Nosso cronista-folhetineiro escreve sobre uma paixão nacional: a telenovela.
AMORES IMPROVÁVEIS E BANDIDOS
MISTERIOSOS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Seguidor que sou de novelas,
reconheço que duas situações me amarram às tramas: histórias de amores difíceis
e mistérios sobre crimes e maldades que implicam gente ruim. Nas duas situações
se opõem o eterno dilema do bem contra o mal, do certo versus o errado, do
possível com o inviável. Na mesma medida, prezo o final feliz com a mocinha
casando com o galã e o bandido punido ou afastado do convívio de quantos
seguiram, aliviados, felizes para sempre. Simples, não é? Parece. Digo parece porque em cerca de 200 episódios,
ao longo de oito ou nove meses, as histórias têm que segurar o público
misturando lágrimas com suspense, compaixão com raiva. Ternura pelos sofredores
amantes, ódio contra os tiranos que muitas vezes apenas são definidos nas
últimas cenas. São sentimentos cultivados e compartidos por um mar de
telespectadores que filtram opiniões vida afora.
Diria que nesse sentido sou
um duplo voyeur. Tanto sinto prazer
no desenrolar dos casos apresentados na telinha como no comportamento do
público que vai também sofrendo até o grande final. Sempre leio tudo que posso
sobre ambas as situações e me intero do sentimento coletivo de amor pelo que tem
que dar certo e pela punição dos malvados. Como resultado feliz desse tipo de
folhetim, é fantástico como o conceito de novela no Brasil escapou do que se
passa exclusivamente nos roteiros televisionados. Revistas e jornais,
obrigatoriamente, devem trazer, com amiúda frequencia, colunas sugerindo isso
ou aquilo. Temos até observadores especializados, pessoas atentas a revelar o
que pode ou não acontecer. Misturando a vida dos personagens com as histórias ou
enredos vivenciais dos atores, tudo se funde de um jeito a marcar comportamento
cultural comunitário de difícil explicação. Não é a toa que o tema tem chegado
ao nível de estudos por gente da universidade e dissertações e teses
multiplicam análises.
Frente histórias de amor,
confesso que me comporto de maneira mais tranquila. A equação sentimental é
sempre tangível: a menina certa gosta do carinha correto (ou vice versa), mas
há um (ou mais) impedimento: família, classe social, raça, religião, idade,
enfim algo que justifique drama à la Romeo e Julieta. O direito à lágrima é mais do que desejável
e tem que estar presente. Tornar viável o amor impossível é o dever de honra do
autor e quanto mais dificuldade conseguir colocar na história, melhor. Vendo
tais itinerários, imagino a luta para a realização do sonho fatal projetado na
audiência: fazer os amantes chegarem ao casamento. O que alivia a tensão
amorosa é que tudo é previsível e sabemos como vai acabar. Se o script
dos romances tem rumo certo: o beijo final, no caso dos mistérios a chapa fica
mais quente quando os perpetradores são de difícil identificação. O curioso é
que tem havido um aperfeiçoamento da “noveslítica brasileira” sobre os
bandidos. Não apenas pela excepcional qualidade das soluções fílmicas nacionais,
mas também e, sobretudo pelo desempenho da relação autores e atores, podemos dizer
que se criou um gênero que extrapola os níveis conseguidos em países como
México ou Filipinas. Temos já um panteão de “inventores de bandidos”.
Em 1977, a mestra Janete Clair, madrinha de toda
dramaturgia televisiva brasileira, deixou o país sem fôlego até o último
capítulo de “O astro”. Todos se
perguntavam – e respondiam – “quem matou Salomão
Ayala”. Uma década depois, Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor
Bassères atormentaram os brasileiros, que se digladiavam para garantir no
percurso de “Vale Tudo”, quem teria
assassinado a vilã Odete Roitman. Mais recentemente, em 2008, o mistério foi
conduzido de maneira mais sutil e todos teriam que imaginar, em a “A Favorita”, de João Emanuel Carneiro,
se má era Flora ou Donatella. Talvez a mais malvada e intrigante personagem
criada em nossas novelas tenha sido Nazaré Tedesco em “Senhora do Destino”, de 2004, escrita por Agnaldo Silva e que
trouxe no papel de ruim mãe/madrasta, Renata Sorrah. Para muitos, Nazaré foi a
mais cruel das vilãs reveladas. De toda forma, o que importa dizer é que tem
sido constante o impacto do mal aliado ao amor que sempre vence. A pergunta que
fica, porém, diz respeito ao crescimento do papel do mal. Será que a novela é
espelho da cultura? Afinal gostamos mais de punir os bandidos ou saber da
felicidade dos mocinhos?
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