quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

TELONA QUENTE 43




Roberto Rillo Bíscaro

Samira Makhmalbaf dirigiu seu primeiro longa aos 17 anos. Filha de Mohsen Makhmalbaf – diretor do ótimo Gabbeh, entre outros – a menina co-escreveu com o papi o roteiro de Sib (A Maçã - 1998).

Baseado em fatos, a narrativa segue o caso de 2 irmãs mantidas em casa, trancafiadas pelo pai desde seu nascimento. Aos 11 anos, vizinhos denunciam ao equivalente iraniano do conselho tutelar o cárcere das gêmeas, que não falavam, não tomavam banho e sequer sabiam comer direito. O pai se compromete a deixar as meninas em liberdade, mas tranca-as de novo assim que retorna da assistência social. Ao descobrir a quebra da promessa, a assistente faz o pai experimentar a mesma sensação das filhas, enquanto libera as crianças para sua primeira aventura nas ruas de Teerã.

As pequenas Zarah e Massoumeh são interpretadas por elas mesmas e Samira consegue atuações comoventes num filme ao mesmo tempo perturbador, tocante e até engraçado. Mistura de drama com documentário, The Apple insiste na imagem da grade como metáfora para a opressão feminina e falta de liberdade política num Irã dividido entre a vontade de ser moderno e a força retardatária da tradição.

A maçã do título transcende o pecado original bíblico pra se tornar metáfora do conhecimento, da liberdade de escolher, de ir e vir.

As cenas onde as crianças perambulam pelas ruas encontrando amigos em potencial e vendedores são frescas como a descoberta da liberdade pela meninas. Claro que não deve faltar quem diga que o filme vai do nada ao lugar nenhum porque se afasta do modelo dramático hollywoodiano. Azar deles, não sabem a profundidade das raízes plantadas pela diretora-menina.

Grande trunfo de A Maçã é o de não demonizar o pai, que tem seus motivos pra trancar as meninas: pobre, sem instrução, com uma esposa cega e criado segundo os rígidos códigos da tradição de honra islâmica, ele teme pela segurança e virgindade das petizes. Não é o caso de se concordar com o cárcere. Antes, trata-se de compreender as razoes do outro. Proveniente de lar privilegiado, Samira não caiu na cova rasa de olhar a alteridade tentando explicá-la a partir de seu próprio código de classe. Muita estupidez seria evitada se âncoras “inteligentes” da TV e escribas de revistas e jornais tivessem tal postura...

A Maçã foi fatiada em 8 partes e está no You Tube, com legendas em inglês. Não é permitido inserir o vídeo aqui, mas a primeira fatia pode ser acessada no link

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