Outro dia, topei com o termo adultescente. Não prestei muita atenção, mas, pelo que captei, refere-se ao estágio cada vez maior de imaturidade, devido a uma sociedade que quer e prega gratificação instantânea, excessivo zelo parental, infantilização de conteúdos via escola, mídia e afins, declínio da abstração e otras cositas.
Enquanto assistia ao inquietante Kynodontas (2009), do agent provocateur grego Yorgos
Lanthimos, adultescente não me saía da cachola. Repulsivo, surreal, satírico,
violento, patético, às vezes tudo ao mesmo tempo agora, Kynodontas fica com a
gente depois de passada a hora e meia com aquela coleção de personagens tão
alheios, estranhos, bonitos, feios, próximos.
Não adianta querer julgar o filme utilizando as lições
dos manuais de roteiro a la Syd Field, porque a estrutura é diversa: não temos
apresentação, desenvolvimento, mudança nos rumos da trama nos momentos
convencionais dum roteiro composto por 3 atos, realista (por mais que se
disfarce isso em clima de fantasia) .
Um casal cria seus 3 filhos jovens adultos apartados do
mundo, numa grande casa murada, com piscina e amplo quintal, nos arredores
dalguma cidade grega. Jamais nomeados, os filhos vivem num ambiente de tirania indisfarçada,
sob o jugo de competições e ensinamentos errôneos. No vocabulário próprio da
casa, telefone significa saleiro.
O clima surreal/absurdo já sinaliza que o filme requer
ferramental crítico específico pra julgá-lo. Não adianta ficar perguntando como
eles limpam a piscina, ou, como os jovens tinham atendimento médico. Kynodontas
dá quase nenhuma explicação.
Por outro lado, o surrealismo da história bate na nossa
fuça quando nos lembramos de fatos recentes na Áustria e na Califórnia, onde
crianças passaram anos isoladas/prisioneiras.
Embora o filme seja lento, o clima de paranóia,
sadismo, masoquismo, perversão, “normalidade” postiça, sexualidade,
distanciamento criado pelo diretor - tanto em termos de narrativa, quanto de
cinematografia e ângulos de câmera – faz com que queiramos saber o que poderá
acontecer. Incomoda e até diverte meio doentiamente, ver adultos se comportando
como crianças, latindo e achando que um avião de brinquedo jogado pela mãe é
uma aeronave que realmente caiu no quintal da mansão.
Quando uma jovem contratada pra satisfazer sexualmente
ao filho traz um elemento exógeno às escondidas, as consequências são
irreversíveis. Que esse elemento se travista em produtos culturais estadunidenses
permitiria uma leitura globalizante do filme? Oitentistas, atentem pra bizarra
cena onde uma das filhas imita Flashdance!
Crítica a pais superprotetores, metáfora sobre a
tirania (mal) disfarçada. Seja o que for, Kynodontas é uma daquelas
experiências cinematográficas, que, quietinhas, corroem o cérebro e se
incrustam nele por muito tempo.
PS: se você, como eu, é gateiro, odiará uma cena!
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