quarta-feira, 28 de março de 2012

CONTANDO A VIDA 74

Nosso cronista estreou idade nova semana passada. Por isso, escolhi uma crônica que trata sobre idade para parabenizá-lo atrasadamente.

BALZAQUIANAS E BALZAQUIANOS, hoje...
José Carlos Sebe Bom Meihy

Ontem fui arrastado ao teatro. Não pretendia sair de casa, num esforço para ter preparadas algumas apresentações que farei no exterior. Foi em vão. Amigos jovens intimaram e não tive como refutar a companhia agradável, os ingressos comprados, a condução arranjada. Mas, sequer sabia que peça me aguardava. Surpresa total. Sabia apenas que o tema era de meu gosto. Como aprecio muitos assuntos, confesso, fiquei tranqüilo. Curioso também e, assim, logo me entreguei à aventura.
A Casa Laura Alvin tem duas salas de teatro que se ajustam ao meu gosto: pequenas, bem arranjadas e com boa acústica, sempre com frequência requintada. Foi um bom começo para ver o monólogo “Agora eu vou falar” - texto de Victor Garcia Peralta e Rafael Gnone, que interpretava o dilemático Daniel. É lógico que a história me interessava até por se passar em uma sala de aeroporto e tratar de um rapaz nos seus trinta anos, tentando entrar nos Estados Unidos. Os temas percorridos são hilariantes: relações amorosas, família, casamentos, drogas, amigos... e sobretudo definição profissional. Divertidíssimo. Muito bem encenada, a peça era conduzida pela perspectiva masculina. À saída, contudo, fomos para a pizzaria mais próxima e a conversa versou sobre “ter trinta anos hoje em dia”. E foi muito engraçado ver como os argumentos se organizaram por gênero.
As mulheres que acompanhavam os dois rapazes e eu logo se concentraram na apropriação do discurso que polemizava o “casamento”. Os homens detiveram-se exclusivamente na questão “realização profissional”. Eu era o mais velho do grupo, aliás, com nada mais nada menos que o dobro da idade dos demais, alguns ex-alunos. Tentei ficar de fora do debate e me deliciava entre uma fatia de “napolitana” e matérias tão encandecidamente assumidas. Ter filhos, ser dona de casa, carregar o sobrenome do marido, eram assuntos das mulheres que usavam a responsabilidade de ser mulher hoje em dia como ponto de partida para tudo. Trabalhar era algo quase imposto nas justificativas femininas. Prestígio, reconhecimento profissional, dinheiro no bolso e capacidade de prover família, compunha a catilinária masculina, que tocava no tema casamento só vagamente.
O progresso do debate empolgava a turma até que alguém se lembrou de mim e sentenciou: e o que o professor acha disso tudo?... Não tive como evitar a resposta. Silentes, todos me olhavam como se fosse capaz de esclarecimentos definitivos. Arrisquei com um palpite infeliz: “não se fazem mais bazaquianos como antigamente”. Olhos se multiplicaram em minha direção. Tinha que me justificar. Apoiei meus argumentos na marchinha do carnaval de 1950, Balzaquiana, de Antonio Nássara e Wilson Batista, e até cantarolei “Não quero broto / Não quero, não quero não /Não sou garoto / Pra viver mais de ilusão /Sete dias da semana / Eu preciso ver minha balzaquiana /O francês sabe escolher / Por isso, ele não quer/Qualquer mulher / Papai Balzac já dizia /Paris inteiro repetia / Balzac tirou na pinta /Mulher, só depois dos trinta. Ao fim, ouvi um insolente “coroa machista”. Mas, gostei dos argumentos que tive que desenvolver para justificar. Fui mostrando que “tudo mudou muito”, os papeis sociais são outros agora e a noção de idade sofrera alterações fundamentais. Antes, ter trinta anos era um ritual de passagem para uma velhice precoce. Hoje, ter trinta anos é ainda estar entre o casamento e a profissão. O diagnóstico estava decretado: a juventude física demandava desafios. O feminismo trouxe desvantagens enormes para as mulheres, que perderam muito do encantamento que exigia do homem gentilezas e admiração. Além do cuidado com o lar e com a preservação da espécie, o trabalho duplicou suas jornadas. Os homens tiveram que ver nas mulheres concorrentes que assumem com sucesso progressivo o mercado de trabalho e, assim, perderam as companheiras. E ambos se viram na contingência de decretar independências e possibilidade de separações.
Curiosamente, percebi que aos trinta anos já tinha resolvido minha posição profissional e o casamento. E rendi graças por ter sido um balzaquiano trinta anos atrás. Quanta pena me dão os balzaquianos e balzaquianas de hoje...

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