Nosso
cronista está chocado com a atitude dos lutadores do UFC, e faz uma comparação
entre a atitude perante a vitória dos boxeadores e a dos índios em seu quarup.
Diferentemente
do professor Sebe, adoro estar fora do grupo majoritário e jamais ouvira falar
em UFC!
DUAS LUTAS:
o Boxe e o Quarup...
José Carlos Sebe Bom
Meihy
Com o
pomposo nome de Ultimate Figthing
Championship – UFC – o maior acontecimento de boxe do mundo ocorreu no
Brasil, no final de agosto último. Alardeado como “evento que promete incendiar
a noite”, fazendo a sanha de mais de 15 mil assistentes diretos e transmitido,
via TV, para cerca de 150 países, o esporte que mais cresce no mundo e com fervorosa
torcida feminina me surpreende, choca e desaponta. Sendo que as três maiores
personalidades dessa modalidade são patrícios, tudo foi anunciado de maneira a
convocar a torcida para “defender as cores do Brasil”. Como poucas vezes na
vida, me senti voluntariamente fora do grupo majoritário. Não consigo gostar de
enfrentamentos físicos, muito menos com violência. Não mesmo. Os três nomes
consagrados como heróis são Anderson Silva, Rodrigo Minotauro e Maurício
Shogun. Todos têm cara de maus e se dizem bonzinhos. A favor da reputação da
luta como esporte, falam de disciplina, método de controle muscular e
conhecimento das artimanhas do adversário. Tudo combinando velocidade nos
ataques, equilíbrio nos pés e jogo de corpo. Prontos para derrubar o outro, visto
como inimigo, o discurso desses “atletas” é perturbador. Os detalhes implicam
admitir a teatralidade do espetáculo e para tanto o planejamento detalhado,
desde a entrada no ringue, é parte do show cuidadosamente montado. Todos
insistem na cara de raiva que deve amedrontar o adversário e motivar a torcida ávida
pela derrota massacrante do oponente. Na mesma ordem, o nocaute deve ser
buscado como garantia máxima do sucesso, mas há controvérsias sobre o momento
do abate, que pode demorar, e assim, exigir até a última fibra da torcida. Uns
acham que a vitória precisa ser rápida, outros apregoam cansaço dos oponentes.
Todos, porém, querem agradar o público que, quanto mais enlouquecido, melhor.
Na internet,
é encontrada uma série de vídeos de lutas. Caras arrebentadas, delírio público
de apostadores, raiva estampada em ares vitoriosos. Um desses vídeos me chamou
a atenção, pois taxava um brutal confronto como “combate épico”, falava da
“luta do século” e “confronto de deuses”. Chocado, assisti à sequência do encontro
que tinha o auge no formidável chute dado por Anderson Silva no rosto do
adversário, também brasileiro, Vitor Belfort. Estirado no chão, sob vaias e
aplauso, o derrotado continua sendo chutado. Tudo em nome do esporte.
Meditando
sobre essas coisas, me veio à mente a lembrança de um dos mais marcantes livros
de história de leitor. Antonio Callado escreveu Quarup em 1967, na fase
de definição da ditadura militar. O livro conta a história de um padre
pernambucano, Nando, que depois deixou a batina e se torna libertino e acaba
por ingressar na luta armada. O enredo absolutamente envolvente se passa entre
1954 e 1964. O religioso, utópico sonhador das transformações do país, queria
fundar uma reserva indígena na Amazônia, onde a ordem natural seria motivadora de
convívio comunitário pleno. Perseguindo este ideal, o religioso dirige-se à
então capital, Rio de Janeiro, e lá depara-se com corrupção, distorção de
costumes, vícios. De volta ao Xingu, chega exatamente no momento da realização
do imponente ritual do Quarup, que
implica celebração dos mortos. Os índios, no lugar de lamentações, promovem uma
festa e um dos pontos altos é o confronto de homens fortes. O fantástico desse
embate é o respeito que os adversários devem ter um em relação ao outro. Vencer
sim, sem, contudo, vexar, expor ou humilhar o adversário. A imponência do
vitorioso, no caso dos índios aludidos, impõe o respeito ao derrotado que não
deve ser derrubado ou ferido de maneira a se machucar. Dignidade.
Fico
comparando atitudes dessas duas modalidades de lutas. Por certo, na sociedade
capitalista o sentido do confronto é metáfora perfeita do poder capaz de
definir vencedores. Não é sem motivo que os créditos dados aos bem sucedidos
vêm fatalmente enfeitados por expressões como “campeão”, “herói”, “vencedor”, “lutador
implacável”. Nada contra. Em absoluto. O que me é difícil aceitar é a
ostentação da vitória e a exclusão dos vencidos. O personagem Nando, o padre do
livro de Callado, foi tido como sonhador de um mundo impossível de reversão.
Opondo cidade e selva, a insatisfação do moço leva-o ao delírio sexual
exacerbado e à luta revolucionária. Tudo sem saída, como que a dizer que não há
mais lugar para lutadores que não se vangloriem da derrota do outro.
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