Em 2009, postei artigo da agência Reuters, que falava
sobre o status privilegiado das pessoas com albinismo na etnia Kuna (Cuna),
habitantes da costa atlântica panamenha. Leia aqui.
Recentemente,
encontrei um artigo da fotojornalista Marjorie Vandervelde, que traz
informações algo distintas.
Escrito há
quase 40 anos e ainda utilizando o termo “primitivo” pra se referir aos Cunas,
há que se tomar o texto com certa cautela.
De qualquer
modo, como o blog pretende ser um arquivo sobre o tema albinismo, decidi
traduzi-lo e publicá-lo.
O original
em inglês – com diversas fotos, pode ser acessado aqui.
Os Filhos da Lua das Ilhas San Blas
Marjorie Vandervelde
Tradução: Roberto Rillo Bíscaro
Quem visita as Ilhas San Blas, na costa atlântica do
Panamá, surpreende-se com a alta incidência de pessoas com albinismo (PCA)
entre os índios Cuna, que lá habitam. Esses indivíduos de pele branca (ou
amarelada) sobressaem-se entre seus parentes de pele morena. Os albinos são
chamados de filhos da lua, seguindo a teoria de que um ou ambos os progenitores
tenham olhado demais para a lua durante a gravidez.
Fui informada de que há cerca de 2 PCAs para cada 100
habitantes Cunas. Para se ter uma ideia do significado de porcentagem tão alta,
nos EUA o albinismo ocorre em um em cada 10.000 nascimentos.
Na primitiva sociedade Cuna, as PCAs causam problemas de
ordem social, de saúde e psicológica. Como visitante e hóspede frequente dos
Cunas de San Blas, observei esses índios “brancos” e seus problemas.
Um dos primeiros turistas a visitar a primitiva tribo
Cuna foi Cristovão Colombo, em sua quarta viagem ao Novo Mundo. Os índios foram
descritos como canibais selvagens, com uma população que beirava os 700 mil e
ocupava, grosso modo, uma faixa do que hoje é o Panamá, ao longo da costa
atlântica. Como os Cunas conheciam fontes auríferas, logo caíram em mãos brutais
de caçadores de fortuna, que prontamente reduziram a população indígena par
cerca de 10 mil. Os remanescente fugiram para s montanhas e apenas durante o
século XIX atreveram-se a descer e povoar as ilhas próximas á costa.
Desde então, sua população saltou para mais de 20 mil,
muitos dos quais ainda suspeitam de forasteiros. Eles são determinados em
manter seu isolamento e cultura. Em 1925, eles afiaram seus machados e os
usaram naqueles que se atreveram a sugerir às mulheres que deixassem de usar
argolas no nariz (símbolos religiosos tradicionais).
Tradicionalmente, a saúde dos Cuna tem estado nas mãos
dos curandeiros da tribo, que se utilizam de ervas e magia negra. Essa é a
situação geral, embora um punhado de educadores Cunas progressistas lancem mão
de certos remédios modernos. Às vezes, os pacientes desses últimos são os
próprios curandeiros!
Quando uma mulher engravida, ele imediatamente se
dirige ao curandeiro – sua primeira preocupação é evitar dar a luz a um filho
da lua. Um dos medicamentos preventivos é o carvão, usado internamente em
grandes quantidades!
As PCAs da tribo não são uma minoria abusada, mas é
óbvio que carregam deficiências indesejáveis. Sua pele não pigmentada está
sujeita a irritações de todo tipo. Arranhões e picadas de inseto produzem
feridas. Os raios intensos do sol tropical são quase insuportáveis, mantendo
albinos de todas as idades em suas cabanas de sape, durante metade do dia.
Adultos podem achar essa cruz não tão pesada de se carregar, mas o confinamento
dá às crianças um estoque de energia reprimida, que explode assim que o sol do
fim da tarde permite. Todas as noites, eu observava jovens PCAs correndo nas
trilhas de terra entre as cabanas para extravasar a energia.
Nota-se que os Cunas albinos têm, de modo geral, melhor
estrutura óssea e são menos robustos do que seus irmãos e irmãs de pele morena.
