Sim, nós podemos
Por Fellipe Carrasco | Fotos Arquivo Pessoal/
Aos 21 anos, Nathalia Blagevitch Fernandez voltou ao Brasil no dia 4 de abril, após passar uma breve temporada participando de um intercâmbio estudantil nos Estados Unidos. Ela define sua viagem como uma lição de vida, na qual aprendeu a conviver melhor com suas limitações. Isso porque, além das dificuldades que qualquer um encontra nesse tipo de empreitada, Nathalia tem paralisia cerebral de nascença. “Consegui perceber o que era mesmo deficiência e o que fazia parte do meu psicológico. As barreiras que eu mesma me impunha. Amei a experiência.”
Nathalia foi sozinha. Ficou uma semana na condição de turista e 32 dias como estudante, cursando Inglês na ELS, que fica no College of Southern Nevada, na cidade de Las Vegas. Passou por algumas dificuldades. “Costumo dizer que lá onde vivi esse período existe quase que total acessibilidade arquitetônica, mas não há acessibilidade pessoal. As pessoas, em sua maioria, são frias e não ajudam.”
O projeto povoava a mente de Nathalia havia algum tempo. “Há três anos surgiu a ideia de fazer intercâmbio, mas não tinha segurança. Uma amiga de faculdade (ela cursa Direito na Faap) queria ir para o Texas. Um dia, por intermédio dela, conheci um representante do Student Travel Bureau (STB) e manifestei meu interesse.”
Depois de alguns meses, a estudante recebeu a informação de que seu destino seria a casa de uma família em Las Vegas. “A princípio, não gostei do lugar, mas era o único que tinha surgido. Conheci a família via Skype e conversei muito com os integrantes. Adorei e achei que eles também tivessem gostado de mim. Resultado: topei. Comprei a passagem e viajei. Visitei a família e mudei num sábado. A aulas começariam na segunda-feira seguinte.”
Os problemas de Nathalia começaram neste momento. “No mesmo dia em que mudei, todos saíram e me deixaram sozinha durante mais de três horas. Eu preciso de ajuda para algumas tarefas. Tinha uma escada que dava acesso à cozinha e não conseguia chegar lá.”
As dificuldades prosseguiram. Não aguentava mais lá e queria mudar de moradia.” Ela conseguiu. “Fui para uma residência estudantil. Morei com duas meninas, uma da Coreia do Sul e uma do Japão. Foi ótimo, pois tive contato com uma mistura cultural muito enriquecedora, embora elas gostassem de comer cachorros”, brinca Nathalia.
Na escola, a situação estava melhor para Nathalia. “Conheci uma aluna brasileira que foi o anjo da guarda na minha história. Ela me ajudava muito, pois se você não estabelecer algumas parcerias, as coisas ficam difíceis.”
A estudante revela que a maioria das dependências era acessível. “O problema é que uso uma scooter para me locomover. Um dia fui sair da sala de aula e não consegui. Pedi à professora que segurasse a porta para mim e ela simplesmente disse “não”. Foi chamar alguém para me ajudar. Mais uma vez tive de aprender a lidar com minha deficiência, com um idioma diferente e com a frieza das pessoas. Mas tudo foi uma experiência positiva.”
Ela conta que teve contato com outros alunos com deficiência e uma professora que dava aulas com seu cão-guia.
Ao final da aventura, o balanço foi muito positivo, segundo Nathalia. “Recebi vários e-mails de pessoas falando da minha superação e mensagens de professores contando como foi a experiência de dar aulas para mim. Gostei tanto que pretendo participar de um novo intercâmbio. Mas em outro país. Estou pensando na Espanha.”
Nathalia está preparando um livro. Pretendo contar toda a minha trajetória até chegar nesse desafio que foi a viagem aos Estados Unidos.
Para realizar seu objetivo, Nathalia contou com o auxílio do consultor do Henrique Bucheri. Ele conta como viu a iniciativa. “No início foi um desafio, mas no decorrer do processo, apesar das limitações, a família da Nathalia demonstrou coerência, o que contribuiu bastante para o STB buscar um destino, uma escola e acomodações que se adaptassem à realidade dela. Tivemos uma grande colaboração da instituição ELS, que contribuiu para que o intercâmbio se realizasse. Saber que a Nathalia conseguiu realizar um sonho foi muito gratificante e para mim também foi uma grande experiência.”
Bucheri ressalta que tudo saiu como foi planejado. “Inclusive, quando a Nathalia optou por trocar de acomodação, a mudança foi imediata. Acompanhamos diariamente o processo de adaptação e ficamos tranquilos quanto ao cuidado que a escola teve e a atenção que lhe foi dada durante todo o período.
