Hoje, publico um texto
escrito há um par de anos por nosso cronista alegre. Ele revela duas coisas: o
segredo de envelhecer bem e a data de seu aniversário!
José Carlos Sebe Bom Meihy
Para meus filhos
CONFIDÊNCIAS FILOSÓFICAS DE
UM VIUVO FRENTE SEU ANIVERSÁRIO
José Carlos Sebe Bom Meihy
Para meus filhos
Nunca entendi bem esta
história de monotonia, rotina, apatia. Não me acho agitado, mas não resisto à
multiplicação de oportunidades que nos seduzem propondo ires e vires. Hoje
temos tantos atrativos, tantos, que algo de muito errado acontece com quem não
exercita a vida na plenitude da modernidade. Uma das virtudes gratas de nosso
tempo é que nunca, como agora, foi possível viajar tão facilmente, aprender com
recursos próximos, nos comunicar até mesmo sem sair de casa. É lógico que
respeito quantos não vêem o mundo como lócus excitante e preferem a reclusão em
si e, na impossibilidade de participar, se fecham. Vendo por outro lado, chego
a pensar que os crentes na reencarnação reconhecem que uma existência só é
pouco. Gente, há tanta coisa para se ver, ouvir, comer, visitar, experimentar
que, recusar tanto apelo é confirmação de que depressão é doença. E apenas nesse
caso a considero, mas mesmo assim como atalho para saídas possíveis.
Vou fazer 65 anos. Idade
grave, creiam. Tenho um pedaço de caminho vivenciado e ainda me restam algumas
léguas à frente. Isso me faz meditar sobre os projetos futuros, mas,
pergunto-me: que são eles sem a experiência do passado? Sou de uma geração que
consagrou em 1967, naquele III Festival da Canção, as palavras de Geraldo
Vandré “com a certeza na frente, a história na mão”, e, em mim, não há
como descrer que o pretérito se faz leito de rio caudaloso como os que se
deságuam em porvir oceânico. Metáfora perfeita da vida, a fonte, ganhar margens
e vencer obstáculos é sínese do existir. Temos, porém, que ser conscientes e
para isso é preciso refletir, levar em conta os momentos significativos de
nossas histórias pessoais. Ortega y Gasset gostava de se valer, referindo-se ao
presente, a expressão “altura dos tempos”. Empresto do importante
filósofo espanhol, legítimo representante do que de melhor a generación del
98 produziu, as mesmas palavras para dizer que contemplando minha vida hoje,
considero com alguma nitidez acertos e erros. E arrolo mais satisfação do que
mágoas. Devo, aliás, contar que no ressentimento reside o pior dos inimigos da
vida e que o antídoto disso é a alegria, única razão permanente da manutenção
da vida. “Fazer tudo com alegria” determinava Montaigne e José Mindlin
acata como o grande segredo da subsistência. Se isso é verdade, sou uma pessoa
feliz. Pelo menos, feliz nos limites de um mundo paradoxal como o nosso. Não
consigo fazer nada bem executado se não houver alguma exultação. A alegria é a
minha alma.
Há, porém uma contradição maldita
entre o acervo de plenitudes angariadas vida afora e a resistência física
determinada pela finitude biológica. Quanto mais vivo, mais quero viver; quanto
mais aprendo, mais vejo que resta saber; quando mais conheço, maiores se
mostram os espaços a serem descobertos. Mas, fatalmente, vem o contrário: o
corpo. Se a experiência rejuvenesce, os tecidos, os músculos, o cabelo ralo,
denunciam renúncias orgânicas. E esse é o problema na altura do resto de meus
dias. Se fazer 65 anos impõe perguntar quais os momentos capitais de minha
vida? Em sendo muitos, quais gostaria de salientar? Mesmo preferindo o silêncio
ou “apagamento” dos instantes árduos – e foram tantos! – de um, curiosamente
não consigo fugir, até por explicador de minha trajetória: a morte da pessoa
amada. Sim, tive que me confrontar com essa fatalidade que se desdobrou em duas
fases: imediatamente e depois de ter aceito a tal sinistra sina. Acho que
envelhecer sem estar perto de quem lhe foi promessa de companhia é algo danado
de ruim. Mas, por outro lado, a história pessoal impôs continuidades e elas
arrastaram para escolhas. Resolver que a vida continuava me foi convite aberto
ao ativismo comprometido na vida de pai e professor. Descobrir – ou redescobrir
– nos outros o que os franceses chamam de “raison d’etre” foi mais do que um
segredo. Repartir a carga amorosa roubada pelo destino e espalha-la para
amigos, companheiros de trabalho e principalmente para familiares e entes
próximos me foi como retraçar o mapa da felicidade possível. E, se mistério eu
tenho, é explicar minha condição humana na busca da alegria. E termino com a
confirmação dada por Vinicius de Moraes e Baden Powell na nascente da bossa
nova “é melhor ser alegre que ser triste/Alegria é a melhor coisa que
existe/É assim como a luz no coração”. Ah! meu aniversário é dia 15 de
março.
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