quinta-feira, 20 de setembro de 2012

TELONA QUENTE 57

Seguindo minha fase greco-trágica, vi Iphigenia (1977), baseada na Ifigênia em Aulis, de Eurípedes, que deixou a peça inacabada ao falecer. Seu filho (ou sobrinho) escreveu o final. Os festivais em homenagem a Dioniso tinham competições onde escritores concorriam com trilogias. Da trinca de grandes dramaturgos trágicos – junto com Ésquilo e Sófocles – Eurípedes foi o que menos tirou o primeiro lugar, mas no ano de sua morte, coube-lhe essa rara honra.
Os homens que viam as tragédias – mulher não entrava nos anfiteatros – já sabiam os enredos, baseados em mitos. Os tragediógrafos podiam mudar detalhes, pontos de vista, mas não a espinha dorsal da lenda. Se lermos a Ifigênia em Tauris, do mesmo autor, notaremos detalhes distintos, quando os acontecimentos em Aulis são relatados.
Na Ifigênia em questão, a armada helênica de mil navios está encalhada em Aulis, devido a uma calmaria. Os gregos tencionavam invadir Tróia pra lavar a honra, manchada desde que a fogosa Helena fugira com Paris.
O oráculo profetiza que os deuses mandarão vento, se Agamenon, rei de Micenas e comandante do exército grego, sacrificar sua filha. O ambicioso monarca envia carta ao palácio real mentindo que a filha se casaria com Aquiles. A rainha Clitemnestra vem a Aulis com a princesa Ifigênia. Ao descobrir a verdade, inicia-se uma série de ações destinadas a evitar o sacrifício, mas, podem os mortais, mesmo a realeza, insurgirem-se contra os desígnios do destino, determinado pelos deuses?
Diferentemente da adaptação de Antígone, essa produção grega toma certas liberdades com o texto, criando novos pontos de discussão. Embora sintamos pena da juventude desperdiçada de Ifigênia, fica a pergunta: se as famílias gregas “comuns” teriam de arcar com a perda de seus filhos, por que não a família real?
A questão da imolação de um indivíduo pra proporcionar o bem do Estado/da coletividade também se coloca – tanto na peça, quanto no filme. Mas, é relativizada, quando se pensa que todo esse esforço bélico é por causa de alguém que preferiu a cama de outrem, embora haja muito mais em jogo nos bastidores.  
Talvez um dos motivos de Eurípedes haver ganho tão poucas vezes os concursos trágicos seja colocar na berlinda o preço pago em sangue pela glória helênica, o certo patetismo com o qual tinge a realeza e a própria irresponsabilidade dos deuses e suas disputas vaidosas.
Tudo isso está bem delineado no filme, que ganha em agilidade com a supressão quase total do coro, que, em cine, tornaria a ação monótona.
Iphigenia, o filme, é cheio de diálogos pungentes e comoventes, destacando uma interpretação arrasadora de Irene Papas, como a amorosa, colérica e dolorida Clitemnestra.
É tenso e torcemos por Ifigênia, mesmo que em uma ou 2 falas (muito discretas), o roteirista dispare uma farpa que não pode passar despercebida. A jovem não faria o mesmo pela honra grega?
Se você lê inglês, poderá ver essa excelente adaptação no You Tube:

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