Roberto Rillo Bíscaro
1972: uma banda de folk progressivo lançou ambicioso álbum conceitual com apenas uma faixa. Na era em que tínhamos que mudar o vinil de lado, o grupo resolveu a questão colocando som de vento no final do lado A e no começo do B pra fingir que era fim e começo de música. Fracasso comercial? Pelo contrário, Thick as a Brick, dos escoceses do Jethro Tull não apenas se tornou pedra lapidar do movimento prog, como alcançou o topo da resistente parada norte-americana. Outros tempos...
Os 44 bombásticos minutos da canção-álbum são recheados
de instrumentos e variações de ritmo e andamento. Ian Anderson – líder
inconteste do Jethro – gaba-se de que o projeto é uma paródia aos
meagalomaníacos álbuns conceituais de bandas prog, como o Yes. Só que em 72, o
grupo de Jon Anderson ainda não lançara álbum conceitual. Pode até ser paródia,
mas a menção ao Yes – se não for invenção da imprensa – é farpa de diva.
Ian Anderson criou uma personagem, o garoto-prodígio
Gerald Bostock, que, aos 8 anos, ganhou um concurso literário com intrincado
poema épico, pra em seguida ser desclassificado devido a seus supostos
problemas mentais. A letra de Thick as a Brick seria o poema desse “pequeno
Milton” (alusão a John Milton, de Paradise Lost), adaptada pela banda. Pra
completar o pacote, a capa do álbum era uma réplica dum jornal de interior,
contando a história do garoto, do uso de seu poema pela banda etc. Tudo com
fotos e anúncios.
Monumental, Thick as a Brick, traz um Ian Anderson
caprichando nas letras e incendiando na guitarra e na flauta, tocada ao vivo
com o músico apoiado numa única perna. Com sua barba e cabelo fartos, parecia o
Tom Bombadil, de Tolkien.
A era do CD pôs fim à inconveniência de lados A e B e
podíamos ouvir a faixa-álbum em sua grandeza ininterrupta. O mesmo pode ser
feito via You Tube, onde Thick as a Brick encontra-se integral:
Anderson se perguntou o que teria acontecido ao agora cinquentenário
Gerald Bostock e bolou possibilidades, exploradas ao longo das 17 faixas de
TAAB 2. A multiplicidade temática determinou a picotagem da forma, afinal agora
é o narrador falando de diferentes Geralds e não mais o poema do menino.
Gerald pode ter se tornado um banqueiro ganancioso, um
homossexual sem teto, um combatente na guerra do Afeganistão, um pastor
evangélico dinheirista ou o dono duma pequena loja. Mais pro final do álbum,
essas identidades se (con)fundem, pra revelar seu denominador comum: a solidão.
Na metade de sua sexagenaridade, Anderson cria um futuro
desiludido pro pobre Gerald. Musicalmente, o roqueiro também está bem menos
bombástico, embora TAAB 2 não descambe pra sacarinose. Pelo contrário, há
ótimos momentos de duelo entre flauta e guitarra, só que agora, o tom é mais
soft rock. As referências de música folk inglesa e música erudita também
continuam lá.
TAAB 2 começa onde Thick as a Brick terminara em termos
de melodia. É realmente como se ouvíssemos a continuação da obra. E acaba com
os mesmos versos do início do primeiro, com o acréscimo dum discreto “two”.
Pra completar o pacote, novo jornal fictício de província foi criado, inclusive com a notícia
de que uma “velha estrela do rock” abriria um show no ginásio da pequena cidade.
TAAB 2 provavelmente não angariou muitos novos fãs pra
Ian Anderson e até desagradou alguns velhos admiradores que esperavam um álbum
tão exuberante como o de 72. Muito pouco realista querer que alguém permaneça
igual depois de 40 anos, quando nós mesmos mudamos tanto.
Longe de ser básico como o álbum do apogeu do Jethro,
TAAB 2 demonstra que Ian Anderson ainda tem muita lenha pra queimar.
Ouçam-no
na íntegra::
Nenhum comentário:
Postar um comentário