Para Fátima Alves, fonoaudióloga e psicomotricista, a inclusão praticada mais cedo no âmbito da Educação ajuda para o estímulo ao estudo e para o desenvolvimento desses alunos. “Essa prática colabora para o sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular, dando possibilidades de se conseguir progressos significativos. A adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes é essencial para atingir esse sucesso. Essa adequação deve privilegiar o desenvolvimento dos alunos e a superação dos limites intelectuais, motores ou sensoriais.”
Fátima acredita que todo aluno consegue aprender. “Uma aprendizagem de qualidade e o alcance de uma autonomia pedagógica podem acontecer a partir do momento que esse aluno se sinta acolhido, ouvido e acreditado. Integra grupos que o fazem crescer e acreditar em seu potencial. Os sentimentos da família, dos amigos são fundamentais. Tudo isso o entusiasma a crescer e alcançar possibilidades diversas.” Isso pode explicar o sucesso de Gabriel e Nathalia, na visão da especialista.
Atualmente, Fátima Alves é professora de pós-graduação em Psicomotricidade da Unipli, de pós-graduação presencial e da Licenciatura a distância em Pedagogia da AVM Faculdade Integrada. É autora de livros.
Lou de Olivier, psicopedagoga, psicoterapeuta e especialista em Medicina Comportamental, acredita que alguns distúrbios dificilmente permitem o aprendizado, especialmente se não forem tratados de forma adequada.
http://revistasentidos.uol.com.br/inclusao-social/70/artigo258497-2.asp
Por Fellipe Carrasco | Fotos Arquivo Pessoal/
Gabriel e Nathalia mostram que é possível superar a deficiência e realizar o sonho de estudar
A inserção das pessoas com deficiência na vida escolar sempre foi um desafio para pais e educadores. No entanto, felizmente, podemos observar histórias de sucesso na formação desse segmento, com a inclusão praticada desde cedo no âmbito da Educação. O estímulo precoce é uma das ferramentas fundamentais para que se alcance êxito nessa missão.
No esporte, Gabriel fez exames e conseguiu se graduar na faixa preta de taekwondo
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Um exemplo é o caso de Gabriel Almeida Nogueira. Aos 24 anos, ele tem síndrome de Down e acabou de superar um grande obstáculo em sua vida: ingressou na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde é aluno do primeiro semestre de Teatro.
Gabriel é filho de Joseane da Silva Almeida, arquiteta da prefeitura de Pelotas e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Católica de Pelotas. O pai, José Carlos Brod Nogueira, também é arquiteto e professor no Centro de Artes de Pelotas.
Joseane não acredita que o fato de ambos abraçarem o ofício do magistério tenha influenciado nas escolhas que fizeram em relação ao rumo da educação do filho. “Nos tornamos professores após o nascimento do Gabriel. O aspecto principal, efetivamente, foi optarmos por uma perspectiva melhor no sentido de que ele tivesse uma educação inclusiva. Nosso filho sempre estudou em escolas regulares, pois achamos que ele precisava acompanhar o conteúdo curricular das instituições convencionais”, conta.
O caminho foi longo até a universidade. “Observamos que as entidades direcionadas a pessoas com Down que existiam na época não davam conta disso. Exploravam apenas estímulos específicos para a deficiência. Isso, na nossa visão, acabava limitando o universo da criança. A partir daí, depois de muita investigação, descobrimos, em Porto Alegre, o Centro Lydia Coriat, que é uma espécie de filial da entidade de mesmo nome em Buenos Aires. Lá, os profissionais trabalham com um método que se encaixava em nossas expectativas. Eles estimulam precocemente, não o lado físico da criança, mas o intelectual. No início conversaram bastante conosco e nos orientaram a colocar o Gabriel em escolas regulares desde pequeno”, relembra Joseane.
Com relação à escolha do curso universitário, Joseane explica que a decisão foi exclusivamente do filho. “Gabriel sempre teve consciência de suas limitações e das implicações que a síndrome traria a sua vida. Por isso, nunca teve vontade de fazer cursos que seriam muito mais difíceis ou inviáveis. Olhou a lista oferecida pela Universidade Federal de Pelotas, pensou e optou por teatro de uma forma muito pessoal e tranquila, sem ser direcionado pelos pais.” O fato de a irmã mais nova, Isabela Nogueira ter entrado na Faculdade de Jornalismo também entusiasmou o rapaz.
