Qual pessoa com albinismo já não experimentou bullying? Por isso, o artigo baixo da Revista Pátio é oportuno pra educadores e bullynados em geral.
O que a escola deve saber e fazer para deter o bullying
Cléo Fante
Os valentões estão por toda parte à espreita de um alvo ideal para agredir, manipular, dominar — nas famílias, nas empresas, nas escolas, nos mais diversos contextos sociais. O desejo de poder, aceitação e status social no grupo somado à ausência de limites, respeito, tolerância e empatia têm produzido em larga escala a violência contra determinadas pessoas ou grupos. No entanto, por falta de conhecimento ou precipitação, muitos estão relacionando tais comportamentos ao bullying, sejam atos de opressão e agressão, críticas sobre atuação de atletas, artistas e políticos, sejam problemas familiares, ambientais e estruturais.
Bullying não é isso que muitos insistem em divulgar. A generalização tem comprometido o entendimento do fenômeno e, por conseguinte, sua identificação, acompanhada de intervenção e procedimentos adequados.
Portanto, não se deve confundir com bullying a ação dos valentões no meio familiar, sendo esta tipificada como violência doméstica ou intrafamiliar. O mesmo ocorre em relação ao ambiente laboral, onde a ação dos valentões é tipificada como assédio moral. Ações agressivas ou violentas contra grupos específicos podem ser exemplificadas como xenofobia, homofobia, cristofobia, etc.
No ambiente escolar não é diferente. O termo bullying também vem sendo utilizado nas mais diversas situações que envolvem docentes e discentes. Não raro, é empregado em situações de indisciplina, conflitos, desacato ao professor, brincadeiras inconsequentes ou inconvenientes, incivilidades, depredações e pichações de prédios e até mesmo quando determinados alunos são corrigidos ou disciplinados pelos profissionais da escola.
Esse termo deve ser empregado para exemplificar comportamentos agressivos ou violentos entre pares, independentemente de estarem iniciando a escolaridade ou concluindo a universidade. A definição amplamente aceita diz que tal prática compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e sofrimento, sendo executadas em uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima.
Embora sua identificação seja mais comum no ambiente escolar, também ocorre em outros espaços fora da escola frequentados pelos jovens, como ambientes virtuais, escolas de idiomas, de futebol, academias, shopping centers, clubes e condomínios residenciais, entre outros. Se o bullying não for compreendido, tenderá a se tornar um problema social de difícil solução, como vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde já é considerado pelas autoridades americanas como uma grave crise e classificado pelas entidades de defesa dos direitos humanos como um problema sem solução.
Identificar o bullying entre os alunos não é tarefa simples, por se tratar de uma forma de violência bastante específica. Muitas vezes, os ataques não podem ser visualizados, ou seja, são desprovidos de materialidade, e as vítimas não têm como comprová-los, o que gera incompreensões e inconformismos. O autor pode utilizar formas mais veladas e silenciosas, como gestos, olhares, expressões fisionômicas, bilhetes com mensagens humilhantes ou ameaçadoras, além dos ataques virtuais, que costumam ocorrer onde não há a supervisão dos adultos.
Os estudos internacionais têm demonstrado que os meninos são os maiores praticantes de bullying, utilizando-se mais da agressão direta, física e verbal, enquanto as meninas utilizam-se da agressão indireta, por meio de ofensas morais e exclusão social. Outra diferença que deve ser destacada é que as meninas costumam atacar em grupos, enquanto os meninos agem individualmente. Em geral, há uma “líder ou mentora” que planeja e dá início ao processo de vitimização, respaldada por um círculo social que a incentiva e auxilia. A vítima é sempre rechaçada por suas colegas, e o objetivo é eliminá-la do convívio social. Para isso, comumente se observam fofocas, comentários maldosos, xingamentos e mentiras. Contudo, ainda que em menor grau, as meninas também se utilizam de maus-tratos físicos.
Para identificar o bullying, é necessário reconhecer seus critérios e diferenciá-lo daquilo que faz parte do processo de socialização ou de algo natural da infância e da adolescência. Não é bullying o ato de fazer brincadeiras pontuais engraçadas, inconsequentes ou irritantes. Não é bullying a emissão de comentários ou opiniões divergentes, discussões ou brigas, entre outras possibilidades inerentes às relações interpessoais. Não são bullying os conflitos ou ofensas pontuais, que resultam em mágoa ou raiva passageira.