A pele macia torna-se manchada. O curandeiro procura anti-irritantes entre suas
coisas e na floresta continental, para tratar casos avançados de câncer de
pele. Por terem menor massa muscular, os albinos são dispensados da maior parte
do trabalho pesado em fazendas no continente e em cooperativas. Eles fazem
cestos e outras tarefas sedentárias. A falta de combate à fraqueza muscular é
prejudicial aos albinos, embora indique uma abordagem simpática aos problemas
das PCAs.
Os rituais Cuna de puberdade – sinais de casamento
iminente para qualquer garota morena – significam pouco para s PCAs,
sistematicamente rejeitados pelo sexo oposto. Houve época em que a lei tribal
proibia-os de se casarem. Desse modo, há poucas histórias desse tipo de união
para serem estudadas. Recentemente, todavia, algumas PCAs têm se casado.
Fica claro que os adereços alegres que tanto encantam
as Cunas de pele morena, também são usados pelas albinas. Quando uma garota
albina nasce, seu nariz é furado para que a argola de ouro seja colocada.
Primeiro, uma argola pequena, a qual é trocada por maiores e mais pesadas
conforme a garota cresce. Mulheres usam brincos que podem ser tão grandes
quanto pires, além de grandes pulseiras e tornozeleiras de contas. Há muitos
colares de contas, dentes de animais e moedas. As blusas mola – apliques intrincados feitos à mão – são verdadeiras obras de
arte. Nenhum desses ornamentos é negado às meninas com albinismo. Claro que a
quantidade usada depende das condições econômicas familiares.
Os Cunas acreditam que os misteriosos albinos estão
intimamente ligados ao mundo espiritual, sobre o qual exercem alguma influência.
Os Cunas atribuem esse poder ao fato de as PCAs pecarem menos do que as de pele
escura. Pode haver algum fundamento nessa teoria, uma vez que crime agressivo e
baixa vitalidade não caminham de mãos dadas.
O número de PCAs assassinados pelas parteiras e
enterrados sob as redes de suas mães jamais será conhecido. Isso tem sido
considerado como um ato de caridade e não se fala a respeito.
Considerando-se a atitude hostil de certos Cunas, não
surpreende que tão pouca pesquisa sobre as PCAs tenha sido realizada em San
Blas. Entretanto, ao longo dos anos, o geneticista Clyde Keeler tem sido amigo
dos Cuna. A confiança ganha permitiu-lhe fazer alguns estudos.
Em 1963, ele levou 6 PCAs e 6 não-albinos (grupo de
controle) para fazerem testes nos EUA. Sem entrar nos detalhes técnicos, os
resultados gerais foram: o peso dos albinos em geral era quase 10% menor do que
o dos não-albinos; a altura média era 3cm mais baixa entre as PCAs. Os olhos
dos albinos são míopes; a voz é mais fraca e menos ressonante. A pele albina
desenvolve grandes sardas e lesões provocadas pelo sol. Exposição continuada á
luz solar causa hipertrofia da pele, exceto sob as sardas, que são profundas. Os
albinos levam vidas anormais (sic), restringidos em diversas áreas da cultura.
Partindo dessa base, mais informações vem sendo
adquiridas ocasionalmente.
Havia mais filhos da lua em San Blas há uma ou duas
décadas porque o chefe Nele Kantula decretara que os bebês albinos deveriam ser
mantidos. As PCAs estão mais próximas de Deus, declarou, e em melhores termos
com o divino. Consequentemente, estariam em melhor posição para ajudr os
não-albinos espiritualmente. Mas, desde a morte daquele chefe, o número de
Filhos da Lua vem diminuindo, em parte devido à retomada de práticas
infanticidas.
Por
séculos, os Cunas têm permanecido parados no tempo. Mas, seu isolamento está se
deteriorando agora. Das mais de 300 ilhotas, cerca de 50 são habitadas. Duas
delas agora possuem pequenos hotéis, que podem ser alcançados por vôos
provenientes do Panamá. Se você se hospedar em um deles, provavelmente será
atendido por um Filho da Lua Cuna.
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