Gabriel adora o palco. Além da vocação teatral, participa, desde 2005, de um grupo de dança com pessoas com Down. Outra experiência na área artística foi um papel no filme City Down - A História de um Diferente. “É uma ficção, que conta como é a vida dos moradores de uma cidade onde todos são pessoas com síndrome de Down, exceto uma. Ele achou a experiência maravilhosa. A coisa da atuação sempre esteve presente na vida dele”, revela a mãe do ator.
O esporte também se faz presente na vida de Gabriel. Ele é faixa preta de taekwondo. “Essa modalidade auxilia no domínio e na estimulação do corpo, além de ajudar na disciplina. Todos esses fatores são muito importantes para a atuação no teatro”, observa Joseane.
Joseane, Isabela, Gabriel e José Carlos: família se une para festejar os progressos do rapaz
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Gabriel adora o que faz. Já se sente totalmente adaptado ao curso. “ Fiz muitos amigos. Logo que entrei, aconteceu uma festa de boas- vindas, com várias brincadeiras. Sempre me liguei em teatro, tanto que participei de peças no colégio. Gosto de todas as disciplinas, mas minhas preferências são História do Teatro, Improvisação Teatral e Expressão Corporal.
Com desenvoltura, Gabriel fala de suas experiências cinematográficas. “Participei de City Down e foi muito bom. Tenho uma amiga chamada Talita, que mora em Florianópolis. Agora, ela está preparando um documentário com minha participação. Chama-se Um Olhar Diferente sobre as Coisas”.
Nada parece obstáculo para Gabriel, mesmo na vida amorosa. “Namoro há dois anos com Tamires da Silva Gouveia”. Segundo a mãe, é a segunda namorada do filho. E os planos são ambiciosos, mas sempre com os pés no chão. “Pretendo casar e ter uma família. Mas só depois de me formar e seguir a carreira de ator”, projeta o rapaz.
Aprendizado
Marina de Oliveira é coordenadora do Colegiado do curso e também professora de História do Teatro. Ela conta que o desafio de ter como aluno uma pessoa com síndrome de Down é instigante. “Estamos muito motivados a aprender com o Gabriel. A presença dele, sem dúvida, faz com que os outros trabalhem com a perspectiva da diferença. É um exercício excelente. Para todos nós é uma grande novidade. Por isso, recorremos ao auxílio de profissionais especialistas na doença. Fizemos reuniões para trocar ideias. Foi bastante positivo.” O curso é noturno e tem quatro anos.
Marina de Oliveira é coordenadora do Colegiado do curso e também professora de História do Teatro. Ela conta que o desafio de ter como aluno uma pessoa com síndrome de Down é instigante. “Estamos muito motivados a aprender com o Gabriel. A presença dele, sem dúvida, faz com que os outros trabalhem com a perspectiva da diferença. É um exercício excelente. Para todos nós é uma grande novidade. Por isso, recorremos ao auxílio de profissionais especialistas na doença. Fizemos reuniões para trocar ideias. Foi bastante positivo.” O curso é noturno e tem quatro anos.
A professora aguarda com expectativa como será o desenvolvimento de Gabriel ao longo do curso. “Acredito que a gente vai descobrir junto. Por enquanto, está ótimo. Contudo, o tempo vai nos dizer quais as necessidades que surgirão. A avaliação do MEC prevê que não se deve reduzir o grau de exigência para pessoas com deficiência. O importante é que haja uma flexibilização, principalmente na forma de avaliar. Nesse aspecto, podemos mudar, dependendo da facilidade do aluno, ou na forma escrita ou oral.”
Gabriel ingressou no terceiro grau por intermédio de uma seleção do Programa de Avaliação da Vida Escolar (Pave). A iniciativa prevê a análise do histórico do aluno, além de uma prova ao final dos três anos do Ensino Médio. O pretendente não pode ser reprovado. No caso do Curso de Teatro da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), que oferece 50 vagas, 10% (cinco) podem chegar à universidade via Pave. É um curso novo. Criado em 2008, a primeira turma vai se formar no final deste ano.
Nathalia foi sozinha. Ficou uma semana na condição de turista e 32 dias como estudante, cursando Inglês na ELS, que fica no College of Southern Nevada, na cidade de Las Vegas. Passou por algumas dificuldades. “Costumo dizer que lá onde vivi esse período existe quase que total acessibilidade arquitetônica, mas não há acessibilidade pessoal. As pessoas, em sua maioria, são frias e não ajudam.”
O projeto povoava a mente de Nathalia havia algum tempo. “Há três anos surgiu a ideia de fazer intercâmbio, mas não tinha segurança. Uma amiga de faculdade (ela cursa Direito na Faap) queria ir para o Texas. Um dia, por intermédio dela, conheci um representante do Student Travel Bureau (STB) e manifestei meu interesse.”