Para que uma ação seja diagnosticada como bullying, é imprescindível que contenha os seguintes critérios: repetição das agressões contra o mesmo alvo, desequilíbrio de força ou poder entre as partes, intencionalidade nas práticas agressivas, ausência de motivos por parte das vítimas e prejuízos resultantes.
As consequências do bullying afetam a todos os envolvidos. Dependendo da gravidade da exposição e das características individuais daquele que é exposto, bem como de suas relações com os meios em que vive, principalmente quanto ao suporte familiar e escolar, ele conseguirá superar ou não o trauma da vitimização. Quando isso não for superado, a vítima poderá isolar-se socialmente, como estratégia de evitar as agressões ou de fugir do problema. Pode apresentar na vida adulta dificuldades relacionais, insegurança, ansiedade, baixa autoestima, nervosismo, agressividade, apatia, sintomas depressivos e fobias. Algumas vítimas tendem a reproduzir a vitimização no local de trabalho, praticando o assédio moral, ou na família, praticando a violência doméstica ou intrafamiliar.
Estudos têm demonstrado que as consequências recaem tanto sobre as vítimas quanto sobre os autores, e seus efeitos são observados a longo prazo. No caso de manterem o comportamento agressivo, os opressores terão problemas no futuro no que concerne ao desenvolvimento e à manutenção de relações positivas. Os agressores, por sua vez, terão maior tendência para comportamentos de risco do que seus colegas não agressores, podendo envolver-se no consumo de tabaco, álcool e drogas.
Por outro lado, o comportamento agressivo pode solidificar-se com o tempo, comprometendo as relações afetivas e sociais, além da aprendizagem de valores humanos, como a solidariedade, a empatia, a compaixão, o respeito a si mesmo e ao outro, o que afetará as diversas áreas de sua vida. Muitos tendem à depressão, ao suicídio, à autoflagelação, ao envolvimento em delinquência, ao abuso de drogas e à criminalidade. Futuramente, também podem cometer violência doméstica e assédio moral no trabalho.
Para saber se um aluno é vítima de bullying, deve-se primeiramente observar seu comportamento e seu envolvimento. É preciso cautela para não rotular ou se precipitar na identificação. A vítima costuma retrair-se ou isolar-se socialmente. Apresenta comportamento ansioso, deprimido ou irritadiço. Falta com frequência às aulas, sem justificativas convincentes. Perde a concentração e o entusiasmo pelos estudos, podendo ter uma queda acentuada no rendimento escolar, além de queixas frequentes de dores (como de cabeça e de estômago) e de febre, o que o faz pedir para sair mais cedo ou ausentar-se das aulas.
Da mesma forma, para saber se um aluno pratica bullying, é necessário observar seu comportamento. Mais uma vez, é preciso ter cautela para não se deixar levar por estereótipos ou equívocos na identificação. Em geral, o praticante apresenta características peculiares de comportamento que o diferenciam dos demais colegas, como irritabilidade, agressividade e impulsividade. Suas atitudes abusivas, intimidadoras e prepotentes despertam a atenção dos adultos da escola. Precisa sentir-se notado, chamar a atenção para si, conquistar popularidade e temor. Está constantemente envolvido em confusões e desentendimentos; subjuga, domina, constrange, humilha e persegue os mais tímidos e vulneráveis. Desafia, desrespeita, provoca, perturba o ambiente escolar e irrita seus colegas. Pode ter maior estatura e força física do que a vítima, o que certamente lhe facultará a dominação. Todavia, pode ter menor estatura e força física, porém emocional e socialmente pode estar em vantagem, já que muitos do grupo apoiam suas ações.
Antes de tratar o tema com os alunos, recomendo que os docentes informem-se sobre o assunto. As escolas devem implantar programas antibullying, compostos por um conjunto de estratégias interventivas e preventivas, contemplando a participação de toda a comunidade escolar e a inserção em seus projetos pedagógicos. Quanto mais cedo a criança aprender valores condizentes com uma cultura de paz, mais cedo saberá respeitar as diferenças e conviver com elas.
- Cléo Fante é pedagoga, historiadora e vice-presidente do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes).
cleofante@terra.com.br
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