Nada mais apropriado do que escolher época em que nosso cronista encontra-se na terra de São Jorge pra publicar sua declaração de amor á lua.
COM A CABEÇA NAS LUAS...
COM A CABEÇA NAS LUAS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Uma de minhas melhores lembranças de professor remete ao momento de estreia profissional. Dava aula de Geografia e ao falar dos planetas para uma turma da quinta-série, afirmei que a lua era o único satélite da Terra, que cumpria sua órbita girando em torno de “nós”. Explicava tudo dizendo que ela era atraída pela força dos movimentos combinados de rotação e translação. De forma teatral, articulava ensinamentos com curiosidades e assim explicava que seu tamanho era 49 vezes menor que o do nosso planeta. Confesso que fazia parte de meu esforço didático encantar os alunos e não media esforços para tanto. Ilustrava afirmação com projeções e até apelava para a literatura infantil. Enfim, estava no processo dessa sedução didática quando fui interrompido por uma menininha suavemente impertinente, daquelas que se sentam na primeira fileira. Ela, com voz de anjo caído do altar, perguntou-me: “professor, me diga quem mediu o tamanho da lua para fazer a comparação.” Fiquei atônito. Precisei responder “te explico na próxima aula”. Tive que estudar complicadas regras de avaliação de corpos celestes, massas em movimento... Mas, de todo jeito, a lua sempre me encantou. Vivi a fase “a lua é dos namorados”, do “banho de lua”, da “lua de São Jorge” – ah! como gosto de pensar que São Jorge existe e está lá com seu cavalo matando o dragão. Devo também dizer que meu soneto favorito é aquele de Alphonsus de Guimarães, anunciando certa Ismalia que enlouqueceu ao ver “uma lua no céu e outra no mar”. Entre meus filmes favoritos está “Feitiço da Lua” (Moonstruck) do diretor Norman Jewison, com Cher e Nicolas Cage que conta a história de uma viúva às voltas com súbita paixão pelo futuro cunhado que acabou por leva-a, suburbana que era, à ópera.
Além de inspirações outras, lunares todas, sempre me vêm à mente uma referência que volta e meia convoca minha perplexidade analítica: por que será que próximos meus ao ouvirem comentários sempre sentenciam “você vive mesmo com a cabeça na lua”. Sabe? É verdade! Meditando sobre a insistência disso, filtrei as duas melhores lendas sobre o fascínio dela em minhas noites pessoais. Uma decorre da tradição árabe das “duas luas”. Dizia-se que um dia há de chegar quando, ao mesmo tempo duas luas, lindas e cheias, derramando brilhos excessivos, gerarão novas constelações que vão repontar no céu. Os fundamentos desse desbaratado devaneio remetem à suposição de que uma segunda lua, advinda de outro planeta, vai se despregar dele para tanger nosso céu. Segundo tal preceito, as duas luas disputarão os olhares dos povos que ficarão divididos entre explicações complicadas, maldição ou benção, e haverá até espaço para os loucos que, em delírio poético, ficarão em êxtase absoluto. A outra referência, lindíssima, diz do mito do “quinto quarto”, ou seja, de um instante de feitiço pleno, de caso em que tudo é inversão da rotina. Nesse instante único, tempo de uma fase que aconteceria de milhões a milhões de anos, a paz, harmonia e felicidade se transbordariam em plenitudes. Seria essa ocasião mágica, telúrica, que marcaria a memória de gerações que passariam a esperar tal evento a ser recebido como graça.
Por certo, há avessos dessas menções poéticas. A lua dos lobos maus, dos boitatás, dos sacis assustadores, dos sedutores botos, das almas do outro mundo também atormenta. De todas, porém, a que mais aterroriza é a lua dos vampiros que, perdidos nas escuridões, nas noites de plenilúnio, saem à procura de vítimas. Valho-me do sucesso dessa combinação para pensar na eternidade da ligação da lua mandingueira com a alteração do perfil dos agentes do mal. Na pendular relação entre o bem e o mal, os vampiros pós-modernos têm insistido na alternativa do antídoto, ou seja, em vez de arrastar amados para o mundo misterioso dos contaminados pelo vírus da fatalidade, eles se apaixonam pelas vítimas e tendem a se humanizar. Lindo, não? Certamente, a metamorfose do status dos vampiros é mutante, mas, o que não se altera é a relação com a lua.
Pensando nessas tolices todas, entre as luas inspiradoras e as que atormentam, faço minhas escolhas. Gosto das luas boas que iluminam noites e, principalmente, conforta-me saber que há ciclos que cumprem rotas. É bom garantir que a sucessão de fases sempre há de regenerar a lua cheia de nossos sonhos.
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