Parte do modo de produção capitalista, a música pop é fenômeno fugaz. A ciranda de artistas e grupos gira rapidamente e o que é in numa temporada vira out em um par de meses. Concebida dentro dos moldes da obsolescência planejada, parece que a fugacidade dessa indústria cresce.
Entretanto, artistas e ouvintes são seres humanos. Por mais que saibamos da impessoalidade da produção de muito da música pop, ela serve pra embalar histórias de vida: noitadas, namoros, casamentos, velórios. Enfim, ela acaba ativando uma série de lembranças. Não é incomum associarmos canções – mesmo as mais “descartáveis” - com momentos de nossa trajetória. Isso não pode ser desconsiderado.
Durante 3 fugazes anos – entre 1987 e 1990 – as paradas de diversos países foram dominadas por uma trinca de produtores ingleses: Mike Stock, Matt Aitken e Pete Waterman, ou Stock, Aitken e Waterman, ou SAW. Eles “inventaram” Kylie Minogue a Rick Astley. Pronto, qualquer oitentista agora já tem noção do tamanho desses caras na época.
O trio é comparado como uma espécie de Motown inglesa e realmente foram grandes. Gigantescos. Dezenas de canções nas paradas, zilhões de álbuns vendidos. A linha de produção era fordista mesmo: canções pop grudentas, baratas, tudo meio igual. Uma sucessão de artistas fabricados em estúdio como Mandy Smith, Sinitta, Sonia, Princess, hoje lembrados apenas por fãs empedernidos dos anos 80.
O poder de SAW era tanto que artistas com a popularidade em baixa entregavam-se a eles pra terem um respiro extra, como Kim Wilde e Cliff Richard. O exemplo mais notável foi Donna Summer, que se revitalizou temporariamente em 1989, com um álbum produzido pela tríade. Quem esquece pérolas pop como Breakaway, This Time I Know It´s for Real ou I Don’t Wanna Get Hurt?
Este ano, às vésperas do adiado concerto que reuniria alguns dos artistas que trabalharam com SAW, a iTV1 exibiu o documentário The Hit Factory: the Stock, Aitken and Waterman Story. Ao assisti-lo, vieram-me à mente aquele tipo de lembranças ás quais me referi no início. Dancei muito ao som de Kylie, Rick, Jason Donovan. Até hoje, ouço a versão de Hazel Dean pra Turn It Into Love (gosto mais do que da versão de Kylie, sorry...). A sonoridade inconfundível do trio me conforta, no sentido de saber onde estou pisando.
O documentário reúne diversas celebridades do combo da PWL (gravadora de SAW). Peter Burns, Kim Appleby, Jason Donovan, Sinitta; estão quase todos lá. Atuais poderosos, como Simon Cowell, aparecem pra se dizerem influenciados.
Por se tratar duma celebração da obra, tudo é
edulcorado. O estúdio é retratado como se fora uma grande festa e os artistas
chovem elogios. Sabemos que não é bem assim. SAW eram homens de negócio, que
tratavam os artistas como mercadoria. Não é a toa que o álbum pós-PWL de Rick
Astley chamou-se Free.
Como o fenômeno pop é fugaz, a fábrica de sucessos deu
defeito em 90 e não produziu mais nada bem sucedido, até se desfazer em 1993. O
programa explica alguns dos motivos, embora evite as batalhas judiciais
subsequentes, que fizeram SAW não se olharem mais nos olhos.
Pra quem entende
inglês, The Hit Factory: the Stock, Aitken and Waterman Story está completo no
You Tube. Viagem deliciosa ao final dos anos 80. Pop descartável?
Eu não o descartei e conheço muita gente que também não!
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