quinta-feira, 6 de setembro de 2012

TELONA QUENTE 56

Devo a Monteiro Lobato meu interesse e parte do conhecimento sobre mitologia grega, desde que li as aventuras da turma do Sítio do Picapau com o Minotauro e Hércules, nos meus 9, 10 anos.
Vivo minifase grega. Ouço um áudiolivro sobre deuses (as) e tenho outros em estoque sobre a história da Grécia Antiga e as tragédias. Aproveitando o clima, assisti à adaptação de Antígone, rodada na Grécia, em 1961 e estrelada por Irene Papas.
Vários mitos helênicos sobrevivem em diferentes versões. No caso de Antígone, a mais famosa é a deixada por Sófocles, um dos 3 mestres da tragédia.
Antígone é filha de Édipo e Jocasta, portanto, princesa de Tebas. Os protagonistas trágicos sempre pertencem às famílias mais distintas e se estrepam. Suas quedas serviam como exemplo aos espectadores.
A maldição da Casa de Laio – pai de Édipo - passa a seus descendentes. Depois do suicídio de Jocasta e do exílio edipiano, seus filhos Etéocles e Polinice entram em guerra pelo reinado tebano. Ésquilo tratou disso n’Os Sete Contra Tebas.
Na guerra civil, os 2 irmãos morrem e Creonte – irmão de Jocasta – assume o trono. Um de seus primeiros éditos é proibir o enterro do traidor Polinice. Na Grécia antiga, a unção do corpo e seu sepultamento eram partes fundamentais pra entrada no Hades, reino dos mortos. O cadáver de Polinicie ficaria exposto ao ar livre pra ser devorado pelas feras carniceiras.
A tragédia de Antígone começa quando sabe da promulgação Real. Resoluta, a jovem decide sepultar Polinice, porque age segundo as tradições dos deuses. As personagens trágicas jamais são demovidas de suas resoluções. Nada – a não ser os deuses – pode se interpor em seu caminho.
Arma-se um dos dilemas da(o) peça/filme: Antígone devia ter seguido a antiga tradição ou curvado-se ao fato de que seu irmão pusera a polis em perigo por sua traição?
Há outra questão que torna Antígone tão atual. Ao ser informado da desobediência de Antígone, Creonte sentencia que a princesa deve ser enterrada viva. Ao saber da punição, seu filho – noivo de condenada – pede clemência ao rei, alegando que os cidadãos tebanos estavam contra a severidade do castigo, afinal, a pobre Antígone só desejava dar enterro digno a seu sangue.
Ao desconsiderar o anseio de seus súditos, a atitude de Creonte põe em questão o papel do governante. Ele tem o direito de gerir seu lugar a seu bel prazer ou tem que ouvir a voz do povo? Se não a escutar, quais podem ser as consequências?
Creonte é tão cabeça-dura quanto Antígone. Mas, a intransigência de Creonte potencialmente pode trazer muito mais problemas, por ser o governante da cidade. O adivinho Tirésias o alerta. E o pior acontece.
A adaptação pra cine é ótima. Na tragédia grega, as ações acontecem fora do palco, sendo narradas. O filme mostra tais ações enquanto são contadas, eliminando o possível tédio. O papel do coro – espécie de comentador da ação na tragédia grega – é diminuído a fim de não desacelerar o conflito. Não que Antígone seja um desses filmes vertiginosamente rápidos de hoje, mas não é moroso.
Reli a peça depois de ver a película e percebi que muito do diálogo foi mantido, especialmente as partes onde a questão do gênero de Antígone é levantada. Uma das inquietações de Creonte é que tudo tenha sido causado por uma mulher, que sequer possuía status de cidadã na Grécia Antiga (mesmo na posterior democracia ateniense).
Além da suntuosa produção e da linda fotografia em branco e preto, há a atuação de Manos Katrakis. Mesmo sem entender grego, a gente sente a soberba, a dúvida e a dor de Creonte através de suas inflexões, tom de voz, expressões faciais e gestuais. Um colosso de ator.
Pra quem lê inglês, não há desculpa pra não ver essa preciosidade, no You Tube:

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