Nosso cronista estreou idade nova
semana passada. Por isso, escolhi uma crônica que trata sobre idade para
parabenizá-lo atrasadamente.
BALZAQUIANAS E BALZAQUIANOS, hoje...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Ontem fui arrastado ao teatro. Não pretendia sair de casa,
num esforço para ter preparadas algumas apresentações que farei no exterior.
Foi em vão. Amigos jovens intimaram e não tive como refutar a companhia
agradável, os ingressos comprados, a condução arranjada. Mas, sequer sabia que
peça me aguardava. Surpresa total. Sabia apenas que o tema era de meu gosto.
Como aprecio muitos assuntos, confesso, fiquei tranqüilo. Curioso também e,
assim, logo me entreguei à aventura.
A Casa Laura Alvin tem duas salas de teatro que se
ajustam ao meu gosto: pequenas, bem arranjadas e com boa acústica, sempre com
frequência requintada. Foi um bom começo para ver o monólogo “Agora eu vou
falar” - texto de Victor Garcia Peralta e Rafael Gnone, que interpretava o
dilemático Daniel. É lógico que a história me interessava até por se passar em
uma sala de aeroporto e tratar de um rapaz nos seus trinta anos, tentando
entrar nos Estados Unidos. Os temas percorridos são hilariantes: relações
amorosas, família, casamentos, drogas, amigos... e sobretudo definição
profissional. Divertidíssimo. Muito bem encenada, a peça era conduzida pela
perspectiva masculina. À saída, contudo, fomos para a pizzaria mais próxima e a
conversa versou sobre “ter trinta anos hoje em dia”. E foi muito
engraçado ver como os argumentos se organizaram por gênero.
As mulheres que acompanhavam os dois rapazes e eu logo se
concentraram na apropriação do discurso que polemizava o “casamento”. Os
homens detiveram-se exclusivamente na questão “realização profissional”.
Eu era o mais velho do grupo, aliás, com nada mais nada menos que o dobro da
idade dos demais, alguns ex-alunos. Tentei ficar de fora do debate e me
deliciava entre uma fatia de “napolitana” e matérias tão encandecidamente
assumidas. Ter filhos, ser dona de casa, carregar o sobrenome do marido, eram
assuntos das mulheres que usavam a responsabilidade de ser mulher hoje em dia
como ponto de partida para tudo. Trabalhar era algo quase imposto nas
justificativas femininas. Prestígio, reconhecimento profissional, dinheiro no
bolso e capacidade de prover família, compunha a catilinária masculina, que
tocava no tema casamento só vagamente.
O progresso do debate empolgava a turma até que alguém se
lembrou de mim e sentenciou: e o que o professor acha disso tudo?... Não tive
como evitar a resposta. Silentes, todos me olhavam como se fosse capaz de
esclarecimentos definitivos. Arrisquei com um palpite infeliz: “não se fazem
mais bazaquianos como antigamente”. Olhos se multiplicaram em minha
direção. Tinha que me justificar. Apoiei meus argumentos na marchinha do
carnaval de 1950, Balzaquiana, de Antonio Nássara
e Wilson
Batista, e até cantarolei “Não
quero broto / Não quero, não quero não /Não sou garoto / Pra viver mais de
ilusão /Sete dias da semana / Eu preciso ver minha balzaquiana /O francês sabe
escolher / Por isso, ele não quer/Qualquer mulher / Papai Balzac já dizia
/Paris inteiro repetia / Balzac tirou na pinta /Mulher, só depois dos trinta.
Ao fim, ouvi um insolente “coroa machista”. Mas, gostei dos argumentos
que tive que desenvolver para justificar. Fui mostrando que “tudo mudou muito”,
os papeis sociais são outros agora e a noção de idade sofrera alterações
fundamentais. Antes, ter trinta anos era um ritual de passagem para uma velhice
precoce. Hoje, ter trinta anos é ainda estar entre o casamento e a profissão. O
diagnóstico estava decretado: a juventude física demandava desafios. O
feminismo trouxe desvantagens enormes para as mulheres, que perderam muito do
encantamento que exigia do homem gentilezas e admiração. Além do cuidado com o
lar e com a preservação da espécie, o trabalho duplicou suas jornadas. Os
homens tiveram que ver nas mulheres concorrentes que assumem com sucesso
progressivo o mercado de trabalho e, assim, perderam as companheiras. E ambos
se viram na contingência de decretar independências e possibilidade de separações.
Curiosamente, percebi
que aos trinta anos já tinha resolvido minha posição profissional e o
casamento. E rendi graças por ter sido um balzaquiano trinta anos atrás. Quanta
pena me dão os balzaquianos e balzaquianas de hoje...
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