Quando comentei sobre a segunda temporada de Forbrydelsen, meio que me desculpei por iniciar texto sobre a Dinamarca aludindo ao chavão sobre a podridão no reino nórdico. Desta vez, não preciso, porque Riget foi traduzido como O Reino, onde algo definitivamente está podre e bizarro.
Vi as 2 temporadas da obra televisiva do importante
cineasta Lars von Trier, produzidas em 1994 e 97. O impacto de Twin Peaks, de
David Lynch, é grande e a tendência conservadora do determinismo cínico do
dinamarquês adequa-se perfeitamente ao gênero terror, ao qual a série se filia.
O Reino é o maior hospital dinamarquês, construído
sobre pântanos imemoriais. Microcosmo da península jutlândica, o hospital entra
em caos porque seus médicos – seres patéticos – esqueceram o lado espiritual,
inebriados pela ciência e tecnologia. Tal desleixo, abre os portais do inferno
e uma avalanche de bizarrices é oferecida, num clima cada vez mais aloprado e
sem conclusão, como na série do diretor norte-americano.
Von Trier lança mão de um amontoado de lugares-comuns
das narrativas de horror pra criar uma obra inegavelmente imaginativa. Gestações
demoníacas, fantasma de garota afogada em busca de reparação,
idosa que mantém contato com espíritos, zumbis criados por poção haitiana...
À parte o horror, Riget é puro melodramalhão com fartas
doses de humor “negro” (detesto essa expressão racista, mas ainda não aprendi
outra). A estudante de medicina que vê filmes gore pra tentar vencer o pânico por autópsias, o médico sueco que
odeia a Dinamarca e olha a posição das fezes no vaso sanitário pra verificar
seu estado de saúde, uma confraria de médicos mais obscurantista do que as
superstições que finge combater. Gente estranha, muita esquisitice, que
certamente gera a idéia de “moderno” em observadores de superfície.
Até o coro das tragédias gregas está representado em O
Reino (há tempos, vi sua versão de Medeia, produzida pra TV dinamarquesa, em 87).
Um casal de lavadores de pratos - aparentemente com Síndrome de Down – comenta,
critica e prediz as (situ)ações. Em Twin Peaks não havia um anão que falava de
trás pra frente? Essa noção da pessoa com deficiência inscrita em bizarrice
travestida de rousseaunismo bonselvagista “especial” é de uma caretice atroz!
Filmado em tons sépia, closes microscópicos e câmera
balançante, Riget é boa diversão, especialmente se entendermos que Von Trier é
o resultado potencialmente perigoso de tempos que não crêem em mudanças além do
cosmético e decretaram o fim da História.
Nenhum comentário:
Postar um comentário