Roça Eletrônica
Há tempos a música eletrônica incorpora ritmos
regionais a seu caleidoscópio multicultural. Alguns DJs justapõem uma percussão
bate-estaca a um samba e dizem que é fusão. Detesto. Curto mesmo, quando os
elementos de electronica estão
imbricados com tango, flamenco, salsa ou o que seja.
Lançado aqui e no Japão em fevereiro pelo selo
independente Desmonta, Mental Surf, do Psilosamples, é exemplo bem-acabado da
vertente mais criativa e excitante de música eletrônica inteligente. Psilosamples
é o nome adotado pelo produtor mineiro de Pouso Alegre, Zé Rolê. Da janela
lateral de seu quarto de dormir, o Zé da Roça respira sonoridades e ritmos
brasileiros e os integra a influências cosmopolitas de drill’n’bass e IDM. No
estilo da cultura “faça você mesmo”, Mental Surf é incessante na apresentação
de boas ideias misturadoras e competente em sua execução.
Zé mistura sanfona gaúcha (Eterna Criança do Mato), viola
caipira (O Príncipe da Roça), samples dos
Saltimbancos de Chico Buarque (Ovelha Negra) a beats, beeps e loops que nunca cessam de mudar, jamais
caindo na monotonia. Em muitas ocasiões, ele fraciona os elementos violeiros ou
sanfonados até transformá-los em mais um elemento pra criar electronica, juntamente com grilos,
galos, maritacas e sapos. O resultado disso em Meteorango Kid é fabuloso.
Parece que estamos a ouvir uma Banda de Pífanos de Caruaru eletro-atualizada. Afinal,
a gente quer ir pro sertão numa Hilux ar-condicionada e não mais em lombo de
jegue ou pau-de-arara, né meu amor?
O estilo do Psilosamples lembra um pouco o britânico
Aphex Twin, com momentos balançantes, mas não de locomotiva dance. Basta
conferir OK, Zé da Roça em que o acordeão introdutório é minimalizado pra virar
repetição, mas nunca tédio porque os elementos circundantes são acrescidos e/ou
atualizados.
Claro que detectei momentos de puro Kraftwerk, mas daí,
o venerável grupo alemão já virou arquétipo eletrônico. Se um Projeto Genoma
musical for realizado, qualquer canção eletrônica a partir dos anos 70 trará o
cromossomo K1.
E não é que em certos momentos até os conterrâneos do Clube
da Esquina vem á cabeça? Difícil não escutar a faixa-bônus Aleluia e deixar de
lembrar as novenas e coros infantis dos álbuns setentistas de Milton
Nascimento.
Mental Surf não sai de meus ouvidos há uma semana e a
variedade de detalhes é tão grande, que sigo descobrindo ruídos, sonoridades e
linhas novas.
Zé da Roça participará de festivais eletrônicos em
Sampa e Espanha. Cosmopolita sem sair do quintal, Psilosamples começará a
ganhar o planeta. Globalizado sem perder a organicidade da “raiz” Mental Surf é
um grande álbum.
Exceto pela faixa-bônus, achei as demais no You Tube.
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