Depois de alguns meses, a estudante recebeu a informação de que seu destino seria a casa de uma família em Las Vegas. “A princípio, não gostei do lugar, mas era o único que tinha surgido. Conheci a família via Skype e conversei muito com os integrantes. Adorei e achei que eles também tivessem gostado de mim. Resultado: topei. Comprei a passagem e viajei. Visitei a família e mudei num sábado. A aulas começariam na segunda-feira seguinte.”
Os problemas de Nathalia começaram neste momento. “No mesmo dia em que mudei, todos saíram e me deixaram sozinha durante mais de três horas. Eu preciso de ajuda para algumas tarefas. Tinha uma escada que dava acesso à cozinha e não conseguia chegar lá.”
As dificuldades prosseguiram. Não aguentava mais lá e queria mudar de moradia.” Ela conseguiu. “Fui para uma residência estudantil. Morei com duas meninas, uma da Coreia do Sul e uma do Japão. Foi ótimo, pois tive contato com uma mistura cultural muito enriquecedora, embora elas gostassem de comer cachorros”, brinca Nathalia.
“Consegui perceber o que era mesmo deficiência e o que fazia parte do meu psicológico”
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A estudante revela que a maioria das dependências era acessível. “O problema é que uso uma scooter para me locomover. Um dia fui sair da sala de aula e não consegui. Pedi à professora que segurasse a porta para mim e ela simplesmente disse “não”. Foi chamar alguém para me ajudar. Mais uma vez tive de aprender a lidar com minha deficiência, com um idioma diferente e com a frieza das pessoas. Mas tudo foi uma experiência positiva.”
Ela conta que teve contato com outros alunos com deficiência e uma professora que dava aulas com seu cão-guia.
Ao final da aventura, o balanço foi muito positivo, segundo Nathalia. “Recebi vários e-mails de pessoas falando da minha superação e mensagens de professores contando como foi a experiência de dar aulas para mim. Gostei tanto que pretendo participar de um novo intercâmbio. Mas em outro país. Estou pensando na Espanha.”
Nathalia Fernandez diz que aprendeu muito com a viagem de intercâmbio aos Estados Unidos |
Para realizar seu objetivo, Nathalia contou com o auxílio do consultor do Henrique Bucheri. Ele conta como viu a iniciativa. “No início foi um desafio, mas no decorrer do processo, apesar das limitações, a família da Nathalia demonstrou coerência, o que contribuiu bastante para o STB buscar um destino, uma escola e acomodações que se adaptassem à realidade dela. Tivemos uma grande colaboração da instituição ELS, que contribuiu para que o intercâmbio se realizasse. Saber que a Nathalia conseguiu realizar um sonho foi muito gratificante e para mim também foi uma grande experiência.”
Bucheri ressalta que tudo saiu como foi planejado. “Inclusive, quando a Nathalia optou por trocar de acomodação, a mudança foi imediata. Acompanhamos diariamente o processo de adaptação e ficamos tranquilos quanto ao cuidado que a escola teve e a atenção que lhe foi dada durante todo o período.
Para Fátima Alves, fonoaudióloga e psicomotricista, a inclusão praticada mais cedo no âmbito da Educação ajuda para o estímulo ao estudo e para o desenvolvimento desses alunos. “Essa prática colabora para o sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular, dando possibilidades de se conseguir progressos significativos. A adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes é essencial para atingir esse sucesso. Essa adequação deve privilegiar o desenvolvimento dos alunos e a superação dos limites intelectuais, motores ou sensoriais.”
Fátima acredita que todo aluno consegue aprender. “Uma aprendizagem de qualidade e o alcance de uma autonomia pedagógica podem acontecer a partir do momento que esse aluno se sinta acolhido, ouvido e acreditado. Integra grupos que o fazem crescer e acreditar em seu potencial. Os sentimentos da família, dos amigos são fundamentais. Tudo isso o entusiasma a crescer e alcançar possibilidades diversas.” Isso pode explicar o sucesso de Gabriel e Nathalia, na visão da especialista.
Atualmente, Fátima Alves é professora de pós-graduação em Psicomotricidade da Unipli, de pós-graduação presencial e da Licenciatura a distância em Pedagogia da AVM Faculdade Integrada. É autora de livros.
Lou de Olivier, psicopedagoga, psicoterapeuta e especialista em Medicina Comportamental, acredita que alguns distúrbios dificilmente permitem o aprendizado, especialmente se não forem tratados de forma adequada.
http://revistasentidos.uol.com.br/inclusao-social/70/artigo258497-2.asp
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