir colocar na história, melhor. Vendo tais itinerários, imagino a luta para a realização do sonho fatal projetado na audiência: fazer os amantes chegarem ao casamento. O que alivia a tensão amorosa é que tudo é previsível e sabemos como vai acabar. Se o script dos romances tem rumo certo: o beijo final, no caso dos mistérios a chapa fica mais quente quando os perpetradores são de difícil identificação. O curioso é que tem havido um aperfeiçoamento da “noveslítica brasileira” sobre os bandidos. Não apenas pela excepcional qualidade das soluções fílmicas nacionais, mas também e, sobretudo pelo desempenho da relação autores e atores, podemos dizer que se criou um gênero que extrapola os níveis conseguidos em países como México ou Filipinas. Temos já um panteão de “inventores de bandidos”.

 Em 1977, a mestra Janete Clair, madrinha de toda dramaturgia televisiva brasileira, deixou o país sem fôlego até o último capítulo de “O astro”. Todos se perguntavam – e respondiam – “quem matou Salomão Ayala”. Uma década depois, Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères atormentaram os brasileiros, que se digladiavam para garantir no percurso de “Vale Tudo”, quem teria assassinado a vilã Odete Roitman. Mais recentemente, em 2008, o mistério foi conduzido de maneira mais sutil e todos teriam que imaginar, em a “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro, se má era Flora ou Donatella. Talvez a mais malvada e intrigante personagem criada em nossas novelas tenha sido Nazaré Tedesco em “Senhora do Destino”, de 2004, escrita por Agnaldo Silva e que trouxe no papel de ruim mãe/madrasta, Renata Sorrah. Para muitos, Nazaré foi a mais cruel das vilãs reveladas. De toda forma, o que importa dizer é que tem sido constante o impacto do mal aliado ao amor que sempre vence. A pergunta que fica, porém, diz respeito ao crescimento do papel do mal. Será que a novela é espelho da cultura? Afinal gostamos mais de punir os bandidos ou saber da felicidade dos mocinhos?

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