Moçambique: albinos cercados entre mitos e incompreensão
Em Moçambique, ser albino é sinónimo de mito e todos têm um para contar, como o de que "eles não são enterrados, porque desaparecem" ou "a grávida que encontrar um albino vai ter um bebé albino", avança a agência Lusa.
Mas o que mais dói à comunidade de albinos moçambicanos é a incompreensão "de quem era suposto saber mais", principalmente os professores, que se impacientam com as dificuldades de visão de quem a genética deu melanina a menos.
Para vincarem que são "diferentes, mas iguais", os albinos criaram a Associação Defendendo os Nossos Direitos (ADODS), que completou esta semana um ano.
Além da festa, celebrada na histórica Fortaleza de Maputo, o aniversário da ADODS foi também uma oportunidade para os albinos exorcizarem a angústia provocada pelo estigma, dando testemunhos sobre a sua própria experiência.
Ivo Nhadele, 24 anos, conta à Lusa que perdeu namoradas por não suportar os olhares desconfiados de pais das meninas, amarrados a mitos negativos sobre a condição de albino que existem na sociedade moçambicana.
"Namoradas? Familiares de namoradas, passei por situações que não eram compreensíveis, pois as pessoas não compreendem que, embora a gente tenha uma situação diferente, nós somos parte da sociedade", frisa Ivo Nhadele.
No domingo, com formação de contabilista, considera que pode ter sido prejudicado várias vezes devido à sua condição de albino, mas é da incompreensão dos professores que sente mais mágoa.
"Nós não estamos a exigir nem merecemos tanta atenção, mas a nossa condição cria-nos dificuldades de visão, não vemos com a mesma facilidade o que está escrito no quadro, e mesmo aqueles que era suposto saberem, como os professores, não nos compreendem", conta.
Argentina Luís, 21 anos, teve de fazer de Beyoncé num famoso concurso de talentos musicais de um dos canais de televisão moçambicanos, para ganhar respeito do bairro e pararem os "apelidos" depreciativos com que antes era tratada.
"Nós, os albinos, como todo o mundo sabe, sofremos muita discriminação, principalmente das crianças na rua, que nos dizem o que os adultos não têm coragem de dizer", narra Argentina Luís.
O sonho de ser uma grande cantora tem ajudado Argentina a ignorar o preconceito e a criação da ADODS deu mais força para se impor como “pessoa normal”.
Stela Banze, 26 anos, que na festa de aniversário da organização foi manequim na sala onde foi montada uma exposição fotográfica alusiva à data, para celebrar o "orgulho albino", diz que o facto de ter feito uma licenciatura em Ciências de Saúde provou-lhe que os albinos são capazes de vencer o estigma e viver normalmente.
"Não é fácil ser albino em Moçambique, porque há muita ignorância, mas o meu lema foi preferir não me achar diferente e, dentro das minhas capacidades, ser uma pessoa normal. Isso mantém-me viva", realça, lembrando que lutou durante um ano contra um cancro de pele.
O estigma também atingiu os membros mais famosos da comunidade. O músico moçambicano Ali Faque não foi tocar num certo ano à Tanzânia, porque ali os mitos levam muitas vezes à morte por curandeiros, que prometem riqueza a quem foi "tratado à base de órgãos extraídos de albino".
O reverendo Jamisse Taímo, ex-presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e antigo reitor do Instituto Superior de Relações Internacionais conta que viu grávidas desviarem o seu caminho por medo que transmitisse ao bebé o seu albinismo.
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