segunda-feira, 9 de abril de 2012

CAIXA DE MÚSICA 66


Roça Eletrônica

Há tempos a música eletrônica incorpora ritmos regionais a seu caleidoscópio multicultural. Alguns DJs justapõem uma percussão bate-estaca a um samba e dizem que é fusão. Detesto. Curto mesmo, quando os elementos de electronica estão imbricados com tango, flamenco, salsa ou o que seja.
Lançado aqui e no Japão em fevereiro pelo selo independente Desmonta, Mental Surf, do Psilosamples, é exemplo bem-acabado da vertente mais criativa e excitante de música eletrônica inteligente. Psilosamples é o nome adotado pelo produtor mineiro de Pouso Alegre, Zé Rolê. Da janela lateral de seu quarto de dormir, o Zé da Roça respira sonoridades e ritmos brasileiros e os integra a influências cosmopolitas de drill’n’bass e IDM. No estilo da cultura “faça você mesmo”, Mental Surf é incessante na apresentação de boas ideias misturadoras e competente em sua execução.
Zé mistura sanfona gaúcha (Eterna Criança do Mato), viola caipira (O Príncipe da Roça), samples dos Saltimbancos de Chico Buarque (Ovelha Negra) a beats, beeps e loops que nunca cessam de mudar, jamais caindo na monotonia. Em muitas ocasiões, ele fraciona os elementos violeiros ou sanfonados até transformá-los em mais um elemento pra criar electronica, juntamente com grilos, galos, maritacas e sapos. O resultado disso em Meteorango Kid é fabuloso. Parece que estamos a ouvir uma Banda de Pífanos de Caruaru eletro-atualizada. Afinal, a gente quer ir pro sertão numa Hilux ar-condicionada e não mais em lombo de jegue ou pau-de-arara, né meu amor?
O estilo do Psilosamples lembra um pouco o britânico Aphex Twin, com momentos balançantes, mas não de locomotiva dance. Basta conferir OK, Zé da Roça em que o acordeão introdutório é minimalizado pra virar repetição, mas nunca tédio porque os elementos circundantes são acrescidos e/ou atualizados.
Claro que detectei momentos de puro Kraftwerk, mas daí, o venerável grupo alemão já virou arquétipo eletrônico. Se um Projeto Genoma musical for realizado, qualquer canção eletrônica a partir dos anos 70 trará o cromossomo K1.
E não é que em certos momentos até os conterrâneos do Clube da Esquina vem á cabeça? Difícil não escutar a faixa-bônus Aleluia e deixar de lembrar as novenas e coros infantis dos álbuns setentistas de Milton Nascimento.
Mental Surf não sai de meus ouvidos há uma semana e a variedade de detalhes é tão grande, que sigo descobrindo ruídos, sonoridades e linhas novas.
Zé da Roça participará de festivais eletrônicos em Sampa e Espanha. Cosmopolita sem sair do quintal, Psilosamples começará a ganhar o planeta. Globalizado sem perder a organicidade da “raiz” Mental Surf é um grande álbum.
Exceto pela faixa-bônus, achei as demais no You Tube. 


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